Jornal Estado de Minas

Inglês é uma língua de outro mundo na capital mineira

Estrangeiros terão muita dificuldade para circular em Belo Horizonte se dependerem da capacidade de taxistas, policiais e atendentes em geral de fornecer informações em inglês

Tiago de Holanda Felipe Canêdo

Gerente de cafeteria na Savassi, Devanir Rodrigues admite que nenhum funcionário é bilíngue - Foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press

Turistas de outros países não teriam vida fácil se quisessem passear por Belo HorizonteFoi o que constataram, na tarde de ontem, os repórteres do Estado de Minas, que andaram na Savassi e no Centro Antes de se identificarem, eles se passaram por estrangeiros e conversaram em inglês com taxistas, policiais militares, guardas municipais, atendentes de museu, de café e de uma loja de artesanato.

NA SAVASSI

“Good afternoon! Do you speak english?” (“Boa tarde! Você fala inglês?”), eu disse a um taxista estacionado perto da Praça da SavassiAssustado, ele me olhou como se eu fosse um ETRepeti a pergunta e ele começou a sorrirFez que não com a cabeça, balbuciou algo e apontou para o táxi de trásNo outro carro, a mesma abordagem e o mesmo espantoProssegui: “Do you know how can I get go the Central Market?” (“Você sabe como eu chego ao Mercado Central?”)Após mais alguns segundos de silêncio, o taxista arriscou: “Você sabe o nome da rua?”Desistiu, pegou o rádio e pediu por um taxista bilíngue, mas não havia nenhum à disposiçãoE o estrangeiro de mentira continuou à deriva.

Ironicamente, o segundo taxista tem nome estrangeiro

Roosevelt Pereira, de 21 anos, admitiu que, em inglês, sabe pouco mais do que se apresentar: “My name is Roosevelt”“Falo muito poucoSó o básicoFiz aula no colégio, mas esqueci tudo”, explicouSempre que alguém chega engrolando a língua, ele apela ao rádio, mas quase nunca há colegas para socorrê-lo“É muito difícil achar taxista bilíngueE os que existem, é um inglês esquisito”, constataEle diz que está à procura de uma escola de inglês, principalmente por causa da proximidade da Copa de 2014“Estou preocupado, o pessoal vai ficar meio perdido”, reconhece.

Em um café a poucos metros dali a garçonete Fátima Pereira disse “no” quando perguntei se ela falava inglêsPegou o cardápio e começou a apontar com o dedo as opções de bebida
Expliquei: “I want something to eat” (“Quero alguma coisa para comer”)Ela arrastou o dedo sobre a página, mudaDepois de me identificar como repórter, Fátima disse que quando o cliente fala língua estranha, o jeito é se virar com gestos.  O gerente do café, Devanir Rodrigues, diz que nenhum dos atendentes é bilíngue “Eles vão fazer um curso de inglês em breve”, informou.

Uma dupla de guardas municipais passava ali perto“Do you speak english?”, perguntei“Aí complicou”, disse um, sorrindoNão desanimei: “How can I go to the Central Market?”Eles me olhavam e se encaravam sem saber o que fazerTentei ajudar: “That’s the place where you buy food, cheese, pets” (“É o lugar onde se compra comida, queijo, animais”)“Deve ser o shopping”, deduziu um, que disse em voz alta: “Pá-tio Sa-vas-si” Encarei-o, confusoEle me deu as coordenadas e acabei no shoppingLá, por sorte, encontrei um casal de namorados que falava inglês“Take a bus down there” (“Pegue um ônibus ali embaixo”), orientou a musicista Gabriela MelloE disse o número do ônibusO estrangeiro, enfim, chegaria a seu destino — se alguém soubesse dizer em que ponto desceria (TH)

NO CENTRO

“I wanna go to this place” (“Quero ir para este lugar”), apontei o papel em que havia escrito “Praça da Estação”Desconfiado, o taxista Wallison Francisco Cruz, de 30 anos, me levou até lá, no Centro de BHNa chegada, garantiu: “Não consigo falar inglês, mas não dei nenhuma volta até a praça”Durante o percurso, Wallison esbanjou boa vontade, disse que tinha começado a estudar inglês, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra na língua estrangeira.

Na entrada do Museu de Artes e Ofícios, abordei uma recepcionista simpática, que me disse saber falar inglês mais ou menos “So, so”, afirmou, gesticulando com a mão direitaEntregou-me um guia em inglês das instalações e me descreveu, com mímica, que bolsas e mochilas deveriam ser deixadas em um guarda-volumesAto contínuo, falou pausadamente em alto e claro português, várias vezes, na esperança de que o estrangeiro compreendesse a regraO segurança que vigiava o detetor de metal da entrada tampouco falava inglêse, apontando para o bolso da minha calça, advertiu que telefones celulares não eram bem-vindos.

Do lado de fora do prédio de arquitetura rebuscada, dois policiais militares que conversavam ao lado de uma van da corporação se esforçaram para me explicar o caminho até o Palácio das Artes“Esqueci como fala ‘segue direto’”, disse um deles“Acho que é ‘turn right’ (vire à direita)”, emendouConstrangido, o outro tentou ajudar: “Fala que é para seguir as grades do Parque Municipal e virar à direita”O primeiro lançou: “Across the central parkThen turn right” (“Através do parque centralEntão, vire à direita”).

No Palácio das Artes, os atendentes da loja de artesanato não eram bilíngues e confessaram que costumam se virar com gestos quando se deparam com estrangeirosNo balcão de venda de ingressos do Palácio das Artes, perguntei: “Do you speak english? (“Você fala inglês?”)”A resposta foi sucinta: “Não”A funcionária olhou para o lado em busca de ajuda, mas o semblante de outra moça era pouco alentadorPedi um guia do Palácio das Artes em inglês, mas me disseram que não havia e que as “duas funcionárias que falam inglês fluentemente” tinham viajadoNa volta para a redação, outro taxista afirmou: “Até 2014, dá tempo de os gringos aprenderem português”(FC)