As ruas do Bairro Nossa Senhora do Rosário, em Ouro Preto, amanheceram de luto. Brasões de várias moradias de estudantes foram cobertos por sacos plásticos pretos. Era uma referência à morte de Daniel Macário de Melo Júnior, de 27 anos, aluno do curso de artes cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). O estudante foi encontrado sem vida na manhã de sábado na cama do quarto que ele ocupava na República Nóis é Nóis depois beber em excesso na noite anterior. Um exame do Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte vai apontar as causas da morte do aluno, mas informações preliminares da Polícia Civil indicam que ele pode ter se asfixiado com o próprio vômito.
Ainda segundo a PM, Daniel passou mal e foi posto para dormir por colegas. Na manhã seguinte, os companheiros notaram que ela não respirava. “Eles (os colegas) informaram que colocaram Daniel para dormir e também foram para suas camas. No dia seguinte, quando acordaram, perceberam que ele não respondia e chamaram o resgate e a PM”, disse o sargento Alexandro Ferreira da Silva. Uma versão mais detalhada, porém, foi contada por colegas de república a amigos e familiares de Daniel durante o enterro do estudante, ontem, em Guaranésia.
“Um deles me disse que ele (Daniel) chegou por volta das 23h de sexta-feira, já passando mal. Ele abriu a porta do quarto e foi dormir. Outro amigo falou que, por volta das 2h30 de sábado, passou lá e ele estava roncando, dormindo de bruços, com sinal de que tinha vomitado”, afirmou João Batista Afonso, de 47 anos, tio de Daniel que esteve no enterro. Segundo Felipe Laudade, de 32 anos, amigo do estudante, ele ouviu de companheiros do estudante de artes cênicas que ele havia estado em outra festa, com os colegas de sala.
O corpo de Daniel foi levado para Itabirito, antes de seguir para Guaranésia. Segundo informações da Polícia Civil de Ouro Preto, o médico-legista constatou indícios de que o aluno da Ufop tenha se asfixiado com o próprio vômito. O laudo final, porém, ficará pronto em 30 dias. O delegado de Ouro Preto vai aguardar o resultado do exame de necropsia para avaliar se abre inquérito para apurar as circunstâncias da morte do estudante.
Álcool em excesso
A morte de Daniel chocou familiares do aluno e voltou a chamar a atenção para o consumo de álcool entre estudantes na cidade. No ano passado, pesquisa da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostrou que os alunos da Ufop são os que mais admitem beber periodicamente ou sempre entre universitários do país (leia mais na página 20). Para parentes de Daniel, o rapaz passou a beber mais depois que foi morar em Ouro Preto. O tio do estudante considera que os colegas dele poderiam ter tido mais atenção. “Não quero culpar ninguém, mas você fica cheio de interrogações na cabeça. Quando ele chegou passando mal, não passou pela cabeça de ninguém levar para o hospital? Acho que teve um pouco de negligência”, desabafou.
Nas repúblicas de Ouro Preto, ninguém quis se manifestar. “Não vamos falar nada. Estamos de luto. Foi uma fatalidade”, defendeu uma moradora de república. A Rua Doutor Cláudio Lima, onde fica a república Nóis é Nóis, estava vazia. Um ônibus cedido pela Ufop levou os moradores até Guaranésia para o enterro. Na entrada do imóvel, ainda havia sinais da festa da última sexta-feira, com caixas de cerveja e marcas de sujeira.
PERFIL
Daniel Macário de Melo Júnior, conhecido pelos apelidos de Juninho ou Bode, tinha 27 anos. Em sua cidade natal, Guaranésia, no Sul de Minas, participava de um grupo de teatro amador e cantava em uma banda de forró. Também dava aulas gratuitas de teatro para crianças. Morava desde o início do ano em Ouro Preto, onde cursava o segundo período de artes cênicas. Era o terceiro de quatro irmãos. Seria o primeiro da família a obter um diploma universitário
ENTREVISTA
Daniel Macário de Melo, aposentado, pai do estudante
‘Espero que sirva de lição’’
Em entrevista ao Estado de Minas, a voz gagueja e treme ao telefone. O aposentado Daniel Macário de Melo, de 60 anos, tenta se conter, mas não esconde a saudade do filho, a quem chamava de Juninho. E revela que ele e a mulher, Enedina Afonso de Mello, de 54, sentem-se culpados pela morte do terceiro da prole de quatro irmãos.
Como era Daniel?
Ele era muito alegre, animado. Gostava de imitar os outros, de brincar, contar piada. Era muito querido. Já sepultei meu pai, minha mãe, um irmão mais velho... Mas filho parece que dói mais. Agora, um tem de dar força para o outro. Precisamos nos fortalecer e tocar o barco.
A notícia de que ele teria bebido demais antes de morrer surpreendeu a família?
Aqui, de vez em quando ele exagerava, mas a gente estava por perto pra cuidar dele. Deu pra ver que os amigos (de Ouro Preto) são atenciosos. Acho que eu e Enedina devíamos ter alertado para que ficassem de olho quando ele bebesse muito. Nós falhamos nisso. Se a mãe estivesse lá, teria dado um jeito de levá-lo ao banheiro, pra ele refrescar e melhorar um pouco. Espero que o que aconteceu sirva de lição para os jovens, para maneirarem um pouco.
Colaboraram Paula Takahashi e Tiago de Holanda