Jornal Estado de Minas

Zona Sul dorme com medo das chuvas

A possibilidade de desastres provocados pela chuva amedronta não só quem vive às margens de córregos e em morros de vilas e favelas em Belo Horizonte. Moradores da Zona Sul também dormem com medo de se tornarem vítimas de deslizamentos de encostas em regiões consideradas de risco pela própria prefeitura. Atualmente, a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) monitora pelo menos 10 áreas em bairros nobres da região com o metro quadrado mais caro da cidade. A vigilância é necessária porque na última temporada de chuvas esses locais apresentaram movimentação do solo, com risco de soterramento ou desabamento de imóveis. Entretanto, hoje a situação é a mesma em lotes privados e terrenos públicos. E, para colocar o caixa em dia, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), por meio de sua assessoria de imprensa, já anunciou: “Assinatura de contratos para novas obras somente no ano que vem”.


Na lista de locais que deixam a população em estado de alerta está a Rua Patagônia, que corta a Serra do Curral, entre os bairros Sion e Belvedere. Próximo à Praça Alasca, altura do número 200, foi construído um gabião de 82 metros de comprimento para conter a terra, que se desprendeu de uma encosta. A intervenção, no entanto, não foi suficiente.

O muro de pedras presas por uma rede de arame que segura a erosão se movimentou em direção à rua e está visivelmente inclinado, ameaçando despencar sobre a via, que tem tráfego intenso e é acesso de vários bairros da Região Sul para a BR-356 e Nova Lima.

Moradora do Condomínio Residencial Avant Garden, na Rua Patagônia, a artista plástica Virgínia de Paula diz ter se arrependido da compra de um apartamento no local há dois anos. “Quando vim conhecer o imóvel, achei o lugar superprático e com boa localização. Mas, depois de enfrentar dias constantes de chuva aqui e ver parte do barranco desabar, tenho medo de que essa terra venha toda abaixo. Minha vontade agora é de mudar”, diz. Virgínia conta que, como ela, quem vive em frente ao barranco está assustado e à espera de uma atitude da prefeitura capaz de sanar o problema.

A situação desagrada até mesmo quem mora em outros bairros, mas depende da via para deslocamentos diários, como o engenheiro Marcelo Veneroso, de 52, que mora no Bairro Belvedere.
“Passo por ali diariamente e vejo uma tragédia anunciada no local. O passeio já estourou e quando começar a chuva constante não tenho dúvida de que toda a terra descerá e atingirá carros que passam na rua. Já conversei com diversos engenheiros, que disseram a mesma coisa”, afirma. Veneroso, inclusive, já recomendou à família que não passe de carro pela Rua Patagônia, em caso de chuva.

O alerta partiu também do especialista e consultor em geologia urbana Edézio Teixeira, que afirma haver no local um erro de projeto ou de execução de obra. “É normal que a população esteja assustada porque o gabião da Rua Patagônia, da forma como foi construído, não foi suficiente para conter os deslizamentos de terra. Prova disso é que ele se movimentou e arrastou parte do passeio. A obra precisa ser refeita”, explica.
Para o geólogo, a prefeitura deve à população uma explicação técnica sobre as condições do local, além de informações sobre o prazo para refazer o muro de contenção.

Sinal vermelho no Mangabeiras

O sinal vermelho do medo também está aceso no Bairro Mangabeiras, onde o médico Arnaldo Muzzi, de 43, teme que o barranco que sustenta os fundos de uma casa volte a ceder como na última temporada de chuva e desça até a rua onde ele mora. O imóvel que ameaça a tranquilidade do médico está localizado na Rua Engenheiro Badi Salum, ao lado do Palácio das Mangabeiras, residência oficial do governador. A parte de trás da casa, um barranco de mais de 50 metros, está na Rua João Camilo de Oliveira Torres.

No início deste ano, parte do muro de arrimo cedeu, o barranco desceu e a rua ficou interditada. Com recursos da prefeitura, um muro mais resistente que o anterior foi construído e parte da terra foi retirada do local, formando um platô na encosta. Agora, uma obra para dar fluidez à água da chuva está sendo feita pelo dono da casa, mas Arnaldo Muzzi teme as consequências. “Estamos sem saber se esta intervenção está sendo feita com anuência da prefeitura e se há projeto para a obra. Meu medo é de que todo o transtorno do ano passado venha a se repetir ou que seja ainda pior, caso toda essa terra venha abaixo”, diz.

As duas ruas – Patagônia e João Camilo de Oliveira Torres – estão na mesma faixa geológica e, conforme o especialista Edézio Teixeira, têm solo à base de filito e quartzitos ferruginosos.
“São terrenos que, depois de passarem por um fenômeno de ruptura da rocha, como um corte para abertura de uma rua ou construção de imóveis, podem começar a se deslocar continuamente, a depender do comportamento do solo”, afirma.

Na mesma região geológica estão ainda ruas que constam na lista de monitoramento da Defesa Civil municipal, como a Chicago, no Sion; ruas Tobias Moscoso, Planetoides, Saturno e Eclipse, no Santa Lúcia; Flavita Bretas, no Luxemburgo; Veraldo Lambertucci e Maria Carmem Valadares, no Novo São Lucas; e Avenida José do Patrocínio Pontes, no Mangabeiras.

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