Luciane Evans
A angústia, a insônia e a tristeza, que têm impulsionado brasileiros a se tornarem cada vez mais reféns de medicamentos de tarja preta, podem significar desde um estado de espírito até uma doença grave, como a depressão. A enfermidade, conhecida como o mal do século 21, tem servido de gatilho para uso indiscriminado do clonazepam, princípio ativo do Rivotril. Como vem mostrando o Estado de Minas, somente no estado foram 76 milhões de comprimidos da droga consumidos em 2012.
Os que se tornaram dependentes contam que os médicos indicaram o medicamento porque eles sofrem de um quadro depressivo. No entanto, especialistas esclarecem que a depressão vai muito além dos sintomas tristeza e insônia. Ela precisa ser adequadamente diagnosticada, porque, ao ser mascarada com ansiolíticos como o Rivotril, pode evoluir para uma piora na saúde mental do paciente.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que a depressão afeta 350 milhões de pessoas em todo o mundo, mas não é simples diagnosticá-la. “Estatísticas mundiais apontam que cerca de 22% das mulheres e 11% dos homens vão desenvolver um estado depressivo ao longo da vida, que pode ser uma única vez ou algo recorrente”, comenta o psiquiatra Paulo Repsold, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Segundo ele, a doença é um transtorno afetivo de lado emocional, que acaba afetando a parte cognitiva do ser humano. “Os sintomas mais famosos para o quadro são tristeza e angústia. Mas só isso pode não caracterizar a doença. A depressão é um conjunto de sintomas, que podem ser clínicos ou até físicos, sendo o de maior parte mental”, diz.
TRANSTORNOS No caso da depressão, o principal neurotransmissor afetado é a serotonina. Ana Cristina explica que, na maioria das vezes, um paciente depressivo não sente prazer em fazer atividades habituais. “E isso pode ser o princípio da doença. Por outro lado, às vezes a pessoa está muito cansada e só quer dormir. Isso pode não ser depressão, mas um quadro clínico de falta de vitaminas no organismo”, compara.
Ela afirma que há pessoas com predisposição genética para o mal e que, dependendo dos fatores ambientais e da personalidade, desenvolvem a depressão. Mas para a psicanálise o transtorno tem outras causas. Segundo a mestre em psicanálise transcultural Carmem Farage, são poucos os casos reais de depressão no mundo. “Muitas vezes, os estados depressivos estão sendo diagnosticados como a doença, o que justifica o alto número no consumo de medicamentos.” Ela afirma que todos os obstáculos da vida vão trazer sofrimento e servem para o crescimento pessoal. “Ao serem medicadas com antidepressivos ou ansiolíticos porque estão tristes, angustiados ou com insônia, os pacientes acabam se anulando e se tornam reféns da droga”, explica.
Ela esclarece, por exemplo, que um luto normal dura em média três meses. “Depois disso, se a pessoa não consegue melhorar, tem de buscar ajuda psicológica para sair do estado depressivo. Mas se mesmo com a ajuda o mal não passar, é possível que o paciente tenha se encontrado com algo do passado, talvez da própria infância”, conta. Ela afirma que, nesse caso, pode se tratar de uma a depressão neurótica e quem sofre ainda não rompeu com o mundo. “Mas há a psicose depressiva. Essa é mais grave e está ligada ao rompimento materno”, diz.
Carmem explica que aos seis meses a criança começa a perceber que ela e mãe não são a mesma pessoa. “Se durante a gravidez a mãe estiver deprimida, essa criança, diante do primeiro obstáculo, pode enfrentar a psicose. Até mesmo quando adulta”, alerta, acrescentando que até a morte da mãe, quando o bebê já estiver amadurecido, ele pode sofrer da doença. “Mas, se esse paciente estiver medicado com Rivotril, por exemplo, será difícil ser tratado, já que a medicação terá mascarado sintomas, sem tratar a raiz do problema.”