Não bastasse a degradação das águas pelo esgoto e a poluição na paisagem do principal cartão-postal de Belo Horizonte, a Lagoa da Pampulha também polui a atmosfera e contribui para o aquecimento globalResultado direto da ação de bactérias sobre matéria orgânica em decomposição, segundo estudos para tese de doutorado desenvolvida no Laboratório de Limnologia, Ecotoxicologia e Ecologia Aquática (Limnea) da UFMG, o reservatório chega a expelir uma média diária de 413 miligramas de metano (CH4) por metro quadrado, atingindo picos de 1.852 miligramas
O gás é um dos piores vilões do aumento das temperaturas mundiais, segundo os cientistasEm comparação com lagos muito maiores, o índice da Pampulha é 51% superior ao de Três Marias, o segundo com mais emissões de metano, que chega a 273 miligramas em médiaA diferença entre os dois é que a Pampulha sofre com esgoto e Três Marias com a decomposição da mata inundada desde sua formação, em 1962.
O metano é um dos principais gases do efeito estufa, produto da decomposição da matéria orgânica em rios, lagos e reservatórios“O potencial de aquecimento global do gás é de 21 a 25 vezes maior que o dióxido de carbono (CO2), devido ao seu tempo de permanência na atmosfera e a propriedades radiativasA concentração do metano na atmosfera dobrou em 250 anos, sendo responsável por 20% do efeito estufa”, calcula o orientador da pesquisa científica, professor de limnologia (ciência que estuda as águas interiores) José Fernandes Bezerra NetoSegundo ele, o impacto da Pampulha é comparativamente menor que os grandes lagos de barragens hidrelétricas, mas mostra a continuidade dos danos da poluição pelo esgoto.
No caso da Pampulha o esgoto está presente em todo o espelho d’água de 2 quilômetros quadrados, como mostrou o Estado de Minas no último dia 14Segundo o mais recente laudo do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) 100% das amostras coletadas para avaliação da qualidade das águas continham coliformes fecais acima dos parâmetros tolerados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)A presença desses micro-organismos é associada ao despejo ilegal de grande volume de esgoto diretamente nos afluentes que abastecem o lago
Alerta ainda para a situação dos rios, já que o Igam informou que 77% das amostras nos cursos d’água mineiros também estavam com contaminação acima do permitido pelos mesmos motivos
A pesquisa, iniciada pelo doutorando em ciências biológicas Nelson Azevedo Santos Teixeira de Mello e que tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), começou em 2011 e deve se estender até 2015
Ilha dos amores
Para coletar amostras de metano foram usados recipientes flutuantes em forma de funil que servem para captar as bolhas do gás liberadas pelas bactérias que decompõem a matéria orgânica depositada pelo esgoto no fundo do lago“Essas bolhas são visíveis a olho nu e se espalham por todo o espelho d’águaA maior concentração é no entorno da Ilha dos Amores, local mais assoreado onde a profundidade chega a poucos centímetros”, afirma Mello
Em comparação com as emissões de um lago não poluído, o Dom Helvécio, no Parque Nacional do Rio Doce, a diferença que o esgoto faz fica nítidaA média diária de emissões de metano foi de apenas 1,51 miligrama por metro quadrado no reservatório sem poluição“O gás é produzido e consumido naturalmente pelos ecossistemasO que estamos mostrando é como essa injeção de esgotos aumenta e descontrola a produção de metano, causando um desequilíbrio”, aponta o doutorando
Não é difícil ver esse fenômenoO estalar do gás sobre a película líquida lembra um chuvisco breveOs locais onde esse fenômeno mais fica evidente são os remansos do Parque Ecológico da Pampulha, a poucos metros da foz dos córregos Sarandi e Ressaca, corpos d’água que mais poluem o lagoAli, as placas grossas e malcheirosas de matéria orgânica e algas conseguem prender as bolhas por mais tempo, formando uma composição grotesca que amplia a sensação de degradação
E a causa de tudo isso pode ser vista depositada no fundo e nas margens: sacos plásticos, restos de alimentos, embalagens, recipientes de limpeza, preservativos, peças de automóveis e outros materiaisNo meio desse lixo, espécies da fauna e da flora locais tentam sobreviverPássaros fazem ninhos e mergulham entre as massas espessasCapivaras se banham para espantar o calor e cágados parecem estar se afogando na água poluída e repleta de vermes
Lagoa pode virar ETE
A fim de impedir o lançamento de esgotos na lagoa e interromper o desequilíbrio na emissão de metano, a Copasa informou que trabalha em parceria com as prefeituras de BH e Contagem e “elaborou um programa com intervenções em córregos, vilas e favelas visando implantar redes coletoras de esgotos e interceptores, para retirar os lançamentos indevidos de esgoto nas sub-bacias da Pampulha”Com investimentos de R$ 102 milhões, a expectativa é que sejam implantados mais de 40 mil metros de redes coletoras, 15 mil metros de interceptores, além da urbanização de córregosO esgoto canalizado será enviado à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Onça.
As medidas anunciadas pela prefeitura para cumprir a Meta 2014, que é tornar a água da Pampulha adequada para contato indireto e esportes náuticos, no entanto, foram criticadas por transformar o lago numa grande tanque similar a uma ETEA comparação é do professor de limnologia da UFMG, José Fernandes Bezerra Neto“O que se pretende fazer é oxigenar a água com hélices e fazer o mesmo tipo de tratamento que as ETEs fazemIsso, qualquer engenheiro sanitário consegue fazerO problema é que não sabemos o impacto na fauna e na flora, porque a Pampulha não é uma ETE, mas um lago”, afirma
O processo programado para a Pampulha foi preparado para acelerar a despoluição“No Lago Paranoá, em Brasília, houve despoluição gradativa que levou cinco anosAqui estamos tomando medidas drásticas de impactos perigosos para a Copa do Mundo”, criticaAté este mês, a PBH espera lançar o edital para dragar o fundo da lagoaSegundo o gerente de Planejamento e Monitoramento Ambiental, Weber Coutinho, serão extraídos 750 mil metros cúbicos de sedimentos e lixoDepois será introduzido oxigênio nas águas por hélices de máquinas aeradorasEm seguida, uma biorremediação, que povoará o lago com micro-organismos que se alimentam dos poluentesO custo é de R$ 120 milhões“São processos que não trarão impactos ao ecossistemaOs micro-organismos usados são naturais e não trarão desequilíbrio”, garante.