Poucos meses depois das mortes de dois estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) em festas, a reitoria da instituição anuncia uma cruzada contra o consumo exagerado de álcool e drogas entre os alunos. A partir de agora, a Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantes (Prace) fará uma seleção de candidatos e vai submetê-la às 58 repúblicas federais na cidade, que poderão rejeitar os nomes indicados, mas terão que fazer a justificativa da recusa. Outra medida importante será a vinculação da permanência dos alunos nas moradias ao bom desempenho acadêmico deles. Um dos critérios para a seleção será a situação socioeconômica do estudante. A Ufop conta com adesão das cerca de 300 repúblicas particulares de Ouro Preto às mudanças.
As novas medidas serão acompanhadas pela campanha educativa “Avalie o seu consumo” e de outras modificações no regimento das repúblicas, que devem ser aprovadas pelo conselho universitário no fim de fevereiro. Elas foram propostas pela comissão de sindicância que investigou a morte de Pedro Silva Vieira, que morava na República Saudade da Mamãe.
“O conselho está muito tranquilo com as mudanças”, avalia o reitor João Luiz Martins, que passará o cargo ao professor Marconi de Freitas no dia 15. Presidente da Associação dos Moradores de Repúblicas Federais de Ouro Preto (Refop), o estudante de direito Luiz Philippe Albuquerque, de 22 anos, acredita que as novas medidas são positivas e devem acabar com o que ele chamou de “falsa tradição”, se referindo ao consumo exagerado de álcool.
“O estudante que mora em uma república federal, que não está pagando nada para morar ali, precisa saber que quem está pagando é o povo brasileiro. Então ele precisa ter um desempenho acadêmico satisfatório e nós precisamos dar um retorno para a sociedade e formar cidadãos”, defende o reitor eleito, Marconi de Freitas. Ele se diz um exemplo vivo de que morar em residências estudantis não é “coisa de outro mundo” e defende o lado positivo delas. “O convívio e a socialização que a vida em república promove são muito valiosos e são partes importantes da formação dos estudantes da Ufop. Nós precisamos aproveitar o que as repúblicas têm a ensinar e eliminar práticas que prejudicam o bom ambiente acadêmico”, diz ele.
“É uma disputa muito desigual que estamos travando contra o consumo exacerbado de álcool pela juventude. Há muita propaganda incitando o consumo. Logo que você chega a Ouro Preto há um out-door dizendo que a Ambev patrocina o carnaval na cidade”, afirma o reitor em fim de mandato. A criação de um conselho de pais, que deve se reunir no dia 22, é motivo de boa expectativa para ele, que a classifica como iniciativa pioneira em universidades federais. Outra medida ressaltada pelo professor é a eliminação gradual dos trotes, que já está sendo implantada.
O reitor eleito defende também que a comunidade ouropretana está mais aberta a transformações: “Há um desejo dos próprios estudantes de dar um novo rumo a essa convivência e a essa vida em república.” Já o presidente da Refop, Luiz Philippe, avalia que as mortes dos estudantes Pedro Silva Vieira, em 30 de novembro, e Daniel Macário de Melo Júnior, em 27 de outubro, abalaram fortemente a comunidade estudantil, que agora está mais disposta a aderir a mudanças. “O que acontece nas repúblicas é reflexo da sociedade. Sou membro da comissão que elaborou essas propostas e acho que elas só têm a acrescentar. As mortes dos estudantes no ano passado foram um baque pesado para todos nós e agora estamos mais dispostos a repensar nossa cultura e resgatar nossas verdadeiras tradições”, afirma.
Representantes de repúblicas federais Pulgatório, Nau sem ruo, Aquarius e Gaiola de Ouro não quiseram comentar as mudanças.
CARNAVAL “O nosso primeiro desafio será o carnaval. Vamos ceder a praça da universidade para que blocos possam desfilar, contribuindo para a política de descentralização do carnaval e preservação do Centro Histórico. Nós nos sentimos de certa forma guardiões do Centro Histórico”, avalia o reitor João Luiz Martins. A universidade irá se reunir com representantes dos estudantes na próxima semana para apresentar as novas propostas e deve aproveitar para tentar conscientizar os alunos nas vésperas da folia, incentivando uma festa consciente. “Ficamos sabendo que algumas cidades históricas não vão fazer carnaval, o que significa uma concentração ainda maior em Ouro Preto, então aumenta mais ainda a nossa preocupação”, comenta ele.
NOVAS REGRAS
Medidas anunciadas pela Ufop
– A Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) vai fazer uma pré-seleção com perfis dos candidatos e repassar às repúblicas, que poderão recusar os nomes, mas terão de justificar a recusa.
– Um dos critérios usados será a situação socioconômica do candidato.
– Proibição de ações de marketing e propagandas nas repúblicas, como a doação de freezers com marcas de cerveja.
– Abolição de hierarquias e de processos autoritários internos
– Promoção de ações de socialização, como esportes e extensão acadêmica.
– Treinamentos de estudantes para a identificação de situações médicas graves e noções de primeiros socorros.
– Eliminação gradual de trotes.
MORTE DE ALUNOS
» 26 de outubro – Moradores da República Nóis é Nóis organizaram uma festa para comemorar o fato de o estudante de artes cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Daniel Macário de Melo Júnior, de 27 anos, ter deixado de ser “bicho”, maneira como se
referem a calouros.
» 27 de outubro – Por volta das 11h, Daniel foi encontrado sem vida na cama do quarto que ocupava na moradia estudantil. O rapaz havia bebido em excesso na noite anterior durante a festa. Informações preliminares da Polícia Civil indicavam que ele podia ter se asfixiado com o próprio vômito.
» 29 de novembro – Uma festa regada a muita bebida na República Saudade da Mamãe, em Ouro Preto, comemorou a mudança de fase de calouro para veterano do estudante de química industrial Pedro Silva Vieira,
de 25 anos.
» 30 de novembro – O rapaz, que bebeu em excesso, passou mal durante a madrugada, vomitou e engasgou com o próprio vômito. Pedro ficou inconsciente e chegou a ser socorrido pelo Corpo de Bombeiros, mas morreu a caminho de uma unidade de saúde. Moradores da república informaram à polícia que Pedro havia consumido bebidas alcoólicas em excesso durante a noite anterior.
» 8 de dezembro – Exame feito pelo Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte comprovou que o estudante de artes cênicas Daniel Macário de Melo Júnior tinha 70 decigramas de álcool por litro de sangue quando foi encontrado morto na república Nóis é Nóis. O índice é quase 12 vezes maior do que o índice considerado embriaguez, que é de 6 decigramas.