Jornal Estado de Minas

Nem spray bucal escapa do bafômetro

A pedido do EM, médico comprova que produtos como medicamentos comuns ou bombons podem render multa de quase R$ 2 mil e até fazer motorista responder por crime de trânsito

Paula Sarapu Mateus Parreiras

Das bebidas ao antisséptico para a garganta, passando por spray, enxaguante bucal e até guloseimas inocentes: aparelho foi capaz de farejar tudo - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press



Ainda mais rigorosa, a nova regulamentação da Lei Seca brasileira vai exigir cuidados até de quem não bebe, mas faz uso de produtos como enxaguante bucal, remédios à base de álcool ou consome bombons de licor e molhos temperados com bebidasFoi o que comprovou o médico Leandro Duarte de Carvalho, especialista em medicina legal e perícia médica e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas GeraisA convite do Estado de Minas, ele submeteu 11 jornalistas a testes com etilômetro aferido pelo Inmetro, depois de consumir diferentes tipos de substâncias, comprovando que a quantidade de álcool expirada por nove deles configuraria, pela lei, infração ou crime de trânsito

Mas há saída para não enfrentar os rigores da lei mesmo sem ter tomado a famosa cervejinha: exigir a chamada contraprovaSegundo o Batalhão de Polícia de Trânsito de Belo Horizonte, os condutores flagrados nessa situação podem refazer o exame depois de alguns minutosDe fato, os testes aplicados na equipe do EM pela segunda vez, depois de cinco a 10 minutos, registraram concentração zero nesses casos.

“A grande diferença é que o álcool, nas situações específicas do bombom, do enxaguante bucal e dos medicamentos, fica restrito à bocaO ideal é que se refaça o teste um pouco depois, porque esse álcool vai sumir do ar, principalmente se a boca for bem lavadaJá no caso de ingestão de bebida, o corpo usa o álcool como fonte de energia e metaboliza essa substância, que circula na corrente sanguíneaO teste é uma forma rápida de verificar pelo ar expelido quanto há de álcool no sangue”, explica o médico.

Os testes com os jornalistas indicaram, por exemplo, que a concentração de álcool pelo uso de enxaguante bucal em uma mulher de 27 anos se assemelha, em um primeiro exame, à de um homem de 34 anos que ingeriu uma dose de cachaçaO equipamento Alco Sensor IV/RIBCO do Brasil, que pertence ao médico e é homologado pelo Inmetro, indicou ainda que um medicamento para alívio da dor de garganta, comprado em qualquer farmácia sem necessidade de receita médica, indica concentração superior a 2 miligrama de álcool por litro de ar expelidoPela nova legislação o limite tolerado é de 0,05 mg/l, com desconto de 0,04 mg/l, considerado margem de erro do aparelho
Para crimes de trânsito, a concentração deve ser superior a 0,30 (já descontando a margem de erro)Ou seja: o medicamento testado apontaria no motorista limite quase sete vezes superior ao considerado crime.

Numa primeira “baforada”, de acordo com os resultados dos testes, os bombons de licor também indicariam ao menos a infração de trânsito, cuja punição é o pagamento de multa de R$ 1.915,40 e a perda da carteira por um anoSegundo o comandante do Batalhão de Trânsito em exercício, tenente-coronel Alessandro Petronzio, nunca houve situação do tipo desde de que a campanha “Sou pela vida – Dirijo sem bebida” foi lançada em Belo Horizonte

“Se isso acontecer, o condutor pode explicar a situação de uso de antisséptico bucal ou da ingestão de bombom de licorNesses casos, o policial está orientado a dar a oportunidade de o motorista refazer o exame entre 15 e 20 minutos depois”, garante“Mas, se a concentração não zerar, ou seja, se o bafômetro apresentar concentração superior a 0,01, já com a margem de erro descontada, essa pessoa será enquadrada no mínimo em infração de trânsitoO delegado ainda pode entender que o motorista bebeu demais e submetê-lo ao exame clínico feito por um médico perito, incriminando-o por embriaguez ao volante”, explica o tenente-coronel.

Cada bebedor, uma reação

Os exames do bafômetro nos jornalistas constataram que as concentrações de bebidas alcoólicas variam para cada pessoa, como afirmam os especialistasNesse caso, diferentemente do consumo de produtos como o enxaguante bucal, o álcool permanece por mais tempo no organismoPara um copo de cerveja, vinho ou cachaça, os resultados também diferem, mas depois de 15 minutos o equipamento ainda verifica limite superior ao permitidoPara a mulher de 32 anos que ingeriu o equivalente a um copo de vinho, o segundo teste mostrou que a concentração de álcool caiu para 0,14 mg/l, ainda acima do limite permitido


Além da avaliação clínica, que lista indicativos como desorientação, hálito etílico, fala desconexa, olhos vermelhos, andar cambaleante e vestes desalinhadas, a nova Lei Seca determina que os agentes de trânsito podem usar vídeos, testemunhos e outras provas admitidas em direito para enquadrar o condutor com sinais de embriaguezAssim, não só o bafômetro e o exame de sangue podem garantir que o motorista seja incriminado por beber e dirigir.

Três perguntas para...
LEANDRO DUARTE DE CARVALHO,
ESPECIALISTA EM MEDICINA LEGAL E PERÍCIA MÉDICA E PROFESSOR DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DE MG
O que o senhor acha do rigor da nova lei?

Deveria ter sido assim desde o primeiro momento e, eu acho, até que mais rigorosaAs novas regras representam um grande avanço, no sentido de regulamentar protocolos clínicos, instituindo critérios de avaliaçãoAgora há um documento com normas validadas pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito) e essa padronização é muito boa para não haver questionamentos e até para capacitar agentes de trânsitoMas o ideal é que um médico faça a avaliação.

Como alguém que comeu bombom de licor ou algum molho à base de bebida alcoólica e motoristas que usam enxaguante bucal ou medicamentos contendo álcool devem se comportar nas blitzes?

Essas pessoas devem refazer o teste minutos depoisO álcool que ela expira logo depois desse consumo é um resíduo que só está na boca, não circulou pelo sangue, e que desaparece logoPara o bombom, em que a concentração é pequena, digo o mesmoMas vale tomar cuidado ao comer uma caixa inteira de bombom de licorNesse caso, o melhor é não dirigir.

O que falta para a conscientização dos motoristas?

Acho que estamos no caminho certoSe a fiscalização for eficiente, com muitas blitzes nos principais corredores, punindo aqueles que descumprem a tolerância zero, a tendência é de que as pessoas passem a respeitar a leiÉ assim que alcançaremos a diminuição dos acidentes, das suas consequências, além da conscientizaçãoDo contrário, a letra da lei é morta.

 

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