Flávia Ayer
Em contraponto ao concreto e aridez que dominam a paisagem urbana, alternativas na construção civil tentam conciliar crescimento e preservação. Na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, a Associação de Moradores do Bairro Santo Antônio e Entorno da Avenida Prudente de Morais (Amor-Santo) propõe projeto que devolva à cidade as ruas de paralelepípedo, menos resistentes à infiltração da água no solo. Assim como os antigos calçamentos, outros materiais e soluções de arquitetura, como bacias de contenção, reservatórios e telhados verdes visam a compensar os impactos da crescente impermeabilização da cidade e captar água de chuva, como forma de impedir inundações. Todas formas de amenizar um cenário em que superfícies resistentes à água dominam 59% do território da capital, de acordo com estudo inédito da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano.
Com um balde de água na mão, o presidente da Amor-Santo, Gegê Angelino, prova que o retorno do calçamento às ruas, em substituição às camadas de asfalto ,pode ajudar a evitar as inundações frequentes na região da Avenida Prudente de Morais. A associação pretende apresentar à prefeitura e ao governo estadual projeto que, a partir da mão de obra de jovens que cumprem medidas socioeducativas ou de presidiários, retiraria as camadas e remendos de asfalto para recuperar o paralelepípedo.
A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) não conta com estimativa da extensão de ruas asfaltadas e revestidas por paralelepípedos em BH. Segundo o órgão, o critério usado para pavimentação das vias é acordado pelas regionais e a BHTrans. A Sudecap faz vistoria técnica para verificar as condições do pavimento, tipos de calçamentos, sistema de drenagem, classificação da via (arterial, coletora primária ou secundária e local), se oferece condições para intervenções ou se é necessário algum tipo de contenção de terreno.
LENTIDÃO Conforme o Estado de Minas mostrou no último sábado, as obras prometidas pela Prefeitura de BH para sanar os problemas com inundações engatinham desde a temporada de chuvas 2008/2009, quando cinco pessoas morreram. Das 40 intervenções planejadas para conter as águas de córregos ou impedir alagamentos, 14 (35%) foram concluídas, e das 26 não executadas, 15 (57,7%) nem sequer saíram do papel. Estão na prancheta ações no Ribeirão Arrudas, avenidas Cristiano Machado, Bernardo Vasconcelos e Francisco Sá, Córrego da Ressaca e Lagoa da Pampulha, áreas em que já se registraram prejuízos e morte nesta temporada de chuvas.
Especialista critica tolerância
Professor da Universidade Fumec, o arquiteto Flávio Negrão, sócio-diretor de um escritório especializado em projetos de arquitetura sustentável, tem dentro de casa, no Bairro Vale do Sol, em Nova Lima, Grande BH, um exemplo de harmonia com o meio ambiente. Além de preservar a maior parte da mata nativa, ele tem um sistema de aproveitamento da água das chuvas. “A caixa de captação tem a função de reter a água, para ser lançada progressivamente no terreno ou usada em atividades domésticas”, conta Flávio, que critica os parâmetros de impermeabilidade de BH.
O consultor em geologia em meios urbanos Edézio Teixeira de Carvalho, professor aposentado do Instituto de Geociências da UFMG, não tem dúvida de que o futuro da água em meio urbanos depende das formas de pensar essas compensações. “Além de bacias de contenção, há possibilidade, por exemplo, de introduzir o uso da água de chuva na matriz de abastecimento da cidade”, afirma. O geólogo cita também o uso dos telhados verdes, em vez de telhas em que a água escorre.
A solução foi adotada em uma concessionária na Pampulha, onde um gramado verde de 400 metros quadrados reveste a laje. “A água é recolhida e vai direto para o sistema de drenagem pluvial”, comenta o diretor da concessionária.
Prédios com verde de mentirinha
Cristiana Andrade
Em 2007, recebi denúncia de um cidadão sobre um edifício que acabava de ficar pronto e que havia coberto sua quadra de esportes de concreto com um tapete de grama, apenas para iludir a fiscalização e obter o Habite-se da prefeitura. Em casos como esse, a administração aprova uma obra que tem certo percentual de área verde no projeto, mas, na verdade, ela não existe: vai desaparecer assim que Habite-se for expedido. É uma situação similar à das varandas: são colocadas para atender o que está no escopo arquitetônico. Liberada a obra, o dono pode mexer na estrutura como bem entender. As práticas ocorrem, todo o mercado sabe. Tempos depois, ao adquirir um imóvel, pude comprovar pessoalmente a artimanha do verde de mentirinha: a construtora encheu a quadra de grama até conseguir o documento. Depois, tirou a vegetação. Resultado: ganhamos uma enorme infiltração na garagem e ficamos com uma área cimentada no prédio, onde duas vezes por semana meia dúzia de pessoas jogam bola. Propor uma área verde e depois desprezá-la faz sentido? Em tempos de um calor de derreter, mudanças no clima e falta de sombra em Belo Horizonte, fica a pergunta: quem está enganando quem?
O que diz a lei
A Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (nº7.166/96) estabelece a taxa de permeabilidade para terrenos particulares. Segundo a legislação, lotes situados em zonas de proteção ambiental têm que ter no máximo 5% de impermeabilidade.