Uma contradição perigosa está na mesa dos mineiros: há riscos de saúde quando se busca uma alimentação saudável em supermercados e restaurantes de Minas GeraisIsso porque os consumidores estão sendo enganados justamente na hora de consumir peixes, produtos derivados do leite de búfala e até fitoterápicos, medicamentos à base de plantasA denúncia, que promete mexer com os bons hábitos de vida em todo o Brasil, vem de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que analisam, desde 2010, os alimentos adulterados vendidos aqui e em outros estadosAs análises assustam: das 259 amostras de pescados, 21% não são o que o comerciante ou os rótulos dizemEm 124 amostras de lácteos rotulados como de origem bubalina, 7% continham leite de vaca e, em alguns casos, com presença de até 100% E mais: das 147 amostras de fitoterápicos analisados, 70% não eram da espécie declarada.
A exemplo do que ocorre na Europa, com o escândalo da substituição da carne de cavalo em produtos que deveriam conter carne bovina, em Minas também vale o jargão popular de "comprar gato por lebre" De acordo com os estudos feitos dentro do laboratório de genética animal da Escola de Veterinária da UFMG, há muitas fraudes nos alimentos vendidos aqui, seja por desconhecimento ou por malandragem dos próprios produtores e comerciantes, como comenta Marcela Drummond, presidente da empresa Myleus Biotechnology, que faz parte da equipe de pesquisa e nasceu dentro da universidade"Há a lesão ao consumidor de comprar algo e ser enganado, e o risco à saúde, uma vez que muitas pessoas têm alergia a um tipo de peixe ou a leite de vaca", aponta Marcela.
As pesquisas contemplaram restaurantes, supermercados e mercados, tradicionais ou nãoAlém de Minas, outros estados foram alvo dos estudos (São Paulo, Rio, Espírito Santo e a Região Sul do Brasil)O mais recente, defendido este mês, é a dissertação de mestrado em zootecnia, de Danilo Alves PimentaEle analisou várias espécies de peixes, como bacalhau, atum, merluza, panga, salmão, traíra e tilápia
Prestes a ser defendida, a dissertação de mestrado de Lissandra Souza Dalsecco em genética pela Escola de Veterinária da UFMG é ainda mais preocupanteIsso porque ela analisou 124 amostras de lácteos rotulados como de búfala, comercializados em Minas, Rio de Janeiro e São Paulo"Foram queijos, leites, iogurtes e doces de leiteA Associação Brasileira de Criadores de Búfalo aceitam até 10% de presença de leite de vaca nesses produtosNo entanto, encontramos em 7% deles muito mais do que 10% de leite de vacaHavia uma contaminação de 12% a 25%, em alguns casos, de até 100%
Para os dois casos, especialistas pedem atençãoSegundo avalia a nutricionista e consultora do Programa Alimento Seguro Tatiana Miranda, as fraudes são um risco para a saúde"As pessoas que têm intolerância a algum componente do leite de vaca, por exemplo, ao escolher o de búfala contaminado pode ter danos na saúde, como a síndrome do intestino irritável ou desenvolver distúrbios gastrointestinais", preocupa-se, dizendo ainda se tratar de uma enganação moral ao cliente.
O nutrólogo Enio Cardillo Vieira lembra que o peixe marinho contém um componente importante para a saúde, o Ômega 3, que protege de muitas doenças"A substituição de uma espécie dessa por um pescado de água doce é uma enganação ao consumidor, que não terá o benefício na alimentação que espera", observa.
FITOTERÁPICOS
Outro produto alvo de fraude sãos os fitoterápicos, como aponta a tese de doutorado em genética de Rafael Melo PalharesForam 147 amostras coletadas em farmácias, drogarias e mercados de Belo Horizonte e também do Sul do BrasilQuando se trabalha com medicamentos com base em plantas, existe uma lista do Ministério da Saúde que aponta quais espécies podem ser elaboradas para a produção da medicação no paísCada tipo é recomendado para um mal, que pode ser estomacal, nervosismo, ansiedade, entre outros"Verificamos que 70% dos fitoterápicos comercializados são de outras espécies da declarada no rótulo, muitas nem aprovadas pelo ministérioÉ o caso, por exemplo, do Passiflora incarnata, indicado como calmanteHavia nas amostras o gênero Passiflora, mas não era da espécie incarnataEm outros casos, o princípio ativo que interessa no fitoterápico não existiaE tem sido utilizado espécies que não têm comprovação científica para o uso."
Rafael acredita que isso pode ser resultado da incapacidade de identificar as espéciesMas para o diretor do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais e vice-presidente da Federação Nacional de Farmacêuticos, Rilke Novato, a informação é preocupante"Dependendo do componente de um fitoterápico há reações adversasUma fraude pode trazer alguns comprometimentos e efeitos colaterais graves para um pacienteDependendo da variação da espécie, há uma ação diferente, como, por exemplo, uma liberação ou absolvição mais rápida pelo fígado", dizDiante do estudo, ele diz que a terapia pode ser prejudicada"Traz um prejuízo imenso para a saúde da pessoa, uma vez que uma ação do medicamento pode se tornar menos eficaz", reclama.
TÉCNICA
As pesquisas só puderam ser feitas, de acordo com os pesquisadores, graças à uma nova metodologia de análise que vem sendo usada no laboratório de genética animal da Escola de Veterinária da UFMGTrata-se da técnica de DNA Barcode, uma espécie de método que funciona como um código de barras molecular para identificar espécies"Nos Estados Unidos essa técnica já é exigida para ser aplicada no comércio de pescadosNa Europa, depois do escândalo da carne de cavalo, a comunidade europeia lançou nota apontando interesse em se tornar obrigatório o métodoNo Brasil, ele ainda está limitado na área acadêmicaÉ uma metodologia eficaz, que poderia ser aplicada em larga escala para melhorar a autenticidade desses produtos", defende Rafael PalharesEle diz que o método é qualitativo, "detecta a presença ou não da espécie em análise"Os estudos feitos são parte de uma cooperação entre diversas instituições: a empresa Myleus, o Laboratório de Genética da Escola de Veterinária da UFMG, o INCT-IGSPB (instituto financiado pela Fapemig e CNPq), a Faculdade de Farmácia da UFMG e o Instituto René Rachou (Fiocruz)