Jornal Estado de Minas

Furtada de capela em 1981, imagem de Nossa Senhora do Rosário é apreendida com colecionador

  De joelhos: Nininha e outros moradores da comunidade de Quinta do Sumidouro agradecem pelo retorno da imagem - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS Grande vitória na luta pelo resgate dos bens desaparecidos de Minas. Numa operação envolvendo o Ministério Público estadual, a Polícia Civil e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG), foi apreendida na manhã de ontem, em São Paulo, por determinação judicial, a imagem de Nossa Senhora do Rosário pertencente à Capela de Nossa Senhora do Rosário, do distrito de Quinta do Sumidouro, em Pedro Leopoldo, na Grande BH. A peça do século 18 foi furtada em 1º de dezembro de 1981 do templo católico e estava em poder do engenheiro civil paulista Renato de Almeida Whitaker, de 71 anos, considerado um dos maiores colecionadores de arte sacra do país.

De acordo com a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MG), Whitaker não ofereceu resistência e pediu a um funcionário que estava no apartamento, na Região dos Jardins, para entregar a escultura barroca de madeira, em policromia, com 89 centímetros de altura. Minas ainda tem 694 peças desaparecidas. Desde 2003 foram recuperadas mais de 300.

A ação para resgate da imagem foi ajuizada em 15 de março de 2004, lembra o seu autor, o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da CPPC: “Foram 31 anos de espera para a comunidade e mais de oito na Justiça para conseguirmos trazê-la de volta a Minas”, disse. A sentença para busca, apreensão e devolução da Nossa Senhora do Rosário foi dada pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública estadual, Geraldo Claret de Arantes.


"Foram 31 anos de espera para a comunidade e mais de oito na Justiça para conseguirmos trazê-la de volta a Minas", Marcos Paulo de Souza Miranda, promotor de Justiça - Foto: MARCELO SANT'ANNA/EM/D.A PRESS - 12/2/10 Além de entregar a peça sacra, Whitaker terá de pagar multa de R$ 200 mil e ainda 1 mil salários mínimos (R$ 622 mil) pelos danos causados à comunidade mineira.

Os recursos deverão ser aplicados na preservação do distrito colonial de Quinta do Sumidouro, via Fundo Estadual de Direitos Difusos. A imagem chegou na tarde de ontem de São Paulo e será apresentada hoje, às 9h, na sede do MPMG, no Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul de BH.

Na tarde de ontem, a alegria tomou conta da comunidade de Fidalgo, em Quinta do Sumidouro, ao saber do retorno da santa. De imediato, moradores foram ao singelo templo para agradecer. “A nossa capela foi restaurada e sempre mantivemos a esperança para ter a padroeira de volta”, disse Rogério Tavares de Oliveira, um dos líderes do movimento formado para lutar pelo retorno da peça.

Ele destacou que ela foi alterada depois de furtada do altar, descaracterização confirmada em análise com raio X feita por peritos em São Paulo a pedido das autoridades mineiras. Nos estudos, verificou-se que houve preenchimento do dedo da mão direita de Nossa Senhora do Rosário e complementação do braço do Menino Jesus, que estava quebrado.


"Por ser muito pesado, o Senhor dos Passos foi deixado no adro, debaixo D'água. Agora, Estou muito satisfeito", Joaquim Lélis Sobrinho, de 82 anos, ex-zelador do templo - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS Participaram da operação em São Paulo o delegado Wanderson Silva e três agentes da Polícia Civil de Minas Gerais, os técnicos do CPPC (o advogado Frederico Bianchini e a historiadora Paula Novais), a restauradora do Iepha, Maria Angela Pinheiro, e um oficial de Justiça de SP. Hoje, Marcos Paulo entregará a peça ao presidente do Iepha, Fernando Cabral, colocando-a sob guarda da instituição estadual. O conjunto da capela está sob tombamento do Iepha/MG desde 1976.

 

Noite chuvosa


Foi numa noite de chuva de triste memória que os ladrões arrombaram a janela da capela dedicada à santa e a carregaram com as esculturas de Santo Antônio, São Sebastião, Nossa Senhora das Dores, Santa Efigênia, Anjo Gabriel, que foi arrancado do altar e quebrou a asa, e Madona menor, além de cálices, pratarias e coroas. “Por ser muito pesado, o Senhor dos Passos foi deixado no adro, debaixo d’água”, recorda-se Joaquim Lélis Sobrinho, de 82 anos, conhecido como Joaquim da Venda, que, na época, era zelador do templo. Comovido e com lágrimas nos olhos, ele diz que traz até hoje um sentimento de dor no peito. A tristeza só diminuiu um pouco há oito anos, quando a Nossa Senhora dos Martírios foi devolvida por uma colecionadora. “Estou muito satisfeito, muito mesmo”, disse Joaquim.

  “Graças a Deus, a nossa santa vai voltar.

Notícia melhor eu não poderia receber”, comemorou Edna Maria da Silva Santos, de 42, conhecida como Nininha, que era criança quando a santa foi levada. Dizendo-se muito feliz, ela pegou o terço e se ajoelhou em agradecimento, ganhando logo a companhia de Joaquim da Venda, Valter da Cruz, Maria Aparecida Pereira e Iris Gomes dos Santos.

A exemplo dos demais católicos de Fidalgo, ela diz que será preciso fazer uma grande festa para receber a padroeira. “Esperamos mais de três décadas, então é hora de celebrar”, afirmou diante da imagem de gesso que ficou no altar da original. O grupo de amigos sabe que a primitiva escultura guarda muito da história do lugar surgido no tempo das bandeiras. Um dos marcos está na Casa de Fernão Dias Paes (1608-1681), o bandeirante paulista que passou sete anos nos sertões, dos quais quatro anos e meio no primitivo arraial do Sumidouro.

 

 

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