Dois outros acusados – Félix Herman Gamarra Alcântara, de 71, e Gérsio Zincone, de 77 – tiveram os crimes prescritos em decorrência de terem completado mais de 70 anosMas, considerando a gravidade das acusações comprovadas contra ambos, o juiz determinou que sejam enviados ofícios aos conselhos Federal e Regional de Medicina para apurações visando à cassação de seus registrosOs réus condenados tiveram passaportes retidos e devem se afastar das atividades do Sistema Único de Saúde.
O processo que resultou na condenação se refere à morte de José Domingos Carvalho, em 2001, aos 38 anosDe acordo com as apurações do Ministério Público divulgadas na sentença, o ponto de partida para os crimes foi o homicídio doloso praticado contra o paciente, mantido sem tratamento adequadoO grupo, que a Justiça classificou em termos como “organização” e “máfia”, tratava pacientes da Santa Casa de Poços de Caldas – hospital considerado referência – com descaso proposital, segundo a sentença
Somente com a pessoa “quase morta” ou já em morte encefálica um protocolo médico considerava o paciente “bom para UTI”, segundo descreve o processoOcorria então a internação em terapia intensiva, para melhor monitorar o funcionamento dos órgãos mais visados pela organização: rins e córneas, embora também interessassem coração e fígado, “que eram doados para colegas do estado vizinho de São Paulo ou remetidos para Belo Horizonte”, ignorando a fila única de candidatos a transplantes e com cobrança irregular.
Depois de declarada a morte encefálica do paciente, este tornava-se “doador cadáver”Para o juiz do caso, esse era o “momento que (a vítima) se transformava em objeto, se é que já não era antes, desde que entrava no esquema criminoso e tinha seu corpo repartido, de acordo com os interesses dos médicos, ou melhor, dos criminosos que se diziam médicos”.
Crimes sob o manto da legalidade
Para o juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas, que condenou quatro médicos da cidade a penas de oito anos a 11 anos e meio de prisão por tráfico de órgãos, a organização que atuava na cidade do Sul de Minas tentava dar aspectos de legalidade aos procedimentos criminososPorém, os rastros começaram a aparecer depois de erros no preenchimento de protocolos de morte encefálica e pelo uso de modelos defasados, entre outros descuidos.
Propositalmente, segundo a sentença, os prontuários de pacientes eram tratados de forma displicente, sem assinaturas, carimbos ou números de CRM, com rasuras ou com omissão de condutas“Ainda assim, tudo faziam para convencer os pobres familiares a efetivar a doação dos órgãos, aproveitando da fragilidade a que estavam acometidos pela perda recente de um ente querido”, diz o magistrado no texto, em que também avalia o esquema: “O plano parecia perfeito e os lucros eram cada vez maiores e com um plus: o reconhecimento social”
Os casos só foram descobertos depois das denúncias do programador Paulo Airton Pavesi, de 45 anos, cujo filho, Paulo Veronesi Pavesi, aos 10, teria sido vítima do esquema e tido órgãos e tecidos traficados, em 2000“Sinto que a morte desse paciente (a que se refere a sentença) poderia ter sido evitada, pois meu filho tinha sido morto antes, e eu já havia denunciado o que estava acontecendoEssa máfia destruiu minha família e eliminou pessoas que tinham reais chances de sobrevivência, em busca de lucrosPerdi 13 anos da minha vida por isso”, desabafa.
O chamado “caso Pavesi” ainda será julgado, pelo tribunal do júri, já que se trata de denúncia de homicídio