Diante da falta de leitos disponíveis e da resistência dos viciados em se tratar, familiares de pessoas que não têm recursos próprios recorrem ao martelo da Justiça, que determina que Estado e prefeitura cubram os custos da internação imediata de dependentes de crack, seja ela involuntária ou compulsória. Desde que saiu a confirmação da decisão de Carolina Moreira, uma das primeiras dependentes de crack a receber a internação compulsória pela Justiça, há quatro meses, nove pedidos têm dado entrada por semana, em média, na Defensoria Pública de Belo Horizonte.
O andamento dos processos, porém, nem sempre segue o mesmo ritmo entre a entrada e a saída das ações. Sete pedidos por semana chegam até a Promotoria de Saúde Mental, mas apenas três internações compulsórias de pacientes foram autorizadas este ano, até novembro. “Só vou internar se houver indicação clínica, se o paciente já se tratou em diversos serviços de saúde e se existir boletim de ocorrência de crimes praticados contra os familiares”, explica o promotor de saúde mental de BH, Rodrigo Delágio. Ele recebe pedidos de internação da parte de familiares, de amigos e até de vizinhos de dependentes em crack, incomodados com atos de violência presenciados contra os parentes e o registro de furtos para sustentar o vício.
Segundo o promotor, a mãe do dependente químico, por intermédio de advogado particular, Defensoria Pública ou Ministério Público, poderá pleitear a internação compulsória do filho, tomando por base o direito individual e indisponível à saúde, previsto na Constituição. “O que faço é provocar o Estado e o município para tomarem providência, pois deixar o paciente na cracolândia, até que ele resolva se tratar, é um crime.
Pelos cálculos de Robert William, presidente da organização não-governamental Defesa Social, há uma fila de pelo menos 2 mil viciados em crack aguardando vaga em leito para internação em Minas. “A hora em que o estado abrir os 1 mil leitos que estão prometidos para dezembro, já tenho 300 nomes inscritos, com autorização da família, documentos e tudo”, afirma. Cada caso exige uma medida individualizada. Quando o paciente concorda com o tratamento, recomenda-se a internação voluntária.
Recaída A internação compulsória, porém, nem sempre dá o resultado esperado. Carolina Moreira foi internada com 24 anos em outubro do ano passado na Clínica Equilíbrio, em Atibaia, interior paulista. Um ano depois, deixou a instituição pesando 61 quilos, aos 25 anos, de cabeça erguida. Começou a resgatar a relação com a própria filha, que passou a chamá-la de mãe. “Ela começou a dizer que tem duas mães, a mamãe Carol e a mamãe Soninha, que sou eu. Mas não durou muito tempo.
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“Só tive meu filho de volta na hora em que botei ele para fora de casa, com a ajuda dos outros filhos, que me apoiaram na decisão de tomar a chave e de enfrentá-lo. Depois de dois anos sem dar notícia, ele me ligou e pediu ajuda”
Dalvineide Almeida, coordenadora do movimento Mães de Minas contra o Crack
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“Consegui os papéis com o juiz há um mês para o meu filho, mas só como forma de pressão. Ele está internado voluntariamente e nem sabe disso. Mas se ele ameaçar sair da instituição, vou mostrar os documentos e exigir que ele fique. Ele já ficou no Galba Veloso, no Raul Soares, no André Luiz.
ele não fica”
Ivonete, artesã, já internou o filho dependente de crack por 39 vezes. Aos 34 anos de idade, ele é dependente químico desde os 14
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“Não foi fácil entregar meu filho para a Justiça. Ninguém queria abrir a porta na hora em que vieram buscá-lo. Eu estava lá dentro, pois não queria ver e não queria que ele me visse. Acabei tendo de abrir a porta eu mesma. Soube que ele fica dormindo o tempo inteiro. Não sei não. Acho que ele vai conseguir fugir”
Geralda, que foi obrigada a tomar uma atitude depois que o filho ameaçou matar a esposa
VIDA NOVA
Aos 26 anos, a operadora de telemarketing Karen está há cinco meses grávida e há seis meses totalmente sem usar drogas. Largou o crack, desta vez sem precisar de internação.
“A droga dá uma sensação maravilhosa e relaxa. Quando acaba o efeito, vem a culpa. Daí você quer mais para fugir da realidade. É por isso que você tem de evitar a primeira dose”, explica ela, que chegou a consumir maconha e cocaína na gestação da primeira filha, hoje com 2 anos. “Estou totalmente entregue à transformação. Meu marido é dependente de álcool e não me ajuda. Tenho o apoio de Deus e do Mães de Minas contra o Crack”.
Ligada à Igreja Batista da Lagoinha, o grupo se reúne às quintas-feiras, das 14h às 16h e a adesão é gratuita. As mães se trocam experiências pessoais e dão testemunhos de vida. Dalvineide Almeida, coordenadora do movimento e mãe de sete filhos (um é dependente de drogas) explica que os familiares dos dependentes químicos são codependentes e também precisam de ajuda para reestruturar a vida e ter condições de receber o ex-viciado sob novas regras.
Leitos
Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), no que diz respeito especificamente às internações involuntárias, foi criado um comitê por meio do qual o Estado já acompanha, em parceria com a Defensoria Pública e o Ministério Público, mais de 300 casos. A secretaria reforça, por meio da assessoria, que o crescimento do consumo de drogas lícitas ou ilícitas, em especial do crack, é um fenômeno em todo o Brasil e demanda assistência especializada nas diversas modalidades de atendimento, incluindo a internação. A Seds informa ainda que há 1,5 mil leitos para tratamento em hospitais gerais e enfermarias psiquiátricas, cerca de 1 mil vagas de atendimento em comunidades terapêuticas e ainda outras 1 mil vagas para internação que estão sendo implantadas a partir do lançamento do cartão Aliança pela Vida, que vai facilitar o custeio do pagamento..