Em meio ao emaranhado de veículos pelas ruas e avenidas de Belo Horizonte, um exemplo inovador começa a chamar a atenção de quem circula pelo trânsito da capital. O formato não é nenhuma novidade: as duas rodas, o quadro, as marchas e os pedais não deixam dúvida de que o meio de transporte em questão é a bicicleta. Porém, as pernas acostumadas a fazer força agora ganham momentos de relaxamento, já que o impulso necessário para a locomoção vem de um motor movido a energia elétrica. Essa é a alternativa procurada por adeptos de uma opção mais sustentável, que garanta a fuga de engarrafamentos e ajude o ciclista a vencer obstáculos de uma cidade montanhosa. Mas ao mesmo tempo que as bikes elétricas, as e-bikes, começam a dar as caras, a falta de regulamentação específica cria uma situação confusa e curiosa, já que, sem registro ou licenciamento, não é possível atrelar multas aos veículos.
O fotógrafo Angelo Costa Paulino, de 47 anos, é um dos entusiastas do modelo na capital. Morador do Bairro São Bento, na Região Centro-Sul, ele usa a bicicleta para pequenas distâncias, como ir até a padaria ou ao supermercado, mas chegou a adotar a magrela motorizada até mesmo na rotina diária de trabalho num bairro vizinho, o Santa Lúcia. “Hoje estou trabalhando em Nova Lima (Grande BH), o que inviabilizou o uso constante”, diz Angelo. Ele conta ter descoberto a possibilidade há dois anos num evento de seguradoras paulistas, que a utilizava para geração de sinistros. “Desde então, comecei a pesquisar e montei a minha própria bicicleta elétrica”, afirma o fotógrafo.
Angelo explica que a principal vantagem é o menor desgaste em relação à bicicleta comum. Apesar disso, os pedais continuam indispensáveis para subir morros, já que apenas o motor não é suficiente quando a via é muito íngreme. “Já rodei por vários bairros, como Mangabeiras e Belvedere, para testar o desempenho. Consigo uma autonomia de mais de 30 quilômetros com a bateria carregada em cerca de quatro horas”, diz ele. Angelo instalou uma espécie de computador de bordo com a quilometragem percorrida, para que ele tenha noção do consumo. Um marcador luminoso indica a carga da bateria. O funcionamento por meio dos pedais permanece. A diferença é o acelerador de mão, igual ao usado em uma moto.
Dono de uma empresa de entregas e transporte executivo, Felipe Ferreira já conta com três bicicletas movidas a energia elétrica na frota. Tudo começou em setembro, quando uma conversa chamou sua atenção. “Eu já usava uma bike comum em pequenas entregas. Um dos meus clientes me disse que o ciclista chegava muito suado para fazer a entrega. Ele, então, me perguntou se eu não tinha outra opção”, conta Felipe. Como já era parceiro de uma loja de bicicletas, ficou diante de duas escolhas: uma bike a gasolina e a elétrica. “Apostei na sustentabilidade e o resultado foi o melhor possível. O ciclista ficou menos cansado, começamos a gastar menos tempo na entrega, os clientes elogiaram e alguns fazem questão da e-bike”, afirma Felipe.
Quem comanda uma das magrelas é Michael Xavier de Araújo, de 23 anos. Ele está há dois anos na firma e já leva encomendas de moto, de bicicleta normal e na elétrica. Esta última é sua preferida. “Canso bem menos, consigo desenvolver mais no trânsito e gasto menos tempo, principalmente por conta da questão de estacionamento. Com a bike, basta amarrá-la em algum poste ou nos bicicletários”, diz ele. Ela chega a atingir 50km/h. A pedalada ajuda a recarregar a bateria.
CRESCENDO Para Itamar Carvalho, representante de uma das quatro empresas que comercializam bikes elétricas no Brasil (os preços variam de R$ 2.300 a R$ 3.800), a tendência é de alto crescimento no setor. Ele contabiliza cerca de 60 vendas recentes para compradores de BH, boa parte dos negócios feita pela internet. “Nossos modelos variam de 350 a 800 watts de potência e a autonomia média é de 40 quilômetros. A principal desvantagem é o tempo para a recarga da bateria, de cerca de seis horas”, diz ele.
Norma de circulação, um dos dilemas
Com as bikes elétricas rodando pelas ruas de BH, uma das dúvidas principais é quanto às normas de circulação. Quais são as regras para locomoção? Em Belo Horizonte não há legislação específica que regule o registro e o licenciamento, conforme prevê o artigo 129 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A Resolução 315 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) equipara as bicicletas motorizadas aos ciclomotores, para os quais é exigida carteira de habilitação como a das motos, ou Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC). Há ainda um detalhe no caso de registro de algum tipo de infração. Sem serem emplacadas, as e-bikes ficam isentas de multas.
Em maio, no Rio de Janeiro, um ciclista foi abordado por volta das 4h pela Operação Lei Seca. Como ele se recusou a soprar o bafômetro, recebeu multa de R$ 957,70 e perdeu sete pontos na CNH. Ele também acabou autuado por pilotar um veículo de categoria diferente de sua licença, o que lhe rendeu mais sete pontos e outra autuação de R$ 574,62. Sem capacete, perdeu outros sete pontos e recebeu penalidade de R$ 191,54. Alguns dias depois, a Prefeitura do Rio publicou decreto autorizando as e-bikes a circularem sem licenciamento, habilitação e dispositivos obrigatórios de segurança. A discussão obrigou o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) a repensar o tema. A assessoria do órgão informou que técnicos estão trabalhando em comissões temáticas há quase um ano e que em breve deve sair nova orientação sobre o assunto. Em Belo Horizonte, a BHTrans informou que aguarda a normatização dos órgãos superiores.
O comandante do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) da capital, tenente-coronel Roberto Lemos, admite que não é possível multar as novas bikes, por causa da ausência de placas ou chassi, mas garante que uma bike elétrica pode ser apreendida e o ciclista obrigado a buscar um registro similar ao exigido para ciclomotores. O militar acredita que, mesmo nos casos das magrelas motorizadas, o estado deve ter o controle para que o trânsito não seja prejudicado.
“É importante uma regulamentação, pois se esse modelo começar a encher as ruas e avenidas teremos mais chances de acidentes e até o uso delas em ações criminosas, como os furtos. Nesse caso, o registro se torna necessário para apuração”, diz Lemos. O comandante do BPTran também chama a atenção para a necessidade de conhecimento do tráfego urbano pelos ciclistas motorizados. “Com os motoqueiros já temos vários cursos e tentativas de conscientização e ainda assim enfrentamos problemas com acidentes. Podemos ter a mesma situação com as bicicletas se o uso for indiscriminado e sem normas.”
O consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade defende a viabilidade da bike elétrica numa cidade travada por gargalos de trânsito. “A regulamentação é muito importante para trazer os padrões de segurança, principalmente do ponto de vista da potência. Se a potência não for explicada, podemos ter modelos que se assemelham às motocicletas e aí perde-se o sentido”, diz Silvestre. Porém, ele chama a atenção para o exagero nas regulamentações. “As regras não podem representar um excesso burocrático. Se for feito dessa forma, acaba constrangendo o uso e perde o espírito da bicicleta”.
Saiba mais
Exigência de habilitação
Bicicletas elétricas são equiparadas aos ciclomotores, de acordo com a Resolução 315 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Elas só podem ser conduzidas com CNH da categoria A ou autorização especial. Segundo a norma, os modelos das e-bikes não podem ter mais de quatro quilowatts de potência, o peso máximo do condutor e do veículo não pode ultrapassar 140kg e a velocidade máxima declarada pelo fabricante tem que ser limitada a 50km/h. Além disso, o equipamento deve ter espelhos retrovisores dos dois lados, farol dianteiro de cor branca ou amarela, lanterna vermelha na parte traseira, velocímetro, buzina e pneus que ofereçam condições mínimas de segurança.
A palavra de usuários e fabricantes
Vantagens
Menor desgaste do ciclista
Maior facilidade de subir os morros de Belo Horizonte
Meio de transporte não poluente
Menos tempo nos deslocamentos
Desvantagens
Tempo gasto na recarga das baterias é longo
Maior desgaste dos freios em razão da velocidade mais alta
Modelo tem peso maior, o que pode dificultar locomoção caso falte bateria