Poços de Caldas, Bandeira do Sul e Carvalhópolis – Estudos da área de segurança pública definem “máfia” como uma organização com estrutura hierárquica definida, múltiplas atividades criminosas e influência velada sobre o poder públicoTreze anos depois das primeiras denúncias de assassinato de pacientes para tráfico de órgãos humanos em Poços de Caldas, no Sul de Minas, esse é o tipo de grupo descrito por promotores e juízes de Belo Horizonte que tomaram a frente das apurações e das ações judiciais que resultaram delasOs trabalhos se referem a uma série de denúncias, encabeçadas por pelo menos oito mortes suspeitas e transações ilícitas de órgãos por meio de uma lista de receptores paralela à oficialMais impressionante do que os relatos sobre o grupo de médicos suspeito de deixar pacientes definhar deliberadamente e até retirar vísceras de vítimas ainda vivas, porém, são relatos de horror feitos por parentes dessas pessoasA reabertura das investigações leva alguns desses familiares, localizados pelo Estado de Minas, a reviver os dias de angústia enfrentados durante as internações na Santa Casa de Poços de Caldas, na qual operava o grupo investigado, e onde, segundo contam, pacientes chegavam a passar fome enquanto, de acordo com a Justiça, eram deixados para morrer.
As denúncias, segundo autoridades que assumiram os processos, passaram anos diante do descaso oficial de policiais e promotores locaisA primeira sentença , divulgada na última semana, saiu depois da designação de autoridades de fora para assumir os casosNela foram condenados em primeira instância quatro réus, todos médicosAlexandre Crispino Zincone, de 48 anos, recebeu pena de 11 anos e meio de prisão; João Alberto Goés Brandão, de 44, Celso Roberto Frasson Scafi, de 50, e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes, de 53, foram condenados a oito anos cada umTodas as penas são em regime fechado, embora os réus possam recorrer em liberdadeAs acusações contra Félix Herman Gamarra Alcântara, de 71, e Gérsio Zincone, de 77, caducaram, devido ao fato de serem maiores de 70 anos, embora a Justiça tenha considerados procedentes fatos pelos quais foram denunciadosA defesa dos acusados informou já ter recorrido da decisão.
O único caso julgado diz respeito à morte de José Domingos Carvalho, que faleceu em 2001, aos 38 anos
Trechos da sentença que condenou os médicos responsáveis pelo atendimento do pai de Júnior reforçam as suspeitas da família“Verifica-se que o paciente não teve o tratamento adequado, pois desde o início o interesse das equipes médicas era na retirada de seus órgãos para fins de transplanteNão se concebe um paciente com um quadro tão grave ficar internado dias na enfermaria geral”, escreveu o juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, da da 1ª Vara Criminal de Poços, que julgou o caso, referindo-se ao diagnóstico de aneurisma da vítima.
No sexto dia de internação, quando os parentes foram visitar José Domingos, só encontraram o par de chinelos dele sob a camaFoi quando a família foi informada da morte cerebral“Veio uma psicóloga conversar com a gente por duas horas sobre a doação dos órgãosDisse que uma pessoa poderia voltar a ver por causa das córneas do meu paiA gente estava muito triste, mas concordou”, relembra JúniorFoi só depois do enterro, quando a família se resumiu à mãe, catadora de café, ao irmão, então com 6 anos e a Júnior, que veio a segunda pior notícia: a suspeita de tráfico de órgãos“Foi a Polícia Federal que nos procurou e contou tudoTiraram o meu paiTive de ser pai para meu irmão aos 14 anosIsso nunca vai sarar.”
Confira o depoimento: