Os primeiros europeus a se impressionar com o rio que de tão vasto tingia o Oceano Atlântico com suas águas turvas chegaram com a tripulação do explorador florentino Américo Vespúcio. Um ano depois de o Brasil ser descoberto, o navegador destacou isso em carta ao rei de Portugal, referindo-se ao que os índios chamavam “Opará”, ou Rio-Mar. Era 4 de outubro de 1501, dia de São Francisco de Assis, e o navegador batizou o curso com o nome do padroeiro dos animais e da ecologia. Fundamental na conquista do sertão, ainda hoje o Velho Chico sustenta nas suas barrancas pescadores e fazendeiros, abastece cidades e indústrias e chega a ser considerado solução para tentar matar a sede do Nordeste, por meio de uma transposição que ainda não saiu do papel. Porém, passados mais de cinco séculos de exploração, a fartura se voltou contra o maior curso d’água que corre integralmente em território brasileiro.
Vítima da expansão econômica desordenada, o leito que ajudou a integrar o país está mais envenenado que nunca. Em Minas, onde nasce e recebe mais água, é sufocado por índices cada vez piores de lançamento de esgotos, resíduos da atividade agropecuária, efluentes industriais e rejeitos de mineração. Sofre também com o descaso de cidadãos que optam por ligações clandestinas de esgoto e de autoridades, refletido em estações de tratamento de efluentes que jamais funcionaram, como mostra reportagem especial do Estado de Minas.
A qualidade das águas do São Francisco em Minas nunca esteve tão ruim, alertam especialistas. O último levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) aponta que, em 15 pontos de coleta, oito (57%) superam e muito a margem de tolerância estabelecida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para indicadores de poluição. Nesses lugares, três amostras extrapolavam a tolerância para coliformes fecais, duas para fósforo, uma para clorofila e uma para sólidos em suspensão. Tudo causado por esgoto, mineração e agropecuária desenvolvidas de forma predatória.
Duas amostras estavam bem acima do limite de segurança para sulfetos e metais pesados, como cobre, indicando que a indústria também joga os tóxicos que já não lhe servem na água, o que afeta principalmente a saúde humana, além de contaminar e matar os peixes. Em São Francisco, no Norte do estado, é comum encontrar peixes boiando, o que pode indicar morte por contaminação.
“Não são adotadas soluções e a poluição, a cada dia, só aumenta. O rio vai ficando raso pelo assoreamento, sem peixes, que não sobrevivem em águas de qualidade muito ruim, e ainda há o perigo de doenças causadas pelas algas e pelo esgoto”, adverte o coordenador do laboratório de Ecologia de Peixes da Universidade Federal de Lavras (Ufla), Paulo dos Santos Pompeu. Ameaça concreta a espécies aquáticas, pescadores, ribeirinhos e ao abastecimento dos 504 municípios da bacia que irriga Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.
Mas não são apenas as comunidades e empreendimentos nas 43 cidades banhadas diretamente pelo Velho Chico que degradam o rio. De acordo com o último levantamento do Igam, das 43 estações de coleta de dados espalhadas por afluentes da bacia, 16 (37,2%) denunciavam violações. Os piores resultados apareceram nos rios e ribeirões Marmelada (Abaeté), Borrachudo (Tiros), Vieiras (Montes Claros), Preto (Ilha de Baixo), São Miguel (Calciolândia), Sucuriú (Três Marias), Abaeté (São Gonçalo do Abaeté), Jequitaí (Guaicuí), Rico (Paracatu), Gorutuba (Janaúba) e Verde Grande (Glaucilândia, Capitão Enéas e Jaíba). “A bacia é integrada. O que é despejado em Montes Claros, em minutos chega ao Rio Verde Grande e em poucas horas ao São Francisco”, destaca a professora Yara Silveira, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros e integrante do comitê da bacia do Velho Chico.
Seguindo o mapeamento do Igam e o rastro dos poluidores, as equipes de reportagem do EM percorreram 1.500 quilômetros da extensão mineira do leito para mostrar de onde parte a destruição daquele que já foi chamado de Rio da Integração Nacional, mas cuja situação hoje destoa até mesmo do nome do santo que viveu para defender o meio ambiente.
O que sufoca o rio
Coliformes termorresistentes (fecais)Bactérias presentes no sistema digestório de mamíferos. Indicam a presença de esgoto na água. Por si só não causam danos à saúde, mas sua existência aumenta as chances de encontrar outros parasitas e vírus que provocam doenças, como febre tifoide, cólera, gastroenterite aguda, diarreia, hepatites A e B, poliomielite e disenteria amebiana.
Sólidos em suspensão
Presença de partículas (areia, silte, argila, algas, plâncton) na água. Pode ser causada por erosão das margens dos rios, esgoto sanitário, efluentes industriais e mineração. Provoca a formação de bancos de lodo e alterações no ecossistema aquático ao reduzir a enetração de luz na água.
Cobre
Pode acarretar lesões no fígado humano e é extremamente nocivo aos peixes, causando coagulação do muco das brânquias e matando os animais por asfixia.
Fósforo
Aparece principalmente devido a lançamento de esgotos, atividade agropecuária e erosão do solo. Como alimento de bactérias, sua grande concentração promove a proliferação dos micro-organismos que consomem o oxigênio da água, tornando-a imprópria à vida de outros organismos aquáticos.
Clorofila
Pigmento que possibilita a fotossíntese, é o principal indicador da proliferação de algas. Algumas espécies de algas em altas densidades comprometem a qualidade da água. Atenção especial é dada ao grupo das cianobactérias, que tem espécies potencialmente tóxicas relacionadas à mortandade de animais e a danos à saúde humana.
Sulfetos
Subproduto de minerais, aparece nas águas indicando contaminação por esgotos, quando em pequena quantidade, e por atividades industriais, se em grandes concentrações. Interfere na acidez da água e causa colapso em algumas funções celulares. Pode levar peixes e outros organismos aquáticos à morte e provocar intoxicação em
seres humanos.
(Fontes: Funasa, Igam, Semad, Cetesb)
Vítima da expansão econômica desordenada, o leito que ajudou a integrar o país está mais envenenado que nunca. Em Minas, onde nasce e recebe mais água, é sufocado por índices cada vez piores de lançamento de esgotos, resíduos da atividade agropecuária, efluentes industriais e rejeitos de mineração. Sofre também com o descaso de cidadãos que optam por ligações clandestinas de esgoto e de autoridades, refletido em estações de tratamento de efluentes que jamais funcionaram, como mostra reportagem especial do Estado de Minas.
A qualidade das águas do São Francisco em Minas nunca esteve tão ruim, alertam especialistas. O último levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) aponta que, em 15 pontos de coleta, oito (57%) superam e muito a margem de tolerância estabelecida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para indicadores de poluição. Nesses lugares, três amostras extrapolavam a tolerância para coliformes fecais, duas para fósforo, uma para clorofila e uma para sólidos em suspensão. Tudo causado por esgoto, mineração e agropecuária desenvolvidas de forma predatória.
Duas amostras estavam bem acima do limite de segurança para sulfetos e metais pesados, como cobre, indicando que a indústria também joga os tóxicos que já não lhe servem na água, o que afeta principalmente a saúde humana, além de contaminar e matar os peixes. Em São Francisco, no Norte do estado, é comum encontrar peixes boiando, o que pode indicar morte por contaminação.
“Não são adotadas soluções e a poluição, a cada dia, só aumenta. O rio vai ficando raso pelo assoreamento, sem peixes, que não sobrevivem em águas de qualidade muito ruim, e ainda há o perigo de doenças causadas pelas algas e pelo esgoto”, adverte o coordenador do laboratório de Ecologia de Peixes da Universidade Federal de Lavras (Ufla), Paulo dos Santos Pompeu. Ameaça concreta a espécies aquáticas, pescadores, ribeirinhos e ao abastecimento dos 504 municípios da bacia que irriga Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.
Mas não são apenas as comunidades e empreendimentos nas 43 cidades banhadas diretamente pelo Velho Chico que degradam o rio. De acordo com o último levantamento do Igam, das 43 estações de coleta de dados espalhadas por afluentes da bacia, 16 (37,2%) denunciavam violações. Os piores resultados apareceram nos rios e ribeirões Marmelada (Abaeté), Borrachudo (Tiros), Vieiras (Montes Claros), Preto (Ilha de Baixo), São Miguel (Calciolândia), Sucuriú (Três Marias), Abaeté (São Gonçalo do Abaeté), Jequitaí (Guaicuí), Rico (Paracatu), Gorutuba (Janaúba) e Verde Grande (Glaucilândia, Capitão Enéas e Jaíba). “A bacia é integrada. O que é despejado em Montes Claros, em minutos chega ao Rio Verde Grande e em poucas horas ao São Francisco”, destaca a professora Yara Silveira, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros e integrante do comitê da bacia do Velho Chico.
Seguindo o mapeamento do Igam e o rastro dos poluidores, as equipes de reportagem do EM percorreram 1.500 quilômetros da extensão mineira do leito para mostrar de onde parte a destruição daquele que já foi chamado de Rio da Integração Nacional, mas cuja situação hoje destoa até mesmo do nome do santo que viveu para defender o meio ambiente.
O que sufoca o rio
Coliformes termorresistentes (fecais)Bactérias presentes no sistema digestório de mamíferos. Indicam a presença de esgoto na água. Por si só não causam danos à saúde, mas sua existência aumenta as chances de encontrar outros parasitas e vírus que provocam doenças, como febre tifoide, cólera, gastroenterite aguda, diarreia, hepatites A e B, poliomielite e disenteria amebiana.
Sólidos em suspensão
Presença de partículas (areia, silte, argila, algas, plâncton) na água. Pode ser causada por erosão das margens dos rios, esgoto sanitário, efluentes industriais e mineração. Provoca a formação de bancos de lodo e alterações no ecossistema aquático ao reduzir a enetração de luz na água.
Cobre
Pode acarretar lesões no fígado humano e é extremamente nocivo aos peixes, causando coagulação do muco das brânquias e matando os animais por asfixia.
Fósforo
Aparece principalmente devido a lançamento de esgotos, atividade agropecuária e erosão do solo. Como alimento de bactérias, sua grande concentração promove a proliferação dos micro-organismos que consomem o oxigênio da água, tornando-a imprópria à vida de outros organismos aquáticos.
Clorofila
Pigmento que possibilita a fotossíntese, é o principal indicador da proliferação de algas. Algumas espécies de algas em altas densidades comprometem a qualidade da água. Atenção especial é dada ao grupo das cianobactérias, que tem espécies potencialmente tóxicas relacionadas à mortandade de animais e a danos à saúde humana.
Sulfetos
Subproduto de minerais, aparece nas águas indicando contaminação por esgotos, quando em pequena quantidade, e por atividades industriais, se em grandes concentrações. Interfere na acidez da água e causa colapso em algumas funções celulares. Pode levar peixes e outros organismos aquáticos à morte e provocar intoxicação em
seres humanos.
(Fontes: Funasa, Igam, Semad, Cetesb)