Jornal Estado de Minas

Dengue superlota hospitais em Minas Gerais

Médicos indicam relaxamento no controle da doença, que voltou mais forte com novo tipo de vírus, e denunciam que número de casos é bem maior que o total notificado. No estado, registro de mortes subiu 50% em uma semana

Junia Oliveira Clarisse Souza

A estudante Danna é amparada pelo pai, Clóvis da Silva, enquanto aguarda atendimento diante de hospital lotado: explosão de contágios - Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press



Falta de planejamento das autoridades de saúde e a circulação de um novo tipo de vírus se uniram para alimentar o pior quadro dos últimos anos da dengue em Belo Horizonte e no estadoEssas são as principais causas apontadas por médicos para a explosão da doençaE eles alertam: os registros, apesar de altos, estão bem abaixo da real dimensão do problema, pois nem todos os casos suspeitos estão sendo registrados pela Vigilância Sanitária, pelo menos na capitalEm BH, a Secretaria Municipal de Saúde já confirmou 2.457 casos da doença, em um universo de 10.079 notificaçõesEm Minas, foram quase 15 mil novas suspeitas – média de 1.860 por dia – desde a divulgação do último boletim, há uma semana, além de oito mortes a mais, com o total de óbitos passando de 15 para 23, um salto de 50%Os infectologistas acreditam que os números tendem a aumentar, por causa das condições climáticas

Desde 2010, BH e o estado não acendiam o alerta vermelho para a dengueNaquele ano, considerado o mais crítico dos últimos tempos, a Secretaria de Estado da Saúde apelou até para o Exército para reforçar a força-tarefa criada para combater o Aedes aegyptiA quantidade total de casos em 2013 ainda está bem abaixo do que foi detectado três anos atrás, quando Minas ultrapassou 158 mil notificaçõesMas a situação já é preocupante se comparada à de março de 2010Até a primeira semana daquele mês, Belo Horizonte tinha 5.011 notificações de dengue, das quais 1.582 confirmadas – praticamente a metade dos casos atuais na cidade.

O infectologista Unaí Tupinambás defende uma reflexão sobre a conduta dos órgãos públicos
“Faltou planejamento de limpeza de lotes e mobilização da população, que deve ser capitaneada pelas autoridades sanitárias municipais, estaduais e federaisPor que conseguimos controlar a epidemia antes, e agora não? Por que antes houve ação conjunta?”, questiona o médico

O vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, atribui ao vírus tipo 4 grande parte do problemaE diz que os casos estão subnotificados pela Vigilância Sanitária, às voltas com hospitais a cada dia mais cheiosUma realidade fácil de observar inclusive em instituições particulares, como no Hospital Belo Horizonte, na Região Nordeste, onde ontem pacientes como a estudante Danna Darlyng, de 16 anos, tinham que esperar atendimento do lado de fora do pronto-socorro.

Hospitais lotados


Diante do aumento do número de casos de dengue anunciados no estado desde o início do ano, moradores têm procurado as unidades de saúde logo que surgem sintomas associados à doençaO resultado são salas de atendimento lotadas nas unidades de saúde da capital, principalmente em horários de picoNo Hospital Belo Horizonte, no Bairro Cachoeirinha, Região Nordeste, visitado ontem pelo Estado de Minas, as filas de espera ultrapassavam a portaria e pacientes aguardavam sentados do lado de fora do pronto-socorroSegundo a coordenação da instituição, cerca de 90% dos acolhidos nos últimos dias apresentam os sintomas de contágio pelo vírusNos postos de saúde a procura também se intensifica e novas suspeitas são registradas o dia inteiro.

Na tarde de ontem, a estudante Danna Darlyng, de 16 anos, teve de ser amparada enquanto aguardava atendimento no Hospital Belo HorizonteDesde a quinta-feira a jovem – moradora do Bairro Tupi, Norte da capital, região com maior número de casos confirmados, com 463 doentes – reclamava de dores de cabeça, atrás dos olhos, febre, vômito e diarreia

Segundo o pai dela, Clóvis da Silva, mesmo com todos os cuidados em casa para evitar a proliferação do Aedes aegypti, outras duas pessoas da família já contraíram o vírus nos últimos dois anosDeitada no colo do pai do lado de fora do hospital, Danna reclamava da demora no atendimento: “Estou aqui há quatro horas e ainda nem passei pela triagem”.

Segundo o coordenador de pronto-atendimento do Hospital Belo Horizonte, Rodrigo Paiva, a procura aumentou significativamente nos últimos dois mesesO grande volume de pacientes está diretamente ligado ao crescimento do número de casos de dengue na cidade, afirma“Somos o hospital de grande porte mais próximo da Região Norte, a mais atingida pela dengueIsso faz com que as pessoas nos procurem quando os sintomas aparecem, e a consequência é a lotação e a demora no atendimento.”

O coordenador afirma que a equipe médica foi reforçada e o hospital conta com cinco profissionais, além de enfermeiros, durante os horários de picoAinda assim, ele explica que o atendimento tem sido lento, já que o espaço físico da instituição não é suficiente para comportar tantos pacientes“O que estamos fazendo é priorizar os casos mais urgentes no processo de triagem”, diz.

A saturação nos serviços de saúde foi um dos fatores que levaram Deidiane Oliveira dos Santos, de 22, a dispensar o atendimento médicoEla começou a sentir os sintomas há uma semana, e os associou à dengueMas, ciente da situação das nidades de saúde do Bairro Ouro Minas, na Região Noroeste de BH, desistiu de procurar ajuda médicaAtitude que não deve servir de exemplo, segundo o clínico geral do Hospital João XXIII Gilberto Nable“Alguns casos podem evoluir para um quadro mais gravePor isso é importante fazer acompanhamento médico desde o início dos sintomas”, adverte.

Subnotificação

A superlotação das unidades, porém, tem comprometido até o trabalho das autoridades sanitáriasÉ o que afirma o vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos StarlingEle conta que no pronto-atendimento de um hospital particular de BH houve 400 notificações nos últimos 15 dias, mas apenas quatro delas foram informadas pela Vigilância Sanitária na ficha oficial da Secretaria Municipal de SaúdeEm outro, foram 700 no último mês e somente cinco registros oficiais“É impraticável registrar em uma ficha imensa, não dá tempo de atender todo mundoPor isso, as informações acabam ficando só no hospitalA Vigilância deu uma relaxada na forma de notificar”, alerta


BH nega epidemia

Os números da dengue explodiram em Belo Horizonte este ano, chegando, até agora, a 2.457 casos confirmadosDe acordo com o último boletim divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde, a região com o maior número de casos é a Norte, com 463 contaminados pela dengue clássica e um pela forma hemorrágicaO vilão responsável por uma transmissão que já é mais grave que as ocorridas em 2011 e 2012 é oficialmente o DEN-4 – vírus predominante nos casosEle foi detectado em BH pela primeira vez em maio do ano passado, no fim do período climático mais favorável à reprodução do mosquito, quando há calor e umidadeE pegou a população sem imunidade.

Apesar dos últimos resultados, a secretaria garante que a capital está longe de uma epidemia, ao contabilizar 103,4 registros a cada 100 mil habitantesDe acordo com o Ministério da Saúde, o alerta máximo é lançado quando a proporção é de 300 por cada grupo de 100 mil moradoresO secretário municipal adjunto de Saúde, Fabiano Pimenta, nega que tenha havido falhas no combate ao Aedes aegypti.

 “O trabalho do município é cotidiano e, em momento algum, a prefeitura deixou de cumprir o protocolo no sentido de controlar o mosquito ou assistir pacientes com dengue”, dizEle destaca que evitar a entrada de um novo sorotipo é impossível“O ir e vir da população é ágil e fácilo DEN-4 estava em vários países do Caribe, na Venezuela e na Região Norte do Brasil”, acrescenta.

Pimenta ressalta que, se o índice de infestação não estiver abaixo de 1% (detecção de foco do mosquito em uma casa a cada grupo de 100), estão dadas as condições para a proliferação, principalmente quando a população é suscetível ao sorotipo circulanteEm janeiro, o índice de infestação geral em BH era de 1,9%O mais alto deles nos últimos anos foi registrado em 2010, quando ficou em 4,2%.

No total, 1,4 mil agentes de saúde trabalham exclusivamente com a dengueOs mutirões de limpeza, ações educativas e mobilização social são alguns dos instrumentos do combate à doençaCentros de saúde também estão funcionando nos fins de semana para atender, exclusivamente, pacientes com suspeita de contaminaçãoOs postos Providência (Região Norte), Santa Terezinha (Pampulha) e Olavo Albino (Região Nordeste) funcionam sábado e domingoOs centros Alcides Lins e São Paulo (Região Nordeste) e Pompeia (Região Leste) vão funcionar somente no sábadoNos outros locais, o atendimento será feito pelas unidades de pronto-atendimento (UPAs).

O secretário afirma que desde 2010 não há óbitos de pacientes moradores de BH e, para manter esses indicadores, é importante não banalizar a doença“É uma enfermidade potencialmente grave, mas a maioria pode ser resolvida na atenção primáriaSe a pessoa tiver febre, deve procurar uma unidade de saúde no mesmo dia, se possívelOs exames de sangue ficam prontos em duas horas e indicam qual tratamento será adotado”, diz“É importante que cada um na sua casa some esforços com o poder público e cheque se há algo acumulando água”, acrescenta.

O vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, também chama a atenção para o papel da população: “As pessoas devem ficar atentas e tomar conta do seu espaçoA dengue reflete o grau de consciência coletiva das pessoasSe elas não tomam conta de seu local, onde estão os filhos que podem ser infectados, não vão se preocupar com o restante”.