Jornal Estado de Minas

Controle fora do ponto

BHTrans fecha o cerco ao táxi ocioso

Após liberar taxistas veteranos da biometria, que garantiria controle da jornada, BHTrans diz que vai vistoriar taxímetros para garantir que veículos não fiquem na garagem. Para sindicato, medida não fará efeito, pois carros já rodariam mais que o mínimo exigido

Valquiria Lopes
Fiscalização biométrica será cobrada Só dos novos condutores. antigos terão de provar apenas que carro está pelo menos 12 horas nas ruas - Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A.Press


Depois de flexibilizar o controle de horas trabalhadas pelos taxistas no ano passado, abandonando o sistema de biometria, a Prefeitura de Belo Horizonte deve dar início a uma fiscalização que, para os motoristas, não passará de uma medida de “faz de conta” diante da falta de táxis na capitalA partir de março, a BHTrans promete monitorar os dados dos taxímetros para exigir que os cerca de 6 mil veículos que já prestam o serviço cumpram jornada diária mínima de 12 horas rodandoParadoxalmente, a medida será adotada porque a empresa municipal decidiu liberar os condutores veteranos do rigor da tecnologia do taxímetro biométrico – que informa por meio de impressão digital se o permissionário realmente dirige ou simplesmente aluga a placa para o motorista auxiliar

A exigência, que garantiria efetivamente um número mínimo de horas rodadas e impediria a exploração tão denunciada pelos condutores auxiliares – vai valer apenas para os taxistas novatos, que devem começar a rodar também no mês que vemAo todo, 605 vencedores da licitação para as novas placas vão se integrar ao sistema de transporte na capitalO fato de a BHTrans ceder à pressão e liberar os condutores veteranos do controle biométrico desagradou o Ministério Público, que critica a medida e espera que ela seja revista.

O controle da jornada de 12 horas pelos taxistas veteranos parte do princípio de que condutores vêm deixando o carro parado durante boa parte do dia, o que explicaria a baixa oferta do serviço reclamada pelos passageirosJá para o sindicato do setor, o argumento está equivocado, pois táxi parado é prejuízo certoRepresentantes da a categoria afirmam rodar quase 24 horas por dia e dizem não ser esse o caminho para sanar o déficit do serviço

Para a BHTrans, o fechamento do cerco aos “taxistas ociosos” vai ocorrer porque muitos donos de placas rodariam apenas uma parte do diaOutros, diante da demanda aquecida, não considerariam o número de corridas ou o tempo que estão nas ruas, mas sim quanto já faturaram“Vamos começar a fazer esse tipo de controle e temos certeza de que a oferta de táxi vai aumentar muito”, diz a diretora de Atendimento e Informação da BHTrans, Jussara Belavinha



A média atual de trabalho no sistema de táxi é de 13 horas por placaNo entanto, segundo a diretora, há discrepância de jornadasEnquanto alguns motoristas trabalham muito e ainda colocam auxiliares para rodar, outros não rodariam as 12 horas e nem teriam o segundo condutor“Com a mudança, quem está nessa situação terá que contratar o auxiliar se quiser continuar com a placa, ou trabalhar mais.” A diretora afirma que muitas denúncias de falta de táxi na capital são relacionadas especialmente aos horários de pico, à noite e aos fins de semanaO déficit de carros, seria resultado da baixa jornada e da falta do condutor auxiliar no segundo turno, diz.

 

O monitoramento das horas de trabalho do carro será feito com os dados do táximetro convencional, a partir de sistema que está sendo desenvolvido pelo setor de informática da BHTransDe acordo com Jussara Belavinha, a empresa vai estabelecer os procedimentos de entrega dos dados, que deve ser mensalDesse modo, apesar de o dono da placa não ter de provar o número de horas que trabalha,  precisa atestar que o veículo roda no mínimo a metade do dia

Élio de Araújo, de 64 anos, 36 de praça, diz que as despesas impedem de manter o carro parado - Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A.Press Para o sindicato que representa a categoria, a medida é inócua“Será um trabalho perdido, porque eles vão constatar que os veículos ficam quase 24 horas por dia na rua”, afirma o presidente do Sindicato dos Taxistas de Belo Horizonte, Dirceu Efigênio ReisSegundo ele, somente 10%, ou cerca de 600 dos aproximadamente 6 mil táxis da cidade, rodam com apenas um motorista

Já de acordo com a BHTrans chega a 1,5 mil a quantidade de veículos com um só profissional credenciado

No entanto, segundo Dirceu, “nenhum motorista vai trabalhar só um pouco e deixar o carro parado em casa, porque há despesas como prestação, manutenção e gasolina, que o obrigam a manter o carro rodando quase o dia todo”O presidente diz ainda que a medida soa como desculpa para os problemas de mobilidade da cidade“Falta táxi porque o trânsito está sempre muito ruim, as obras não resolvem os problemas dos gargalos e os táxis ficam parados em engarrafamentosNão é por causa da jornada do carro.”

Para Geraldo Coelho, de 52 anos, 16 ao volante, se há uma parcela que não roda 12 horas, ela é ínfima - Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A.Press Nas ruas, o discurso se repeteCom 36 anos de praça, o taxista Élio Antunes de Araújo, de 64 anos, conta que roda 10 horas diárias até entregar o táxi para o motorista auxiliar, que completa o turno com carga horária semelhante“Não tem como manter o carro paradoSão tantos gastos que é preciso faturar sempre mais”, afirmaO colega Geraldo Magno da Silva Coelho, de 52, que há 16 anos é taxista, reforça“Se tem uma parcela que não roda 12 horas por dia, é ínfima em relação à quantidade de carros na cidadeMas não acredito que seja essa a razão para as reclamações sobre a falta de táxis”, diz.

 

Biometria só vale para novatos

Enquanto se prepara para fiscalizar as placas antigas, a BHTRans aguarda os últimos testes do Inmetro nos equipamentos de biometria, que vão fazer o controle da carga horária dos novos taxistas e fornecer dados sobre os veículos por meio de sistema como o GPSA expectativa é de que o sistema comece a funcionar em marçoPela tecnologia, além das 12 horas de jornada de trabalho com o carro, o taxista deverá atestar o cumprimento de 26 dias úteis e mais um domingo ou feriado de trabalho, por mêsSomente nos meses de janeiro e fevereiro o prazo será menor: 15 dias úteisNo mais, fica mantida a cobrança em relação à quilometragem: 10 mil quilômetros para pessoas físicas e de 15 mil quilômetros para pessoas jurídicasO sistema eletrônico vai permitir a medição onlineSerá necessária a instalação de antenas pela cidade, para captação das informações

A resistência dos motoristas antigos à biometria, segundo a diretora de Atendimento e Informação da BHTrans, Jussara Belavinha, ocorreu porque os motoristas antigos muitas vezes alugam os carros e não trabalhamCom a biometria, eles seriam obrigados a trabalhar ou perderiam a placaNo entanto, à prefeitura, alegaram que poderiam ser processados pelos auxiliares, que passariam a requerer direitos trabalhistasO vínculo empregatício, desse ponto de vista, poderia ser comprovado por meio da biometriaPorém, de acordo com Jussara, a legislação que regulamenta a profissão de taxista é clara e permite a função de motorista auxiliar“A lei que criou a profissão de taxista prevê a possibilidade de o autônomo trabalhar pela diáriaMas no pano de fundo há outra históriaNão temos noção de qual a quantidade, mas existe uma parcela que nem toca no táxiSabemos que cerca de 1,5 mil não têm auxiliarEsses temos certeza de que trabalham mesmoOs demais, não temos como saber”, disse.


Critérios iguais para todos

Leonardo Barbabela
Promotor e coordenador do Centro de Apoio às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público

Os permissionários precisam entender que o táxi é um serviço público e deve estar à disposição da populaçãoEle não é uma modalidade privada, já que é o município que concede a outorga de exploração do serviço por meio de uma permissão, do mesmo modo que no transporte coletivo por ônibusQuando a prefeitura exige o cumprimento das 12 horas de trabalho com o carro,  tem todo o direito legal de fazê-loMas a avaliação do Ministério Público é de que a medida mais eficaz para garantir que o permissionário e o motorista auxiliar estejam cumprindo suas jornadas diárias seria o controle biométrico, que deveria valer para todos os taxistas da cidadeO desejo do MP é que esse rigor passe a valer muito em breve, com tecnologia segura, mesmo porque os permissionários operam um sistema que além de ser uma concessão de exploração, desfruta de isenção tributáriaEssa medida, sim, seria muito eficiente, porque faltam táxis para a população e isso não pode continuar a ocorrer em uma cidade do porte de Belo Horizonte