Seis meses se passaram desde a cerimônia formal e as lésbicas Ie Lainda não conseguiram retirar a certidão de casamento“Os cartórios ainda não têm um procedimento único para acatar as decisões judiciaisIsso acarreta demora e por vezes inviabiliza a obtenção”, afirma a defensora pública Flávia Marcelle Torres Ferreira de Morais, especializada em direitos humanos coletivos e socioambientais de Minas GeraisEla prefere não revelar o nome do estabelecimento, com receio de prejudicar o processo
Em outros estados a tendência tem sido diferente, como em São Paulo, cujo governo há duas semanas dispensou a ordem judicial como pré-requisito para efetivar o casamento civil de homossexuaisNa direção oposta, a Corregedoria-Geral de Justiça de Minas exige a permissão judicialO parecer da corregedoria foi publicado em 24 de maio de 2012, em resposta a uma consulta feita pela Defensoria Pública
A Defensoria Pública então passou a atender casais homossexuais que precisam ajuizar ação judicial para se casar e não têm como pagar os honorários de um advogadoO núcleo de Direitos Humanos Coletivos da Defensoria Pública está à frente de oito processosDestes, dois já tiveram a sentença favorável publicada, e dois foram julgados de forma favorável em janeiro e em fevereiroNa prática, porém, apenas um casal homossexual tem em mãos a certidão de casamento com a ajuda da defensoria
Em 22 de janeiro, o técnico em informática Sérgio Rodrigues Lages dos Reis, de 21 anos, casou-se oficialmente com Gregory Rodrigues Lages dos Reis, de 21, que se proclama pastor da Igreja Inclusiva Manancial Missionária, culto evangélico voltado para a realização de casamentos gays no religiosoOs dois se casaram primeiro na igreja e posteriormente no cartório, em regime de comunhão parcial de bensAdotaram o mesmo sobrenome“Ficamos parecendo dois irmãosEstou feliz porque agora posso dizer que sou parte da família do meu marido”, afirma Gregory, que teve a opção sexual rejeitada pelo pai
“Gregory se casou rápido no cartório porque ele é persuasivoAmeaçou chamar a polícia e só faltou rodar a baiana lá dentro”, diz uma fonte da áreaEssa suposta resistência causa estranheza ao advogado Nilo Nogueira, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg-MG)“Se há autorização da Justiça, não há por que criar embaraçosO cartório não pode se recusar a cumprir ordem judicial e sequer a se negar a receber o pedidoO máximo que ele pode fazer é submeter o pedido ao juiz de Registro Público”, afirma
EQUÍVOCO Dono de cartório no Bairro Eldorado, em Contagem, Nogueira admite ter recebido três pedidos no último semestre e submetido o primeiro deles à Justiça, que o indeferiuSem entrar no mérito do conservadorismo da decisão, o diretor da Anoreg considera “equivocado” o parecer da corregedoria“É uma tendência da Justiça brasileiraO próprio Supremo já considerou válida a união estável entre pessoas de mesmo sexo e a união estável se assemelha muito ao casamentoÉ natural que a gente venha a ter autorização para casamentos homossexuais, inclusive o STJ já autorizou a conversão da união estável homoafetiva em casamento na mesma linha do entendimento do STF”, compara.
MEMÓRIA
O primeiro casamento homossexual com registro civil em Minas Gerais foi realizado em março do ano passado em Manhuaçu, na Zona da Mata Wanderson Carlos de Moura, de 34 anos, e Rodrigo Diniz Rebonato, de 18, foram autorizados pela Justiça local a oficializar a uniãoO ato abriu caminho para que outros relacionamentos fossem formalizados no estadoWanderson e Rodrigo entraram com ação judicial invocando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexoO juiz da comarca, Walteir José da Silva, acompanhou o posicionamento do STF, que considerou a união estável de pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiarEm 22 de fevereiro, o consultor de negócios Carlos Eduardo Chediack de Oliveira, 31 anos, e o analista de TI Jorge Chediack de Oliveira Miguel, 30, conseguiram autorização judicial para se unir no civil em Belo Horizonte, depois de sete anos de convivência, na primeira ação individual deste tipo movida por advogados na capital mineira.