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Estado de Minas

Imprudência nas rodovias federais de Minas fica sem punição

Falta de fiscalização é um incentivo para que os motoristas irresponsáveis cometam mais infrações e ponham em risco a vida de quem precisa viajar pelas rodovias federais de MG


postado em 20/01/2013 06:00 / atualizado em 20/01/2013 08:48

Falta de pessoal levou a PRF a fechar posto de fiscalização na BR-262 em Campos Altos, no Alto Paranaíba(foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)
Falta de pessoal levou a PRF a fechar posto de fiscalização na BR-262 em Campos Altos, no Alto Paranaíba (foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)


“O motorista comete os atos de imprudência porque tem a certeza de que não vai ser pego. Não temos condição de fiscalizar tudo, por conta do baixo efetivo”, desabafa um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que trabalha na BR-040. A afirmação ilustra a situação presenciada pelo EM nos mais de 1 mil quilômetros percorridos durante a produção da reportagem. Em pelo menos dois postos da PRF, o plantão policial tem apenas dois agentes, que precisam fiscalizar a conduta dos motoristas, atender acidentes, aplicar os testes do bafômetro e ainda fazer o trabalho administrativo. O detalhe é que em muitos postos a atribuição da dupla que está de plantão se estende a mais de 300 quilômetros. A cúpula da PRF admite que a situação gera uma sensação de impunidade e contribui para manutenção do perigo nas estradas, principalmente para aqueles que não têm experiência.

A situação é tão grave que alguns postos estão vazios, sem policiais. Em Campos Altos, no Alto Paranaíba, a estrutura da PRF na BR-262 está desativada por conta da falta de pessoal, segundo policiais da corporação. Uma viatura permanece na porta, mas quem faz o policiamento do trecho, que deveria ser coberto pelos agentes de Campos Altos, são equipes de Bom Despacho (Centro-Oeste) e Araxá (Triângulo). A mesma situação é encontrada no posto da PRF de João Pinheiro, na BR-040, Noroeste de Minas. Como o local está fechado, quem se desdobra são os policiais de Paracatu e Três Marias. “Nós trabalhamos 24 horas sem parar. Às vezes, estamos em um acidente na ponta do nosso trecho quando ocorre outro a quase 200 km de distância. E nesse meio-tempo também temos que fiscalizar as infrações, despachar o malote com as multas até a delegacia, entre outros”, afirma outro policial que atua na 262.

A prova de que o aumento na fiscalização contribui para a diminuição nos acidentes e mortes nas rodovias pode ser observada no trecho de mais de 300 km da BR-365 de responsabilidade da delegacia da PRF de Patos de Minas. Segundo o inspetor Sérgio Pereira Borges, chefe da delegacia, em 2010 foram 500 acidentes no trecho com 75 mortos. No mesmo período, a PRF emitiu 3.920 multas, com destaque para as ultrapassagens proibidas, que somaram 952 infrações. Já em 2012, foram pouco mais de 4 mil infrações, sendo que as ultrapassagens proibidas subiram para 1,3 mil. Também no ano passado morreram 32 pessoas em 415 acidentes, em uma redução de 57% nas mortes e 17% nos acidentes.

Gerenciamento estratégico

A assessora de comunicação da PRF, inspetora Fabrizia Nicolai, afirma que os postos de Campos Altos e João Pinheiro estão sendo usados esporadicamente enquanto a PRF ajusta o quadro de pessoal. Segundo ela, é normal que os postos sejam fechados no momento que os policiais saem para atender acidentes e fiscalizar os trechos. “A PRF tem trabalhado com o gerenciamento estratégico de seus meios materiais e humanos. De acordo com as diretrizes da corporação, a viatura em ronda pode oferecer uma sensação de fiscalização maior que estacionada no posto”, afirma a inspetora. Segundo a PRF, são 830 agentes do operacional para os 6,2 mil km em todo o estado, o que dá uma média de sete quilômetros para cada policial.

“Em relação ao nosso efetivo, como em toda corporação ligada à segurança pública, não temos o ideal. Com a retomada do concurso de 2009, Minas Gerais já recebeu mais 130 policiais e temos a previsão da chegada de outros”, diz a porta-voz da PRF. Ainda segundo a corporação, em 2013 deve ser feito concurso para o preenchimento de mais 1,5 mil vagas em todo o Brasil, mas não há informações sobre quantos agentes virão para Minas Gerais.

Carro circulando pelo acostamento na BR-381. Cena comum numa das vias mais perigosas do país(foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)
Carro circulando pelo acostamento na BR-381. Cena comum numa das vias mais perigosas do país (foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)


Lei do esperto

Na lei dos espertos, normalmente os protagonistas são os carros pequenos. O festival de desrespeito protagonizado pelos veículos de passeio é visto diariamente na BR-381, especialmente entre BH e João Monlevade, conhecido como Rodovia da Morte. Basta o tráfego ficar mais lento, situação normal no trecho de 110 km, que os mais espertos começam a tentar levar vantagem ultrapassando pelo acostamento. Em 2012, segundo os dados da PRF, foram 1,5 mil multas aplicadas a veículos transitando e ultrapassando pelo acostamento só na BR-381, ocupando a terceira posição no ranking das infrações mais cometidas. Em todas as rodovias federais de responsabilidade da PRF, que somam quase 6,2 mil km, esse tipo de infração ocupa o terceiro lugar geral. Foram mais de 5 mil registros em todo o estado.

Os espertos também aproveitam os motores possantes dos carros para fazer as ultrapassagens proibidas sem a menor cerimônia. Enquanto a reportagem transitava pela BR-262, um caminhoneiro encostou no posto da PRF de Bom Despacho para entregar o número de uma placa aos policiais. “Queria reclamar desse sujeito em uma caminhonete que me cortou na faixa dupla contínua em uma curva sem o mínimo de visibilidade. Depois colocam a culpa nos caminhões”, desabafou Ernani Silveira Caricatte, de 63, há mais de 40 como motorista profissional.

Em 2012, as ultrapassagens proibidas perderam a liderança no ranking das infrações mais cometidas apenas contando as multas aplicadas pela PRF. Apesar da falta de cinto de segurança ter assumido a primeira posição, as ultrapassagens irregulares ocupam o segundo lugar, com 6,5 mil multas. Um agente da PRF explica que onde há faixa contínua há perigo de batida em caso de ultrapassagem. “Essa situação é ainda pior quando o motorista é inexperiente ou encontra um imprudente à frente. Quem tem pouco tempo de carteira costuma não ter noção da profundidade e perde a referência para se colocar na via, aumentando o risco”, afirma o policial.

Na BR-452, em Araxá, condutor de cegonheira faz conversão perigosa(foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)
Na BR-452, em Araxá, condutor de cegonheira faz conversão perigosa (foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)


Lei do menor esforço

Nas estradas que cortam Minas Gerais, em cada posto de gasolina os motoristas que seguem a lei do menor esforço dão as caras. De dia ou de noite, basta observar um caminhão, um ônibus, um carro pequeno ou uma moto para perceber que as condutas buscam ganhar tempo, sem se preocuparem com a segurança na rodovia. No último posto de gasolina antes do trevo de Araxá, na BR-262, sentido Uberaba, há um festival de entradas à esquerda, sem aguardar no acostamento ou na terceira faixa antes de fazer a conversão. Em um dos casos, uma carreta entra direto e o motorista do caminhão que vem no sentido contrário usa o freio bruscamente para segurar o veículo e não bater no gigante atravessado na rodovia.

A cena se repete ao longo dos postos de parada. São raros os bons exemplos, como o do motorista de uma carreta bitrem que se manteve à direita, no acostamento, esperando vários minutos até conseguir uma brecha para conduzir todo aquele peso para dentro do posto às margens da rodovia. “Esse é o motivo para muitas vezes entrarmos de repente. Se formos esperar alguém nos dar colher de chá, vamos esperar eternamente. Eu costumo entrar direto sim, mas procuro fazer quando vejo que há segurança”, afirma outro motorista que prefere não se identificar e dirigia uma carreta rodotrem.

A lei do menor esforço também é percebida quando passam os voadores do asfalto. Carros e caminhões cruzam as BRs em alta velocidade sem respeitar o limite para a rodovia, com o objetivo de chegar mais rápido a seu destino. Ainda na BR-262, perto do trevo de Ibiá, Alto Paranaíba, um caminhão passa o carro da reportagem e acelera. Para conseguir manter a distância em relação ao veículo pesado, o velocímetro do carro registra 130 km/h. É nessa velocidade que o motorista do caminhão ultrapassa três veículos, como se fosse um carro pequeno de motor potente. Quando percebe que está sendo fotografado, ele reduz bruscamente e começa a rodar a 80 km/h. Chega a sinalizar para ser ultrapassado, mas permanece à frente e deixa a BR-262 no trevo para Ibiá. Quando fica lado a lado com a reportagem, o motorista acena e segue seu caminho.

Na BR-452, em Araxá, condutor de cegonheira faz conversão perigosa(foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)
Na BR-452, em Araxá, condutor de cegonheira faz conversão perigosa (foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)


Lei nada seca

Especialmente no interior do estado, a prática de beber e trafegar pelas estradas ainda é comum. É nessa hora que aparecem os adeptos da lei nada seca, pois a maioria acredita que não será fiscalizada em virtude do baixo efetivo da PRF. Os agentes da corporação fazem o que podem aplicando o teste do bafômetro nos postos e nos locais onde atendem as ocorrências, mas dirigir sob efeito de álcool aparece apenas na 18ª posição entre as principais infrações de 2012, com 750 multas.

Com a nova lei que regula a embriaguez ao volante, policiais do posto de Bom Despacho, na BR-262, flagraram um motorista de carreta completamente embriagado. Segundo os agentes, um policial civil de Moema, Centro-Oeste, voltava para Bom Despacho e se deparou com o veículo pesado fazendo curvas na pista da 262. Ele avisou à PRF, que interceptou Adelar Schuler, de 52 anos, em Bom Despacho, e o encontrou com hálito etílico, olhos vermelhos, fala desconexa e cambaleando.

O que mais impressionou os policiais foi uma garrafa de cachaça encontrada no caminhão, com mais de metade da bebida já consumida. Apesar de ter se recusado a soprar o bafômetro, o motorista foi enquadrado na nova lei, que prova a embriaguez com o testemunho dos policiais e registro fotográfico das provas, como a bebida encontrada na cabine. Além de perder a carteira, ele terá que arcar com uma multa de R$ 1,9 mil e vai responder a processo criminal. Para o mestre em engenharia de transportes pelo Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro (IME) Paulo Rogério Monteiro, a ausência da fiscalização é mais comum nas cidades do interior do estado. “A cultura da fiscalização é mais distante da realidade desse motorista e ele se acostuma a desrespeitar. Quando chega à estrada, o perigo é muito maior”, afirma Monteiro.


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