Jornal Estado de Minas

Garotos de programa e travestis vão para a sala de aula aprender outros idiomas

Junia Oliveira
- Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press.
Serão mais de 1 mil alunos envolvidos no aprendizado de novas culturasNo clima de preparação para a Copa do Mundo, profissionais da ocupação mais antiga da história não querem ficar de fora das oportunidadesAfinal de contas, entre quatro paredes também é preciso se comunicarSegunda-feira, garotas e garotos de programa e travestis de Belo Horizonte e região metropolitana vão para a sala de aula aprender outros idiomasE eles vão além: mês que vem, começa a ser oferecida também a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com ensino fundamental para quem não teve a chance de estudar.


As primeiras lições de inglês, espanhol, francês e italiano serão aprendidas num espaço improvisado da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aspromig), na Rua Guaicurus, no Centro da capitalDentro de um mês, os cursos serão ministrados num shopping da região, ao lado da rodoviária, onde estão sendo montadas três salas e um auditório com recursos multimídia para receber as turmasPara acomodar os primeiros estudantes foi preciso fazer sorteio, pois o espaço da Aspromig não tem capacidade para o tamanho da demanda

Doze professores, todos voluntários, terão a missão de ensinar o “vocabulário técnico” e algo a mais, de acordo com as necessidades dos profissionaisCada grupo será composto por no máximo 20 alunosE quem quiser fazer mais de um curso, que é gratuito, poderá encarar o desafioA presidente da associação, Cida Vieira, diz que a demanda partiu das mulheres, mas a vontade de melhorar na profissão e na vida pessoal se espalhou e conquistou os outros colegas

“Todo mundo está se preparando para a Copa, não seria diferente com o movimento das prostitutas”, diz.

Além de BH, há alunos de cidades vizinhas, como Betim, Contagem, SabaráE, de acordo com Cida, a procura está tão grande que há outras pessoas interessadas, mas a ocupação de profissional do sexo foi o critério de seleção“Depois que a estrutura estiver consolidada, pode até ser que abramos para a população em geral, mas, claro, com menos vagas”, afirma a presidente da associaçãoOutra ideia é que os professores que aceitaram o desafio passem a experiência para a frente e conquistem adeptos“Muita gente ainda tem medo de estar numa sala de aula como essaÉ preciso quebrar os preconceitos e isso não é fácil”, avalia

O empresário que está bancando o projeto, Elias Tergilene, dono do shopping popular, investiu R$ 32 mil e conta que está quase tudo prontoAgora, faltam só as carteiras, que já foram encomendadasEmpolgado com a iniciativa, ele teme apenas que, por ser um trabalho voluntário, os professores acabem desistindo, o que poderia desestimular as turmasPor isso, Cida pede apoio à iniciativa privada para contribuições que banquem pelo menos o transporte dos responsáveis pelas aulas


Tergilene diz que pensou em procurar patrocínio, mas esbarrou num obstáculo: “As pessoas não querem agregar sua marca à prostitutaFicam com preconceito e não fazem nadaFábricas de preservativos, de absorventes e até os hotéis onde elas ficam podiam ajudarAfinal, são mulheres e seres humanos como qualquer outro”, diz Tergilene“Quando eu falo, as pessoas me olham como se eu estivesse fazendo algo errado e não acho que eu estejaElas são clientes do shopping, consomem, usam nossa academiaInfelizmente, as coisas não mudam pela vontade da sociedade”, acrescenta

EJA Outra demanda das prostitutas desde o ano passado é a Educação de Jovens e Adultos (EJA)Inicialmente, um professor disponibilizado pela Prefeitura de BH vai atender uma turma de cerca de 20 pessoasO curso, já aprovado pelo Ministério da Educação (MEC), vai oferecer o ensino fundamentalA expectativa é de que as profissionais possam também fazer o nível médio futuramenteA EJA também será ministrada numa das salas do shopping“As pessoas poderão se qualificar, formar, ter educação, tirar o estigma que há sobre elas e o medo das outras pessoas”, afirma Cida Vieira