Jornal Estado de Minas

Conheça um pouco da Nova York de BH, em Venda Nova


Nada de luxo ou espetacular. Não há metrô, arranha-céus, centros comerciais, cafés, bares, restaurantes ou hotéis para a gente endinheirada de todo o mundo. Turista, só o Marcos Oliveira, de 19 anos, de Macaé, no Rio de Janeiro, e o Regis Rocha, de 59, do Bairro Planalto. Táxi, só por telefone: “De dia e com sorte”, diz um morador. “Broadway? Que isso?”, quer saber o rapaz sem camisa, na pausa com o violão desafinado, na Rua 66. Contudo, a Nova York de Belo Horizonte, na Região de Venda Nova, tem lá alguns encantos. A comunidade de 14 mil habitantes, nos limites de Vespasiano, vizinha da Cidade Administrativa, sede do governo de Minas Gerais, tem boa gente de paz, hospitaleira, e o Parque Estadual Serra Verde, que não fica metro atrás do Central Park norte-americano.

Pedaço da região metropolitana, Nova York já foi fazenda e pedreira. Nos anos 1970, com novos empreendimentos imobiliários em Venda Nova, parte do território nas costas do Serra Verde – incluindo a parte alta do morro – ganhou o nome da famosa cidade dos Estados Unidos.

“Acho que para ficar importante, já que, perto, tem o Jardim Europa”, diz Joel Gonçalves Pereira, de 51, funcionário público, dos primeiros moradores da vila. “Hoje está muito bom. Até 1993 não tinha nada. Não tinha água, luz nem esgoto. Agora, a gente tem quatro linhas de ônibus”, comemora. Para o funcionário público, ruim ainda é o comércio, a internet e a telefonia, que “não cobre” toda Nova York.

Joel reclama a falta de lazer para crianças e adolescentes. Teme ainda que os dois campinhos com vista para a Linha Verde sejam fechados com a valorização da região.
“Lutamos muito para que aqueles terrenos se tornassem área de lazer… sonhamos ali um parque para as crianças. Atualmente, é a única opção de diversão para a comunidade”, ressalta. Para Joel, de nada adianta “uma reserva verde tão linda, sem acesso para a população”. Outro ponto que preocupa o morador é o aumento da violência no bairro. “Antes, até pouco tempo, a gente podia sair despreocupado e ficar na rua até tarde batendo papo”, lamenta.

ENDEREÇOS Há 15 anos, Hélio Chaves, de 43, entrega média de 1,5 mil cartas por dia em Nova York. Conhece cada canto da comunidade e lista de cor, ainda que atrapalhado com tantas mudanças, números e nomes das ruas. Casado, pai de casal de filhos, Hélio elogia a tranquilidade da vila onde mora, contradizendo alguns moradores da parte baixa, que consideram o morro “barra pesada”. “Vim criança para cá.
Sou crescido e criado aqui desde quando o Nova York era Jardim dos Comerciários A, há 40 anos. É um lugar de muita gente de bem. O que podia era acabar com esse esgoto a céu aberto”, sugere. Para o carteiro, o brejo da Avenida República podia ser transformado numa grande área de lazer.

Na Rua Wilton Marques Pereira – traço de pedra que separa Nova York do Jardim dos Comerciários –, Neuza Maria Zioto Lizardo, de 51, vê a equipe do Estado de Minas e quer participar da reportagem. “Tudo isso aqui era terra vermelha. Hoje, onde não conseguiram fazer rua, fizeram escada”, conta. Vinda de Mutum, no Vale do Rio Doce, a dona de casa conhece bem Nova York desde os anos 1980. De chateação no endereço em que vive com a família, lista os aborrecimentos por causa das mudanças de nome e número das ruas. “Aqui já foi Rua D, Rua 31, agora é Wilton Marques. E os números também mudam”, aponta ele para as duas placas no muro que confirmam a confusão: 335 e 84A.

No asfalto, o busão verde passa e exibe a placa luminosa: “Nova York”.
Cledisom Luiz Lizardo, de 50, ex-caminhoneiro, faz graça: “Nada a ver com a cidade famosa, nos Estados Unidos, né!?”. Simpático, o marido da dona Neuza aponta o córrego na parte baixa da antiga Rua 31 e critica: “Aquilo ali é sempre promessa de campanha. Passa a eleição e ninguém faz nada”. Convida a equipe do EM para o terraço em construção e mostra a vista privilegiada para Venda Nova. Sentados na laje, marido e mulher falam das coisas boas de Nova York: “Daqui a gente vê os fogos da Pampulha. É uma beleza!”, sorri Cledisom.

CENTRAL PARK  Da Rua 75, próximo ao topo de Nova York, vê-se reluzente o complexo administrativo projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012). Impossível não se curvar à beleza do “Central Park” mineiro. Três cães de rua se pegam e levantam a poeira do asfalto arrebentado na esquina de manobra da linha 601. Mercila Pereira Borges, de 58, comenta: “Já foi pior. Não tinha lotação e a gente tinha que andar muito”.
Para Elaine Dias, de 27, o novo ponto final facilitou muito a vida dos moradores. No entanto, sem preparo para o movimento e peso dos veículos, o asfalto já se desfaz no encontro das ruas 75 e Lauro Ferraz.

Elaine, sonhadora, fala em batalhar pela casa própria e, quem sabe, “conhecer a verdadeira Nova York”. Entende que com o crescimento do Vetor Norte com a construção da Cidade Administrativa, a região está avançando muito, mas que a “Manhattan” de Belo Horizonte ainda está “longe de ser uma atração”. Na calçada, aos pés da bela roseira em flor, dona Julia Dias, de 60, brinca com a neta Letícia, de 5 meses. A mãe de Elaine fala do frio naquele ponto da vila e da bela vista para as obras de Niemeyer.

Quarteirão abaixo, desponta o vendedor de pães. Valdeir Pereira, de 22, bermuda, camisa vermelha, boné e chinelo, empurra a bicicleta carregada. O valadarense tem ao lado o amigo Marcos Oliveira, de 19, de Macaé, de férias na cidade. O ambulante de olhos azuis aperta a corneta e atrai os moradores da rua que dá para os fundos do “Central Park” de Venda Nova. Valdeir deixou Governador Valadares para ganhar a vida na Nova York de BH. “Aqui é bom. Dá para vender 700 pães por dia”, sorri, muito satisfeito com o faturamento na casa dos US$ 1 mil mensais. Então, Marcos? Que tal Nova York? “Bão!”, sorri.

 

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