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Estado de Minas

Concessão de táxi de pai para filho é alvo de polêmica outra vez

Projeto ameaça atropelar uma década de disputa judicial entre o MP e a Prefeitura de BH. Autorização para que família herde placa de veículo diante da morte do titular faz prever nova batalha jurídica


postado em 30/11/2012 04:02 / atualizado em 30/11/2012 07:27

Paula Sarapu

Dirceu Vilarino, taxista auxiliar, com o pai, Matozalém, permissionário do serviço: 'Esse carro sustenta três famílias. É a empresa dele'(foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)
Dirceu Vilarino, taxista auxiliar, com o pai, Matozalém, permissionário do serviço: 'Esse carro sustenta três famílias. É a empresa dele' (foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)


Projeto prestes a ter a tramitação concluída no Senado ameaça fazer voltar à estaca zero uma disputa que se arrasta há mais de uma década no sistema de táxi de Belo Horizonte, e que finalmente caminhava para solução. A matéria apreciada no Legislativo federal trata do direito de sucessão na autorização para o serviço de táxi, e prevê a transferência das placas de pai para filho, prática que vigorava na capital até ser combatida pelo Ministério Público. Depois de uma disputa de 12 anos na Justiça para regularizar os cerca de 5,8 mil táxis da cidade, e da decisão recente de que a concessão do serviço não é um bem familiar, o projeto de lei, do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), se aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidente Dilma Rousseff pode provocar uma reviravolta na disputa e dar origem a novo combate judicial.

Para o promotor de Justiça Leonardo Barbabela, coordenador das Promotorias de Defesa do Patrimônio Público em Minas, a matéria é inconstitucional. Em 2001, ele ajuizou uma ação civil pública cobrando licitação para as concessões na capital mineira. Há quatro meses o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em acórdão, proibiu a transferência das placas para familiares no caso de morte do titular.

Em Brasília, o texto foi aprovado na quarta-feira pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado e ainda passa pelas comissões de Serviços de Infraestrutura e de Constituição e Justiça, cuja decisão é terminativa, com o voto de 23 senadores. A matéria só vai ser debatida em plenário se pelo menos nove integrantes da comissão entrarem com recurso no prazo de cinco dias úteis, a contar da votação. Concluída a tramitação na Casa, o projeto de lei segue para ser apreciado na Câmara dos Deputados.

O lobby para que o texto chegue à Presidência da República para sanção é forte entre os que detêm permissões. “Trabalhamos nesse projeto há muitos anos, porque entendemos que esse é um direito adquirido”, diz o presidente do sindicato dos taxistas (Sincavir), Dirceu Efigênio Reis. “Outras cidades fazem a transferência sem problemas, mas Belo Horizonte não. Aqui a gente vive esse martírio.” O promotor Leonardo Barbabela rebate, dizendo que serviços como os de táxi só podem ser delegados a quem preenche requisitos previstos em lei. Por isso o MP entrou com a ação há 12 anos, para que as transferências fossem feitas apenas por licitação, como já ocorreu este ano.

“O projeto de lei é inconstitucional. Nossa ação visava impedir a transferência por sucessão, porque a concessão é dada para exploração do serviço dentro dos requisitos da lei. Não é um direito do cidadão contemplado, nem patrimônio da pessoa. E o Tribunal de Justiça assim reconheceu em julho deste ano, durante o processo de licitação das placas”, diz o promotor. Segundo ele, a transferência de qualquer título é proibida em Belo Horizonte, a não ser por licitação, como ocorre também, afirma, em outros estados. Para o presidente do Sincavir, a exigência de “preencher requisitos previstos em lei” é facilmente resolvida com cursos de primeiros socorros, direção defensiva e conhecimento da cidade.

Barbabela sustenta que o debate não é tão simples e ressalta que o projeto em tramitação no Senado afronta não só a Constituição de 1988, mas também a Lei das Licitações. “Imagine se aplicarmos o mesmo raciocínio para a concessão de ônibus. Ela ficará para o concessionário eternamente? Não pode ser assim. O projeto de lei fere o princípio da igualdade, da impessoalidade e da moralidade pública. Se esse absurdo for estabelecido, o Ministério Público tomará todas as providências para derrubá-lo”, garantiu.

SUCESSÃO INTERROMPIDA

 

Indiferente ao debate, na praça, quem já tem um táxi na família torce pela aprovação do Projeto de Lei 253/2009. O taxista auxiliar Dirceu Vilarino trabalha há 22 anos com o pai, Matosalém Vilarino, que é permissionário, e teme a perda da placa. O cunhado de Dirceu também roda no carro. “Meu pai tem 68 anos e já dirige menos, por causa da idade, mas esse carro mantém três famílias”, diz o motorista, de 43 anos, que paga diárias ao pai e não foi contemplado na recente licitação feita pela BHTrans.

“É uma sequência de trabalho de muitos anos interrompida de um dia para outro. A vida da minha família foi construída com essa ferramenta de trabalho e a Justiça bateu o martelo, cortando a sucessão. Sempre pensei que ia tocar o táxi do meu pai, pois essa é a empresa dele. Não é corpo mole, mas tenho medo de ter que recomeçar aos 43 anos e deixar minha família desguarnecida”, desabafa o taxista.

O presidente da BHTrans, Ramon Victor Cesar, concorda que muitos dos auxiliares contemplados por licitação (que assumiram placas de motoristas que já morreram) acabariam prejudicados com a nova lei, que restabelece o direito à sucessão. Sem entrar no mérito do debate, ele afirma que a obrigação do município é cumprir as determinações legais. Por enquanto, o que vale é a decisão do Tribunal de Justiça, que impede a transferência de placas de pai para filho e exige licitação para novas permissões. “Estou amarrado pela decisão da Justiça, que nos impede de fazer transferência. Mas, se a lei for aprovada, teremos de cumprir”, conclui.

Doze anos de briga e só uma licitação

A licitação para todo o sistema de táxi é motivo de batalha entre o MP e a Prefeitura de BH desde 1999, quando os promotores começaram a cobrar da administração municipal a expansão da concorrência pública. Grande parte das placas foi concedida antes da Constituição de 1988, quando foi atribuída ao município a responsabilidade sobre o transporte público, e da criação da BHTrans, em 1991. Até hoje, o único processo licitatório ocorreu em 1995.

Em 2001, o Ministério Público entrou com ação para tentar regularizar a situação dos táxis de BH, visando a abertura de licitação das placas e o imediato descredenciamento dos permissionários. A briga se estendeu por anos, até que a prefeitura abriu nova concorrência para o serviço, em fevereiro.

Foram 6.308 inscrições de pessoas físicas e 27 de pessoas jurídicas para a disputa de 605 vagas, 55 delas destinadas a condutores com mobilidade reduzida. Para a fase de desempate houve sorteio. Em julho, a Justiça proibiu a transferência de placas, determinando que, em caso de morte ou renúncia, entre outros motivos, deverá ser respeitada a ordem de classificação na concorrência pública, a partir do quadro de reserva.


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