Jornal Estado de Minas

Peças sacras deixadas em rodovia de Itaúna são cercadas de mistério



Itaúna –
Há duas décadas, um mistério intriga os moradores de Itaúna, na Região Centro-Oeste de Minas, a 82 quilômetros de Belo Horizonte. De onde são, a quem pertencem e por que seis peças sacras – cinco de bronze e uma de ferro fundido dourada – foram abandonadas às margens da Rodovia MG-050, na saída para Divinópolis, sem o menor sinal de identificação? O caso está sob investigação do Ministério Público (MP) do estado, desde que foram localizadas num galpão da prefeitura na rodoviária da cidade. O promotor de Justiça da comarca, Daniel Batista Mendes, abriu inquérito para apurar a origem das imagens, que já contam com pesquisa feita pela historiadora Paula Carolina Miranda Novais, da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Artístico (CPPC/MP).



As esculturas foram retiradas do depósito e depois de lavadas – “pois estavam muito sujas”, segundo funcionários – colocadas no saguão do Espaço Cultural Adelino Pereira Quadros, no Centro, devendo permanecer lá até que as autoridades tracem o seu destino. A oficial administrativa Janete Rodrigues conta que as peças ficaram no Museu Municipal Francisco Manoel Franco, no período em que ela dirigiu a instituição (de 2005 a 2009). “Chegaram em 1996 e depois foram conduzidas ao depósito do setor de patrimônio público. O ideal é que voltem para o museu”, afirma Janete, lembrando que ninguém nunca reclamou a propriedade das peças. Da mesma forma, não há nome da empresa de fundição ou data do serviço gravados no bronze. “É um mistério!”

Uma das hipóteses é que as imagens pertenceriam a túmulos, mas, ao longo das investigações, verificou-se que não são de nenhum cemitério de Itaúna. Os seis objetos, variando de 70 centímetros a 1,20 metro de altura, poderiam ter sido roubados e, para fugir da fiscalização e flagrante, já que há uma barreira policial nas imediações, os ladrões teriam descartado o material na rodovia. Com rico patrimônio cultural, o Centro-Oeste, conforme investigação do MP, é uma das rotas do comércio ilegal de peças sacras e obras de arte, numa alternativa às cidades coloniais da Região Central e Grande BH, como Ouro Preto, Mariana, Sabará, Santa Luzia, São João del-Rei etc., donas de mais vigilância – equipamentos em monumentos e pessoal especializado para protegê-los.

No início do mês, restauradores do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) estiveram no local e constataram que as peças são do Centro-Oeste. Eles sugeriram que as autoridades policiais da região verificassem se há registro de desaparecimento de bens com tais características, divulgação nos meios de comunicação para reconhecimento e acondicionamento em lugar seguro.

A convite do Estado de Minas, o padre Adriano Bolognani, vigário da Paróquia de Sant’Ana de Itaúna, esteve no Espaço Cultural Adelino Pereira Quadros e se impressionou com o bom estado de conservação e a beleza das peças, que são ocas, têm suportes para serem afixadas e, em alguns casos, estão com massa de cimento no interior. “Como é que podem ter deixado essas imagens à beira da estrada!”, comentou o vigário paroquial, para, em seguida, fazer uma brincadeira com os funcionários da prefeitura: “Não querem doar, não?” Padre Adriano conferiu uma por uma e, sobre a de São Vicente, disse que foi feita com o santo “um pouco mais gordinho”. Ele acredita que as duas imagens da Virgem sejam de Nossa Senhora do Carmo, embora as peças estejam sem coroa e sem escapulário, o que é típico da mãe de Jesus. Nas mãos, um dos meninos carrega o que parece ser uma fita ou escapulário.



TESTEMUNHOS A atual administração municipal busca reunir informações, documentos e testemunhos sobre o caso, de forma a desvendar o mistério e entregar o material a quem de direito. Os técnicos já encontraram um documento datado de 21 de novembro de 2009, no qual o responsável pela Divisão de Conservação e Patrimônio, Sebastião Ferreira de Oliveira, comunica ao então secretário municipal de Administração, Adriano Machado Diniz, que, segundo informações do servidor Israel Martins Drumond, coordenador dos cemitérios, “as peças teriam sido abandonadas nas proximidades da empresa Intercast, durante a gestão municipal 1993-1996”.

O funcionário explica ainda que por se tratar de objetos de origem incerta não foi registrado boletim de ocorrência à época. E mais: “Por serem consideradas peças de valor supostamente significativo, solicitamos ao senhor secretário a fineza de encaminhar à Procuradoria Administrativa e do Patrimônio uma consulta sobre qual destino deverá ser dado aos objetos”. Em 9 de abril de 2010, a representante da Procuradoria Administrativa e do Patrimônio de Itaúna, Paula Vasconcelos, encaminhou um relatório ao MP informando que não há registro da data em que as peças foram encontradas, só se sabendo que ocorreu entre 1993 e 1996.

OS SANTOS

Peças encontradas na Rodovia MG-050, na saída para Divinópolis

» Nossa Senhora Auxiliadora, de 80cmde altura, 10cm de largura e 20kg

» Duas imagens de Nossa Senhora (sem coroa) com o Menino Jesus, uma de 90cm por 13cm e outra de 70cm por 10cm, ambas de 20kg. Na mão da escultura maior, o menino carrega um escapulário ou fita

» São José, de 1,10m por 20cm e 40kg

» São Vicente, de 1,20m por 20cm e 30kg

» Sagrado Coração de Jesus, de 70cm por 10cm e 20kg (a única de ferro fundido, pintado de dourado)



audima