O drama de motoristas encurralados na Avenida Tereza Cristina durante a tempestade da última quinta-feira, entre a inundação do Córrego Ferrugem, de Contagem, na Grande BH, e uma onda com cerca de três metros formada pelo refluxo das águas do Ribeirão Arrudas, já em Belo Horizonte, correram a internet e impressionaram pelo risco e pela força da correnteza. O registro feito pela câmera do telefone celular do advogado Guilherme Chiodi mostra, além do desespero das pessoas fugindo da inundação, uma cena recorrente no local, e que há quase quatro anos resultou na morte de três pessoas, afogadas. Era o início da estação chuvosa de 2008/2009 . Depois disso, as prefeituras de Contagem e de BH firmaram acordos com a Copasa para tentar sanar os problemas de enchentes do Ribeirão Arrudas. Contudo, segundo especialistas, nada foi feito no local e a tragédia quase se repetiu.
Era fim de tarde, por volta das 18h, quando a chuva apertou em Contagem e na Região Oeste de BH, lugares onde a precipitação foi maior, chegando a 80 milímetros. Guilherme trabalhava com outras pessoas no ginásio esportivo do seu pai, quando o nível do Arrudas subiu drasticamente. O advogado passou o fim de semana em um sítio, mas o motorista Adivar Dias da Silva, de 43 anos, que assistiu à cena ao lado do cinegrafista amador, se lembra bem do susto. “O barulho foi muito alto.
No segundo andar do edifício, o grupo assistiu impotente às águas barrentas invadindo o asfalto e cercando carros, motos e caminhões. “O motorista de um Uno estacionou, abriu o guarda-chuva e foi para a beira do ribeirão ver como estava. A gente gritou para ele sair. Dois carros enguiçaram e os caminhoneiros ajudaram. Tentamos abrir o portão para que entrassem aqui, mas não ténhamos a chave na hora”, lembra Silva.
É possível perceber nitidamente, nas imagens feitas pelo advogado, o moento em que uma onda de água escura volta por dentro do canal, inundando toda a avenida e também ruas e propriedades vizinhas, no sentido oposto ao curso normal do Arrudas. De acordo com a análise do engenheiro hidráulico e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Nilo de Oliveira Nascimento, a capacidade da galeria descoberta do Arrudas naquele ponto é muito pequena para o histórico de vazões que tem recebido.
A barreira de água, com cerca de três metros e que avança na direção oposta à corrente normal do ribeirão, foi formada por ondas de choque resultantes do impacto das águas contra as vigas transversais ao longo da galeria concretada. “A grande energia acumulada pela correnteza acaba sendo dissipada com essa colisão, propagando ondas de choque pelo canal inundado. Isso é que forma a onda, que vem com o aumento do nível do corpo d’água”, disse Nascimento.
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Famílias desalojadas e prejuízo generalizado
A onda de água e lama trazida pelo curso saturado do Ribeirão Arrudas na tempestade da última quinta-feira atingiu dezenas de moradores e empresas próximas na região, limites entre os municípios de BH e Contagem. Ainda ontem, na Rua Luminosa, Bairro Vila São Paulo, em Contagem, pessoas usavam enxadas e pás para limpar o barro das suas propriedades e das ruas. O dono de uma transportadora contabilizou mais de R$ 200 mil em prejuízos, já que três caminhões e dois carros ficaram submersos. Além disso, parte das cargas de caixas d’água e colchões se estragou no galpão. “As perdas foram muitas. A água chegou a marcar 2,30 metros nas paredes”, disse o proprietário do negócio, Edson Xisto, de 46 anos. O primo dele, que morava no local, perdeu televisores, aparelho de som, computador, impressora, geladeira, máquina de lavar e todas as roupas.
Situação ainda pior ocorreu com 16 famílias da mesma rua, que tiveram suas casas inundadas pela lama. Sem ter para onde ir, o grupo, composto por bebês, crianças, adultos e idosos, decidiu invadir prédios novos construídos pela Prefeitura de Contagem para abrigar famílias removidas das obras de drenagem de outro trecho da Avenida Tereza Cristina. “A prefeitura e a Defesa Civil não nos deram opção. Para onde iríamos com nossas famílias? Só restou entrar aqui e sobreviver até encontrarmos uma solução”, disse Marcelo Costa Lima, de 40.
Nos apartamentos do prédio invadido as famílias dormem em colchões espalhados pelo chão, entre os poucos pertences e roupas que conseguiram salvar da onda de lama. No térreo, organizaram uma cozinha comunitária onde as mulheres se revezam para preparar refeições para todos, usando alimentos doados e água trazida da rua. “A gente quer uma solução. Voltar para casa e ter que comprar tudo de novo para perder em outra inundação, não dá. A gente até aceita pagar, mas precisa de solução”, cobrou a doméstica Maria José da Silva Pereira, de 55, uma das voluntárias na cozinha.
À tarde, representantes da empreiteira que construiu o prédio invadido prestaram queixa à polícia sobre a invasão e o caso será investigado a partir de amanhã. A Defesa Civil de Contagem informou que as famílias recusaram o encaminhamento aos abrigos públicos para vítimas de emergências.
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