Depois de flexibilizar o controle de horas trabalhadas pelos taxistas no ano passado, abandonando o sistema de biometria, a Prefeitura de Belo Horizonte deve dar início a uma fiscalização que, para os motoristas, não passará de uma medida de “faz de conta” diante da falta de táxis na capital. A partir de março, a BHTrans promete monitorar os dados dos taxímetros para exigir que os cerca de 6 mil veículos que já prestam o serviço cumpram jornada diária mínima de 12 horas rodando. Paradoxalmente, a medida será adotada porque a empresa municipal decidiu liberar os condutores veteranos do rigor da tecnologia do taxímetro biométrico – que informa por meio de impressão digital se o permissionário realmente dirige ou simplesmente aluga a placa para o motorista auxiliar.
A exigência, que garantiria efetivamente um número mínimo de horas rodadas e impediria a exploração tão denunciada pelos condutores auxiliares – vai valer apenas para os taxistas novatos, que devem começar a rodar também no mês que vem. Ao todo, 605 vencedores da licitação para as novas placas vão se integrar ao sistema de transporte na capital. O fato de a BHTrans ceder à pressão e liberar os condutores veteranos do controle biométrico desagradou o Ministério Público, que critica a medida e espera que ela seja revista.
Para a BHTrans, o fechamento do cerco aos “taxistas ociosos” vai ocorrer porque muitos donos de placas rodariam apenas uma parte do dia. Outros, diante da demanda aquecida, não considerariam o número de corridas ou o tempo que estão nas ruas, mas sim quanto já faturaram. “Vamos começar a fazer esse tipo de controle e temos certeza de que a oferta de táxi vai aumentar muito”, diz a diretora de Atendimento e Informação da BHTrans, Jussara Belavinha.
A média atual de trabalho no sistema de táxi é de 13 horas por placa. No entanto, segundo a diretora, há discrepância de jornadas. Enquanto alguns motoristas trabalham muito e ainda colocam auxiliares para rodar, outros não rodariam as 12 horas e nem teriam o segundo condutor. “Com a mudança, quem está nessa situação terá que contratar o auxiliar se quiser continuar com a placa, ou trabalhar mais.” A diretora afirma que muitas denúncias de falta de táxi na capital são relacionadas especialmente aos horários de pico, à noite e aos fins de semana. O déficit de carros, seria resultado da baixa jornada e da falta do condutor auxiliar no segundo turno, diz.
O monitoramento das horas de trabalho do carro será feito com os dados do táximetro convencional, a partir de sistema que está sendo desenvolvido pelo setor de informática da BHTrans. De acordo com Jussara Belavinha, a empresa vai estabelecer os procedimentos de entrega dos dados, que deve ser mensal. Desse modo, apesar de o dono da placa não ter de provar o número de horas que trabalha, precisa atestar que o veículo roda no mínimo a metade do dia.
No entanto, segundo Dirceu, “nenhum motorista vai trabalhar só um pouco e deixar o carro parado em casa, porque há despesas como prestação, manutenção e gasolina, que o obrigam a manter o carro rodando quase o dia todo”. O presidente diz ainda que a medida soa como desculpa para os problemas de mobilidade da cidade. “Falta táxi porque o trânsito está sempre muito ruim, as obras não resolvem os problemas dos gargalos e os táxis ficam parados em engarrafamentos. Não é por causa da jornada do carro.”
Nas ruas, o discurso se repete. Com 36 anos de praça, o taxista Élio Antunes de Araújo, de 64 anos, conta que roda 10 horas diárias até entregar o táxi para o motorista auxiliar, que completa o turno com carga horária semelhante. “Não tem como manter o carro parado. São tantos gastos que é preciso faturar sempre mais”, afirma. O colega Geraldo Magno da Silva Coelho, de 52, que há 16 anos é taxista, reforça. “Se tem uma parcela que não roda 12 horas por dia, é ínfima em relação à quantidade de carros na cidade. Mas não acredito que seja essa a razão para as reclamações sobre a falta de táxis”, diz.
Biometria só vale para novatos
Enquanto se prepara para fiscalizar as placas antigas, a BHTRans aguarda os últimos testes do Inmetro nos equipamentos de biometria, que vão fazer o controle da carga horária dos novos taxistas e fornecer dados sobre os veículos por meio de sistema como o GPS. A expectativa é de que o sistema comece a funcionar em março. Pela tecnologia, além das 12 horas de jornada de trabalho com o carro, o taxista deverá atestar o cumprimento de 26 dias úteis e mais um domingo ou feriado de trabalho, por mês. Somente nos meses de janeiro e fevereiro o prazo será menor: 15 dias úteis. No mais, fica mantida a cobrança em relação à quilometragem: 10 mil quilômetros para pessoas físicas e de 15 mil quilômetros para pessoas jurídicas. O sistema eletrônico vai permitir a medição online. Será necessária a instalação de antenas pela cidade, para captação das informações.
A resistência dos motoristas antigos à biometria, segundo a diretora de Atendimento e Informação da BHTrans, Jussara Belavinha, ocorreu porque os motoristas antigos muitas vezes alugam os carros e não trabalham. Com a biometria, eles seriam obrigados a trabalhar ou perderiam a placa. No entanto, à prefeitura, alegaram que poderiam ser processados pelos auxiliares, que passariam a requerer direitos trabalhistas. O vínculo empregatício, desse ponto de vista, poderia ser comprovado por meio da biometria. Porém, de acordo com Jussara, a legislação que regulamenta a profissão de taxista é clara e permite a função de motorista auxiliar. “A lei que criou a profissão de taxista prevê a possibilidade de o autônomo trabalhar pela diária. Mas no pano de fundo há outra história. Não temos noção de qual a quantidade, mas existe uma parcela que nem toca no táxi. Sabemos que cerca de 1,5 mil não têm auxiliar. Esses temos certeza de que trabalham mesmo. Os demais, não temos como saber”, disse.
Critérios iguais para todos
Leonardo Barbabela
Promotor e coordenador do Centro de Apoio às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público
Os permissionários precisam entender que o táxi é um serviço público e deve estar à disposição da população. Ele não é uma modalidade privada, já que é o município que concede a outorga de exploração do serviço por meio de uma permissão, do mesmo modo que no transporte coletivo por ônibus. Quando a prefeitura exige o cumprimento das 12 horas de trabalho com o carro, tem todo o direito legal de fazê-lo. Mas a avaliação do Ministério Público é de que a medida mais eficaz para garantir que o permissionário e o motorista auxiliar estejam cumprindo suas jornadas diárias seria o controle biométrico, que deveria valer para todos os taxistas da cidade. O desejo do MP é que esse rigor passe a valer muito em breve, com tecnologia segura, mesmo porque os permissionários operam um sistema que além de ser uma concessão de exploração, desfruta de isenção tributária. Essa medida, sim, seria muito eficiente, porque faltam táxis para a população e isso não pode continuar a ocorrer em uma cidade do porte de Belo Horizonte.