Minas Gerais só tem controle sobre o destino de um terço do lixo hospitalar produzido no estado, o que significa que todos os dias 220 toneladas de seringas, restos humanos, medicamentos, materiais usados em cirurgias e outros detritos – muitos deles tóxicos – não têm garantia de destinação correta. O levantamento é da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), que reconhece não haver um controle dos dejetos gerados em hospitais, necrotérios, farmácias e clínicas. A quantidade diária de resíduos dos serviços de saúde (RSS) descartados inadequadamente, suficiente para encher quase 40 caminhões, pode ser maior, pois há cidades que desconhecem o volume de lixo produzido e não acompanham o caminho até o descarte.
Vazadouros, valas abertas sem qualquer critério no chão e queima a céu aberto, método condenado desde a década de 1970, ainda são usados como destino final do resíduo de saúde por metade dos municípios mineiros (49,7%). Em Belo Horizonte, apesar de haver destinação correta dos detritos médico-hospitalares, o problema começa a apresentar os primeiros sintomas. A capacidade do aterro sanitário municipal da BR-040, na Região Noroeste da capital, de receber esses materiais se esgotará em três anos e a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) ainda não tem solução para evitar que o sistema entre em colapso.
Em todo o estado há apenas 16 unidades de tratamento térmico do lixo hospitalar – das quais cinco de autoclave e 11 de incineração. Juntas, elas dão conta de tratar apenas 90,6 toneladas por dia de detritos. Para se ter ideia, a capacidade instalada não é suficiente para tratar os resíduos produzidos na Região Central, que, por dia, gera cerca de 97 toneladas. “Não sabemos o quanto não é efetivamente tratado. Temos registros de lixo hospitalar sendo destinado para depósitos não licenciados. Então, acreditamos que o restante esteja sendo disposto de forma inadequada”, afirma a analista ambiental Tânia Cristina de Souza, da Feam, responsável pela produção do diagnóstico.
A estimativa da Feam, com base em cálculos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é de que 313 toneladas de resíduos de saúde sejam produzidas diariamente no estado, mas a própria fundação aponta que a quantidade deve ser maior. O desconhecimento dessa situação esbarra na falta de informação sobre o assunto. Em tese, todo estabelecimento que produz esse tipo de detrito deveria contar com um plano de gerenciamento de resíduos de serviço de saúde (PGRSS), entretanto a realidade é outra. “Os estabelecimentos ignoram o risco de manuseio desses resíduos e não tem o PGRSS. Isso é muito grave”, salienta Tânia de Souza.
Ela ainda destaca que, mais do que a construção de novas unidades de tratamento, o acompanhamento dessas informações é fundamental para resolver o problema. “Essa disparidade retrata uma falta de observância de risco. Não é tendo mais unidades que vamos absorver nossa demanda. Precisamos de ações na área de gerenciamento interno e externo dos resíduos de saúde para melhorar esse cenário e conhecê-lo melhor. Esse diagnóstico foi só uma estimativa para termos esse impacto, porque antes dele a gente não tinha nada.”
Dificuldades
A consultora em infraestrutura e meio ambiente Renata Miari, da Associação de Hospitais de Minas Gerais (AHMG), reconhece a gravidade do problema dos resíduos de saúde e a dificuldade de acompanhar todo o processo de destinação do lixo. “Os hospitais só conseguem atuar dentro do estabelecimento, e depois dependem de empresas terceirizadas. Muitas não atendem o licenciamento ambiental, jogam os resíduos em qualquer lugar. O estado precisa de mais unidades tratadoras de lixo e poderia também haver um projeto de incentivo, com linha de financiamento exclusivamente com essa finalidade”, sugere.
Segundo ela, em Belo Horizonte há um controle maior em relação ao lixo hospitalar, o que não significa que não haja problemas. A SLU estima em no máximo três anos o prazo de vida útil da célula do aterro sanitário da BR-040, que recebe exclusivamente resíduos de saúde. São 29 toneladas por dia levadas ao local, o que representa a maior parte do lixo hospitalar da capital. “Não há uma solução definida, estamos discutindo essa questão junto com a região metropolitana”, afirma a chefe do Departamento de Planejamento da SLU, Izabel de Andrade. A superintendência presta esse serviço de forma facultativa e cobra pela coleta R$ 137,74 por tonelada e R$ 95,79 para tratar cada tonelada de lixo recebido.
A Feam elaborou um plano de melhorias para o estado. Por meio de nota, a fundação afirmou que as propostas ainda estão em discussão e não foram fechadas. A finalidade do plano é a adequação de operação das instalações de tratamento. (Com Flávia Ayer)
Um sério risco para a saúde
Os riscos do destinação inadequada dos resíduos de serviços de saúde são altos. Segundo especialistas, entres eles há o perigo de contaminação do solo e do lençol freático. “Há também riscos biológicos, químicos, físicos para as pessoas que trabalham nos locais de destinação do lixo e a contaminação do ar”, enumera Cynthia Fantoni Alves Ferreira, doutora em resíduos e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Ela insiste que o aterro sanitário é o único destino final correto para os resíduos de saúde. No entanto, ele só é um destino válido para resíduos de categorias isentas de tratamento ou para aqueles que já passaram pelo processo térmico. Dos métodos de tratamento usados no estado, somente a autoclave e a incineração são adequados, sendo que esse último deve ser licenciado, contendo filtros e funcionando com temperaturas superiores a 1.200 °C.
Segundo a Anvisa, cada estabelecimento de atendimento à saúde animal e humana é responsável por contratar os serviços de tratamento do lixo, que é feito por empresas particulares prestadoras de serviço. Atualmente existem 16 unidades de tratamento térmico em Minas, sendo cinco de autoclave e 11 unidades de incineração. Juntas, elas representam a capacidade de tratamento existente no estado.
Nem todo resíduo de serviço de saúde precisa ser tratado. Entre os que precisam, os tipos de tratamento variam de acordo com a característica de risco do grupo a que pertencem. Os resíduos SS são classificados em cinco grupos e apenas os grupos A4 e D podem ir para aterros sanitários, sem tratamento prévio. O grupo C envolve materiais nucleares e merece tratamento específico. Já o restante precisa passar por tratamento térmico antes de ser encaminhado para aterros sanitários.
CUIDADOS ESPECIAIS
No hospital
Os resíduos devem ser separados no momento e local em que são gerados, segundo as características físicas, químicas, biológicas, o seu estado físico e os riscos envolvidos. Devem ser, então, embalados em sacos ou recepientes com identificação que evitem vazamentos e sejam resistentes. Esses sacos devem ser transportados para um armazém interno temporário e ficar em recipientes específicos até a transferência para um ambiente externo.
Transporte
A coleta é feita quando o lixo já está em abrigos externos de resíduos. O transporte do material deve ser feito respeitando as normas da ABNT, usando técnicas que garantam a preservação das condições de acondicionamento e a integridade dos trabalhadores, da população e do meio ambiente.
Tratamento
Nas unidades de tratamento os resíduos passam pela aplicação de um método ou um processo que modifica suas características, reduzindo ou eliminando o risco de contaminação, de acidentes ocupacionais ou de danos ao meio ambiente. O mais comum, a autoclave, esteriliza os resíduos por meio da exposição a temperaturas superiores a 1.200°C.
Disposição final
A disposição final acontece nos aterros sanitários e só pode ser feita quando o solo já foi previamente preparado para receber o lixo, obedecendo a critérios técnicos de construção e operação e com licenciamento ambiental de acordo com resolução do Conama.