Jornal Estado de Minas

Com violência em alta, dispara o interesse pelo uso de armas em Minas

Corrida por obtenção do porte, que subiu 5 vezes em 4 anos, é o lado visível da busca do cidadão por autodefesa

Paula Sarapu Jefferson da Fonseca Coutinho

Empresário durante aula de tiro em Belo Horizonte: procura pelos cursos aumenta, especialmente entre pessoas que já foram vítimas de violência - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press

Há um grupo civil armado, silencioso e crescente em Belo HorizonteA cada dia a cidade tem mais atiradores como o economista Gustavo Calixto, de 35 anos, cidadão de bem, trabalhador, com capacitação em arma de fogo para esporte e defesaComo treinamento, são 400 disparos, em média, por mêsNo teste prático para obter licença, o aproveitamento foi de nada menos que 100%Consultor financeiro, Gustavo é também dono de arma e atirador de elite nas horas vagasParte da família não aprovaA outra respeitaIntegrante de clube de tiros desde 2005, ele diz ter fascínio por armas desde criança, assunto encarado com seriedade na fase adulta, quando decidiu se aperfeiçoar na técnica para se defender“A polícia não está preparada e não tem contingente para dar proteção ao cidadão”, disparaComo ele, cada vez mais belo-horizontinos têm procurado meios legais para poder se armarDados do Sistema Nacional de Armas, da Polícia Federal (PF), mostram que houve aumento de 406% nas expedições de portes em território mineiro entre 2008 e 2011.

No ano passado, segundo a PF, 223 documentos foram emitidos em Minas, número que vem crescendo há três anos, apesar das campanhas de desarmamento

Desde 2009, quando a Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos passou a catalogar as estatísticas referentes às solicitações de porte, 766 pedidos foram feitos no estadoO Exército, por sua vez, controla as autorizações para a prática de tiro esportivo, com avaliações a cada dois anos e uma série de exigências de documentos, aptidões e certificados.

Favorável ao controle rígido, o economista Gustavo Calixto defende que todo cidadão de bem, “devidamente treinado”, deveria fazer valer seu direito à autoproteçãoEspecialistas em segurança, porém, desaconselham e usam estatísticas para alertar que ter uma arma muitas vezes aumenta o risco em caso de um episódio violentoE a PF é criteriosa: do total de pedidos de 2008 a 2011, 86,2% (661) foram indeferidosMas há uma parcela invisível de cidadãos que mantêm armamento mesmo sem autorização oficialÉ o que admite o próprio Gustavo, afirmando conhecer também “cidadãos trabalhadores armados” sem registro“Conheço muitos”, afirma, arriscando um percentual de 50% do total.

A motivação da maioria dos que se armam é a mesma de Rossi, um empresário de 53 anos que mora na Pampulha e pede para ter a identidade preservada, ao afirmar ter se tornado atirador por necessidade“Fui assaltado cinco vezesNa última, ameaçaram minha famíliaCansei de esperar que o poder público fizesse o que já está mais que comprovado que ele não dá conta”, desabafa
Para Rossi, o desarmamento precisaria começar pelos criminosos e não pelos cidadãos honestos“É uma hipocrisiaOs bandidos invadem essa quantidade de casas e empresas, como a gente vê todos os dias nos jornais, roubam, fazem o que querem da sociedade, porque sabem que não vão encontrar perigoNa minha casa, na minha empresa, bandido não é bem-vindoÉ recebido à bala.”

COVARDIA

Com revolta, o empresário recorda o assalto que sofreu, quando foi rendido por dois homens no escritório, em uma manhã de sábado“Eles passaram quase uma hora na empresaForam covardes, atiraram no meu funcionário à toa, me deram uma coronhada, levaram tudo e até hoje a polícia não dá nem notícia”, criticaEm uma espécie de desafio, Rossi acrescenta que quando a polícia desarmar os bandidos ele será “o primeiro pai de família a entregar as armas”.

Para o especialista em segurança Alexis Pettersen, de 47, instrutor e competidor com mais de 10 mil tiros disparados por ano, a principal defesa não vem da arma, mas sim do comportamento, das medidas particulares e dos cuidados de cada cidadão“O que pode proteger é a antecipação dos fatosO armamento é um complemento.” Criterioso, ele separa a prática esportiva da defensivaE, por conhecer as polêmicas que envolvem o assunto, defende que a arma precisa ser “desmistificada”.

“Não tenho nada contra as pessoas conhecerem as armasElas podem muito bem praticar em um clube de tiro, sem terem uma arma em casaE se o indivíduo estiver apto, que tenha uma arma legalizada, de acordo com as regras da PF ou do ExércitoÉ um direito de todo cidadãoPor que não?”, questiona o fundador do Clube Tiro UrbanoCom experiência internacional em defesa pessoal, Alexis diz que o armamento para a defesa do cidadão é um “último recurso”Bem antes da arma de fogo, ensina, vem a preocupação de “estar sempre atento”, com cuidados permanentes para não dar chance ao azar.

O instrutor cita exemplos de práticas cotidianas, como prestar atenção ao estacionar ou voltar ao carro, ter cuidado redobrado ao abrir e fechar portões e ter consciência de que ostentar riqueza aumenta a exposição de qualquer pessoa“A pessoa diz: ‘Mas eu trabalhei tanto e não posso ter um carro caro...’ e fica irritadaLamentoNão que ela não possa ter um carro de luxoMas é importante que ela saiba que isso é um atrativoE que vai exigir ainda mais a atenção dela”, consideraArmado, com faca e pistola automática, Alexis jamais se senta de costas para portasComportamento que esteve evidente durante a conversa com a equipe do Estado de Minas, durante a qual o entrevistado manteve o olhar atento a todo e qualquer movimento no ambiente.

NÚMEROS

406%
foi o aumento na concessão de porte de armas em território mineiro de 2008 a 2011

59 milhões

de eleitores (63,94% dos votos) foram contra a proibição do comércio de armas e munição no plebiscito de 2005

43,3 mil
armas legais foram comercializadas em Minas de 2005 a março de 2010, média de 23 por diaNo país, foram 635 mil

45,8%
foi quanto cresceu o comércio de armas legalizadas em território mineiro em seis anos, segundo o Exército

658
vítimas de armas de fogo foram atendidas no HPS de BH entre janeiro e agosto90% dos assassinatos na Grande BH são cometidos a tiros