Juliana Cipriani

Defensores dos direitos dos animais prometem fazer barulho para cobrar da Justiça rapidez no julgamento da ação que pede afastamento da diretoria da Sociedade Mineira Protetora dos Animais (SMPA), diante da denúncia de superlotação e maus-tratos, que teriam transformado a entidade em uma espécie de campo de concentração de cães e gatos. O grupo está convocando cerca de 7 mil militantes para um protesto no início da tarde de amanhã, diante da sede da SMPA, no Bairro Guarani, Região Nordeste de Belo Horizonte. Na segunda-feira, o movimento promete novo ato público, em frente ao Fórum Lafayette, já que é lá, na 12ª Vara Cível, que o processo aguarda julgamento.

Conforme mostrou o Estado de Minas em sua edição de ontem, a Promotoria de Justiça de Associações Civis pede intervenção na instituição – mantida com recursos de doações e beneficiada por isenção fiscal – apontando uma série de irregularidades administrativas, além de desvios no funcionamento. Três laudos de veterinários que visitaram o abrigo em 20 de agosto, a pedido do Ministério Público, constatam problemas como superlotação, medicamentos vencidos e um ambiente insalubre em que estavam cerca de 500 cães e gatos, reforçando vídeos e denúncias de ex-voluntários que relatam até mesmo canibalismo entre os bichos.

Para Leonardo Maciel Andrade, mestre em veterinária clínica e de cirurgia pela UFMG e um dos que acompanharam a vistoria, não há dúvidas quanto aos maus-tratos. “Se você coloca um animal doente em local fechado e não o trata, isso já representa mau-trato. Fui notificado a fazer a vistoria e confirmamos a denúncia: os animais estavam em estado lamentável”, afirmou. O médico reclamou da morosidade para uma decisão da Justiça, segundo ele ainda mais lenta em se tratando de animais. “Faço um apelo para que seja dada atenção ao caso, que se esclareça a situação. Seria importante para que o local fizesse jus ao nome que tem, o que hoje não ocorre.”

Em seu parecer, Leonardo Andrade aponta como um dos problemas a falta de ração suficiente para o número de cães e ausência de visita criteriosa de veterinários ao local, para verificar o estado de saúde deles. Também faltam abrigos para os animais se protegerem do frio e os locais são sombrios e úmidos. O profissional constatou ainda estoque de medicamentos vencidos. “O que seria centro cirúrgico é na verdade uma sala coberta de pó, mofo e gaiolas, que devido ao grau de ferrugem não podem ser recuperadas e se apresentam como um risco de vida ao animal que seja lá alojado.” No relatório, avalia que o local não atenderia exigências nem mesmo para ser um depósito de lixo.

Outra especialista que acompanhou a vistoria, Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho, professora da Escola de Veterinária da UFMG, conta que ao chegar à sede da entidade encontrou superlotação e, em um dos canis, um animal morto havia mais de 12 horas. Na enfermaria, segundo a veterinária, não havia luz ou ventilação e as fichas mostravam que os animais não eram medicados havia três dias. As fichas eram incompletas e sem assinatura. Segundo o laudo, uma funcionária admitiu que, se os cães mais fracos fossem colocados nos canis, seriam mortos pelos outros, devido à superlotação.

SUMIDOURO A mesma pessoa que cuidava dos animais durante a vistoria afirmou à médica da UFMG que o canil “é um sumidouro de cães”. Apesar de constar uma placa quase apagada na entrada da SMPA, informando que a instituição não receberia mais animais, a veterinária flagrou alguém deixando dois filhotes de cães e pagando R$ 30 a título de contribuição à atendente. “Nunca vi local mais sujo e sem higiene. É inaceitável, incabível cuidar de vidas, tratar, operar ou mesmo trabalhar em local imundo daquela forma”, concluiu em seu relatório.

O veterinário analista do MP que assina o terceiro laudo constante do processo, Wender Paulo Barbosa Ferreira, constatou a presença de apenas três sacos e meio de ração no depósito durante a visita (informa que foram comprados outros durante a inspeção). Na chegada dos veterinários, apenas um comedouro estava cheio. O analista do MP falou da necessidade de um ambiente mais limpo “com menor pisoteio de fezes”. Apontou ainda o acondicionamento inadequado de medicamentos e equipamentos com problema técnico. Uma fiação elétrica era usada como suporte para soro. Segundo o laudo, a Sociedade Protetora dos Animais pratica tratamentos em desconformidade com resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária e, portanto, tem sua capacidade de assistência aos animais recolhidos comprometida. Ele sugeriu a necessidade de inspeção também da Vigilância Sanitária Municipal, e que se ajuste a distribuição dos animais para abrigar no máximo 30 cães por canil.

Ouvido pelo EM, o vice-presidente da entidade, Carlos Alberto Marchetti, afirmou que os problemas contábeis foram sanados e alegou que as denúncias se referem a gestões anteriores, não tendo sido ainda investigadas. Ele admite que pode ter havido mortes, já que os animais chegam da rua, debilitados ou atropelados, mas negou que tenham ocorrido maus-tratos..