O portão aberto indicava que a esperança de ter a filha de volta em casa permaneceu viva por todos esses dias. Com a voz mansa, a dona de casa Delane dos Santos, de 36 anos, ainda usava verbos no presente para falar da pequena Kamyla, e agradecia a cada um dos vizinhos e amigos da cidade pelo carinho que recebeu nos dias de angústia, sem notícias da filha. Delane faz força para acreditar que a dor que sente é uma provação divina. Lembra que a menina de 5 anos pediu que ela fizesse uma broa antes de sair de casa para chamar um amiguinho da escola, e disse que cinco minutos depois foi até a rua para chamá-la para fazer o dever de casa.
“Foi tão rápido... Ela acabou de comer, colocou o prato dentro da pia e saiu pela porta dos fundos. Larguei a limpeza da casa e saí atrás dela pela porta da frente. Mas ela já tinha sumido”, contou a mãe. “Não ouvi barulho de carro, nem de moto, nem gritaria da minha filha. Não sei como a levaram daqui, mas ninguém da rua viu.”
"Piores que bichos"
A casa de Kamyla virou ponto de peregrinação. Delane recebeu todos os que passaram por lá com um abraço. Não quis ouvir nada sobre os suspeitos. “Sei que o delegado ainda vai vir falar comigo, para me dar uma resposta, porque ele fez tudo o que podia para encontrar minha filha viva. Eu queria não acreditar em tudo isso e tenho pena dessas pessoas, pelo falta de humanidade delas. Foram piores que bichos, mas eu não tenho raiva. Vou aceitar como uma provação de Deus.”
Com Alice, a boneca preferida da filha, nos braços, Delane lembrou que Kamyla estava terminando o ano na Escola Municipal Antônio Mourão Guimarães, e que já sabia escrever o nome. Religiosa, a menina participou da festa de sua santa preferida, Nossa Senhora Aparecida, e participou de uma novena. Também comprou sapato novo para a boneca, que enfeitava o quarto rosa que Kamyla dividia com a irmã na casa recém- construída.
“Ela é muito querida. Percebi que já era do mundo pelo jeito que todos acolheram nossa tristeza, para que Kamyla não fosse só mais um caso de criança desaparecida”, disse ela. “A cidade inteira se mobilizou e eu não tenho palavras para agradecer a todos. Se pudesse, bateria de porta em porta, porque me senti reconfortada. Ninguém deixou de procurar por ela por um minuto e eu tinha certeza de que ela iria voltar para casa. Deus tem o tempo Dele e eu esperava que Ele pudesse me conceder essa graça, mas pelo menos Ele me devolveu o corpo dela, para que eu possa procurá-la quando tiver saudades.”