Uma sexta-feira para esquecer nas avenidas de Belo Horizonte e em rodovias da região metropolitana: perseguição policial, imprudência, intolerância, negligência, falta de educação e de respeito, briga, carretas emperradas e congestionamentos. Um conjunto de abusos que terminou em transtornos, prejuízos e mortes, tendo como palco as pistas molhadas pela chuva. Ainda no meio da madrugada, uma carreta de quase 500 toneladas transportando um transformador ficou travada em plena Rodovia Fernão Dias, no sentido São Paulo, e interditou o tráfego. Até a noite de ontem, o veículo permanecia na pista e o pagamento dessa conta sobrou para os motoristas que enfrentaram 10 quilômetros de congestionamento e vários pequenos acidentes. Na MG-010, um funcionário da Gol que seguia para o trabalho morreu depois de entrar com o carro por acaso no meio de uma perseguição policial a um veículo que fazia transporte clandestino para Confins. Já perto de Caeté, na BR-381, no trecho conhecido como Rodovia da Morte, um veículo de vigilância derrapou na pista molhada, bateu numa carreta e dois vigilantes morreram.
Perseguição e morte
Uma cena de filme policial tomou conta ontem da MG-010. Uma viatura da Polícia Militar Rodoviária (PMRv) atendia um acidente quando o Corolla cinza placa HJP 8993 passou em alta velocidade. Os policiais reconheceram o carro, que momentos antes trafegava na contramão, na tentativa de sair do congestionamento. Na perseguição, o veículo derrubou três palmeiras no canteiro central. A viatura não conseguiu desviar da árvore e rodou.
O motorista Renato Antônio Meira Andrade estava com a documentação do carro irregular. Ele foi preso e poderá responder por direção perigosa e homicídio, segundo o major. Um dos passageiros do automóvel, Fábio da Silva Alves, e os dois militares, o cabo André Luiz Soares e o soldado Tiago Rafael Amaral, foram levados em estado grave para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. Eles não correm risco de morrer.
Ainda de acordo com o major Aguinaldo, o condutor prestava serviço para uma empresa de engenharia e é conhecido dos policiais do batalhão por fazer a rota BH-Confins. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou que, de janeiro ao fim de outubro, foram feitas 16.416 ações de fiscalização em todo o estado. Pela Lei de Transporte Clandestino, foram apreendidos 1.458 veículos. (JO)
Negligência na Fernão Dias
Eram 3h quando a carreta pesando cerca de 470 toneladas carregando um transformador emperrou no meio da pista, logo depois de uma subida. Um gigante de 87,51 metros de comprimento, 5,39m de altura e 6,3m de largura interditou a Rodovia Fernão Dias. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o veículo saiu da fábrica da Toshiba, em Contagem, e seguia para Araxá, no Alto Paranaíba. A inspetora Fabrizia Nicolai ficou impressionada com a cena. “O gerador é do tamanho de um carro, mas a prancha do guincho, que distribui o peso, é muito grande. A peça estava no centro dela, com vários eixos. A carreta passou por um aclive e pegaria um declive, mas ficou agarrada nessa parte alta, parecendo um cavalinho de brinquedo”, contou.
A carreta era escoltada pela PRF e foi afastada para o acostamento no fim da manhã. Uma faixa da rodovia foi liberada aos motoristas no sentido BH. O tráfego na direção de São Paulo fluiu normalmente. Policiais rodoviários informaram que, por causa do congestionamento e da chuva, houve vários acidentes. A Autopista Fernão Dias, concessionária responsável pelo trecho, alegou que a carreta não poderia trafegar naquela hora. De acordo com a assessoria, veículos com cargas especiais são autorizados a rodar apenas de segunda a quinta-feira, entre o amanhecer e o pôr do sol. Já a PRF informou que uma instrução normativa do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estabelece que, na Grande BH, o trânsito só é permitido à noite. Nenhum representante da Toshiba foi encontrado para comentar o caso.
O engenheiro projetista rodoviário Everaldo Cabral também ficou impressionado. “Inevitavelmente, essa carreta chegará a uma concordância vertical, num ponto alto ou baixo, e vai travar, porque não se acomoda na curva. Com essa dimensão, isso só não ocorreria se ela fosse flexível, o que não seria possível, porque o transformador ficaria solto em cima”, explicou. Segundo ele, a tendência natural, por estar subindo uma rampa acentuada, é chegar ao alto e travar. “A empresa deveria ter feito estudo sobre as dimensões da BR-381. É provável que ela não tenha tido essa preocupação nem entendimento técnico para isso.” Ainda ontem, uma carreta quebrada travou o trânsito na BR-040, em Sete Lagoas.(JO)
Tragédia na contramão
O acidente mais grave na sexta-feira caótica aconteceu no km 430 da BR-381, no trecho conhecido como Rodovia da morte. Por volta das 8h, os vigilantes Márcio José Pereira e Valdenyr Machado das Neves, ambos de 41 anos, funcionários da Esquadra Vigilância Armada, voltavam de uma missão quando o Classic em que viajavam ficou descontrolado numa curva, rodou na pista várias vezes, invadiu a contramão e bateu numa carreta que seguia para Monlevade, na Região Central do estado. O veículo ficou totalmente destruído e os vigilantes morreram na hora. Bombeiros usaram um desencarcerador para retirar os corpos das ferragens.
O motorista da carreta, Gabriel Soares Sobrinho, de 60, não se feriu. Ele contou que transportava uma carga de 25 toneladas de cal quando foi surpreendido pelo Classic saindo de uma curva e indo em sua direção. “Pelo impacto, o carro estava em alta velocidade. Tanto é que ele empurrou a minha carreta para trás. Não chovia na hora, mas a pista estava molhada”, informou o motorista, que diz conhecer os perigos da Rodovia da Morte e redobra a atenção quando está chovendo. “A estrada já é perigosa, estreita e cheia de curvas, e com chuva fica pior ainda. Pouco antes do acidente, um Gol também rodou na minha frente, ao passar por um redutor de velocidade, e quase aconteceu um acidente”, afirmou Gabriel.
A frente da carreta também foi destruída. A batida foi tão forte, segundo o motorista, que suas mãos, que estavam no volante, ficaram doloridas. Duas espingardas calibre 12 e dois revólveres calibre 38, usados pelos vigilantes, foram entregues a representantes da empresa de vigilância que estiveram no local. Cartuchos ficaram espalhados no asfalto. Parte da pista sentido Vale do Aço ficou interditada. Motoristas curiosos diminuíam a velocidade dos seus carros para ver o acidente e o trânsito ficou lento. (PF)