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Estado de Minas

Conheça histórias de quem também largou a batina como Papa Bento XVI


postado em 24/02/2013 00:12 / atualizado em 24/02/2013 07:30

Gustavo Werneck

Depois de abandonar o ministério católico, grupo, integrado por Anísio, Jonas, Ari e João Batista, se reúne periodicamente na capital para manter acesa a chama da fé(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Depois de abandonar o ministério católico, grupo, integrado por Anísio, Jonas, Ari e João Batista, se reúne periodicamente na capital para manter acesa a chama da fé (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

 

Renúncia. Desde que o papa Bento XVI anunciou que deixaria vago o trono de São Pedro, a palavra soa de formas diversas entre os católicos. Uns classificam a decisão como coragem, outros como determinação, mas há os que a consideram sinônimo de cansaço e decepção. O certo é que, para chegar a uma decisão tão radical, são necessárias muitas noites em claro e dias imersos em pensamentos, num conflito entre razão e emoção. Para padres que abandonaram a batina, renunciar demanda sofrimento e sentimentos à flor da pele, mas, no fim, deve prevalecer a voz do coração. “Foi como se estivesse num avião que levantou voo e desviou da rota para reencontrar o caminho”, conta o vigário da Paróquia Santa Clara de Assis, no Bairro Buritis, na Região Oeste da capital, padre Nereu de Castro Teixeira, de 77 anos, 54 dos quais dedicados ao sacerdócio.

A história do padre Nereu, que se considera “feliz, muito feliz”, é bem peculiar, pois junta renúncia e volta ao ponto de origem. No início da década passada, movido por “circunstâncias que só Deus sabe”, ele deixou o ministério – tecnicamente, esse é o nome da situação vivida pelos padres – e teve um relacionamento “com uma grande amiga”, que morreu. Ao fim de três anos e meio sem celebrar missas e ministrar sacramentos, o religioso conversou com o arcebispo metropolitano, dom Walmor Oliveira de Azevedo, e retornou às atividades normais, deixando no passado o “exílio voluntário”.

Renunciar significa também começar do zero, e muitas vezes dar um salto no escuro, longe da segurança da vida religiosa. Em 1999, quando tomou a decisão, o professor de espanhol e funcionário do Colégio Santo Agostinho Anísio de Brito Barros, de 64, solteiro, fez seis meses de terapia. “Pensei em janeiro e saí em dezembro. Estava com 50 anos e sentia que meu combustível tinha acabado. Estava ranzinza”, confessa Anísio, lembrando que foi um processo doloroso. O professor conta que não chegou ao seminário por vocação. “Éramos muito pobres. Sétimo filho de família de nove irmãos, era raquítico e, aos 12 anos, vi que o seminário em São José do Rio Preto (SP) seria a oportunidade de estudar e me alimentar bem. Mas acabei voltando e morando em Belo Horizonte.”

O menino Anísio queria, na verdade, ser artista, desde que assistiu aos filmes Ben Hur e Os dez mandamentos. “Nunca tive vocação para intelectual.” Ele fez a faculdade de filosofia na PUC Minas, de teologia na PUC do Rio de Janeiro (RJ) e dois anos de estudos na Espanha. No retorno à capital, desempenhou suas reais funções. “A vida religiosa me deu alegrias e sempre correspondi aos anseios dos paroquianos. O problema é que, em certo momento, vi que era hora de cuidar de mim. Deus foi meu terapeuta e me acompanhou em tudo”, dizr.

O vigário E A MOÇA Em BH, residem cerca de 200 padres, de diversas regiões, que deixaram o sacerdócio. Segundo o bispo emérito da Paraíba, dom José Maria Pires, de 94, coordenador de um grupo de padres casados e residente em casa dos jesuítas no Bairro Itapoã, na Região da Pampulha, há dois motivos para o religioso renunciar. “Pode ter ficado desiludido e decepcionado com a vida sacerdotal ou viu que não teria mais condições de seguir o celibato, devido ao despertar da sexualidade”, diz o bispo, ciente de que os casados do grupo se tornaram “excelentes maridos e continuaram cristãos”.  

Em dezembro de 2011, diante do padre e dos filhos, Daliane, de 19, Lucas, de 14, e André Bento, de 7, o casal Ari Eustáquio da Silva e Edva Martins Regis sacramentou a união de 20 anos. O casamento na Igreja só foi possível graças ao certificado de dispensa enviado pelo Vaticano. Quem chega à casa do Bairro Pompeia vê uma família bem estruturada e feliz. “Mas o começo não foi fácil, parecia que eu traía a mim mesmo. Vivi um grande dilema, tive medo de virar um escândalo na Igreja”, recorda-se Ari, de 53, diretor do Colégio São Francisco de Assis.

O professor conta que foi frade durante 18 anos e conheceu Edva, hoje professora de história, brotando entre eles uma forte amizade. “Desde novo, imaginava uma vida simples, como a de São Francisco de Assis. Me apaixonei por grandes ideais”, revela Ari, que tinha Edva a ajudá-lo. O coração falou mais alto e o padre e a moça selaram o seu destino, não sem antes passar pelos dramas de consciência.

“Renúncia não é o fim de nada, mas o início de perspectivas, de novo apelo. Ouvi o que Deus me pedia. Penso que com Bento XVI ocorre o mesmo. É um recomeço para ele e a Igreja. Estamos todo num momento de reflexão”, salienta.


Visão otimista do futuro

O desejo de formar uma família povoou por muito tempo a cabeça do professor de sociologia e ensino religioso Jonas José Santana, de 48, casado e pai de duas filhas. “Sentia que faltava algo e não queria uma vida paralela à da Igreja.” Ele conta que primeiro veio a ideia, sempre atropelada pela intensa atividade religiosa, e em seguida questionamentos que o intrigavam. Decidido, Jonas fez concurso para capelão dos bombeiros, no Rio, foi aprovado, mas ficou por aqui mesmo. Até que passou numa prova para professor e alterou completamente a roda da existência. Há 10 anos, largou a batina e disse adeus ao celibato, e hoje leciona em três escolas, além de fazer trabalhos de evangelização. Dos tempos de padre, Jonas manteve “uma visão otimista do ser humano e o sonho de que é possível mudar o mundo”. E mais: que Deus é um “ser misericordioso, acima da miséria humana”.

Na noite de quarta-feira, num dos seus encontros mensais, desta vez na casa do professor Ari, o grupo de padres casados, alguns acompanhados das mulheres e filhos, cantou músicas sacras em latim e recordou histórias do seminário. Entre eles, João Batista Ferraz, de 60, ao lado da mulher, Marta Juliana, defensora pública em BH, e das filhas, Camila, de 19, e Marcela, de 7. Coordenador de pastoral do Colégio Santo Agostinho, no Vale dos Cristais, em Nova Lima, João apontou várias razões para ter renunciado ao celibato, aos 37 anos. “Senti necessidade de mudar de vida. Estava infeliz e certo de já ter cumprido minha missão. Mesmo assim, tinha medo, ficava apreensivo quanto ao futuro, havia incertezas, principalmente em viver sem a segurança da comunidade”, conta. Falou mais alto “o amor que evoluiu” por Marta e a compreensão dos seus superiores agostinianos. “A gente não sai da Igreja, apenas deixa de ter uma função nela”, explica. Para Marta, o marido trouxe dos tempos de padre “os valores éticos e morais” de suma importância na constituição da família.

Ao grupo se juntaram o professor de filosofia e de formação humana cristã do Colégio São Francisco de Assis, na Pompeia, Alair Naves, de 50, casado e pai de dois filhos, que descobriu novas trilhas a partir de uma terapia de autoconhecimento e o despertar do desejo de paternidade; e Tilden Santiago, ex-embaixador do Brasil em Cuba, ex-deputado federal (PT), ex-secretário estadual de Meio Ambiente e agora diretor de Meio Ambiente da Copasa. Com longa trajetória de vida política, que incluiu luta contra a ditadura militar e participação em movimentos populares em Minas, Paraíba, Pernambuco e Espírito Santos, Tilden, natural de Nova Era, estudou teologia em Roma, durante o Concílio Vaticano II (1962 a 1965) e se ordenou padre em 1º de maio de 1967 no Espírito Santo. Pertenceu à sociedade apostólica dos padres operários, religiosos politizados, e renunciou à vida religiosa quando o seu grupo, que questionava o celibato, se dissolveu. “Hoje sou ecumênico”, diz Tilden, pai de três filhos.

Saiba mais

padre É para sempre

Padre é sempre padre, são homens de fé. Portanto, “teológica e sacramentalmente, não há ex-padre”, explica o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, dom João Justino de Medeiros, lembrando que a situação de quem deixa o sacerdócio se compara às pessoas batizadas e crismadas – não há ex-batizado ou ex-crismado. Segundo ele, o afastamento da Igreja pode ser temporário, devendo o padre apresentar relato detalhado ao bispo. Se a decisão for definitiva, é aberto processo de dispensa no tribunal diocesano, com desdobramento em Roma. O último ato é a assinatura do certificado de dispensa pelo papa, documento necessário para o casamento. Se o padre quiser voltar às atividades, terá de reiniciar o ministério. Quem abandonou o exercício não pode celebrar nem ministrar sacramentos. Nos 28 municípios da Arquidiocese de BH, há 675 padres e diáconos trabalhando.

“Vi que era hora de cuidar de mim. Deus foi meu terapeuta e me acompanhou em tudo”
>> Anísio de Brito Barros, professor de espanhol


“Sentia que faltava algo e não queria uma vida paralela à da Igreja”
>> Jonas José Santana, professor



“Senti necessidade de mudar de vida. Estava infeliz e certo de já ter cumprido a missão”

>> João Batista Ferraz, coordenador de pastoral, com a mulher, Marta, e as filhas, Camila e Marcela


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