Falta de planejamento das autoridades de saúde e a circulação de um novo tipo de vírus se uniram para alimentar o pior quadro dos últimos anos da dengue em Belo Horizonte e no estado. Essas são as principais causas apontadas por médicos para a explosão da doença. E eles alertam: os registros, apesar de altos, estão bem abaixo da real dimensão do problema, pois nem todos os casos suspeitos estão sendo registrados pela Vigilância Sanitária, pelo menos na capital. Em BH, a Secretaria Municipal de Saúde já confirmou 2.457 casos da doença, em um universo de 10.079 notificações. Em Minas, foram quase 15 mil novas suspeitas – média de 1.860 por dia – desde a divulgação do último boletim, há uma semana, além de oito mortes a mais, com o total de óbitos passando de 15 para 23, um salto de 50%. Os infectologistas acreditam que os números tendem a aumentar, por causa das condições climáticas.
Desde 2010, BH e o estado não acendiam o alerta vermelho para a dengue. Naquele ano, considerado o mais crítico dos últimos tempos, a Secretaria de Estado da Saúde apelou até para o Exército para reforçar a força-tarefa criada para combater o Aedes aegypti. A quantidade total de casos em 2013 ainda está bem abaixo do que foi detectado três anos atrás, quando Minas ultrapassou 158 mil notificações. Mas a situação já é preocupante se comparada à de março de 2010. Até a primeira semana daquele mês, Belo Horizonte tinha 5.011 notificações de dengue, das quais 1.582 confirmadas – praticamente a metade dos casos atuais na cidade.
O infectologista Unaí Tupinambás defende uma reflexão sobre a conduta dos órgãos públicos. “Faltou planejamento de limpeza de lotes e mobilização da população, que deve ser capitaneada pelas autoridades sanitárias municipais, estaduais e federais. Por que conseguimos controlar a epidemia antes, e agora não? Por que antes houve ação conjunta?”, questiona o médico.
O vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, atribui ao vírus tipo 4 grande parte do problema. E diz que os casos estão subnotificados pela Vigilância Sanitária, às voltas com hospitais a cada dia mais cheios. Uma realidade fácil de observar inclusive em instituições particulares, como no Hospital Belo Horizonte, na Região Nordeste, onde ontem pacientes como a estudante Danna Darlyng, de 16 anos, tinham que esperar atendimento do lado de fora do pronto-socorro.
Hospitais lotados
Diante do aumento do número de casos de dengue anunciados no estado desde o início do ano, moradores têm procurado as unidades de saúde logo que surgem sintomas associados à doença. O resultado são salas de atendimento lotadas nas unidades de saúde da capital, principalmente em horários de pico. No Hospital Belo Horizonte, no Bairro Cachoeirinha, Região Nordeste, visitado ontem pelo Estado de Minas, as filas de espera ultrapassavam a portaria e pacientes aguardavam sentados do lado de fora do pronto-socorro. Segundo a coordenação da instituição, cerca de 90% dos acolhidos nos últimos dias apresentam os sintomas de contágio pelo vírus. Nos postos de saúde a procura também se intensifica e novas suspeitas são registradas o dia inteiro.
Na tarde de ontem, a estudante Danna Darlyng, de 16 anos, teve de ser amparada enquanto aguardava atendimento no Hospital Belo Horizonte. Desde a quinta-feira a jovem – moradora do Bairro Tupi, Norte da capital, região com maior número de casos confirmados, com 463 doentes – reclamava de dores de cabeça, atrás dos olhos, febre, vômito e diarreia. Segundo o pai dela, Clóvis da Silva, mesmo com todos os cuidados em casa para evitar a proliferação do Aedes aegypti, outras duas pessoas da família já contraíram o vírus nos últimos dois anos. Deitada no colo do pai do lado de fora do hospital, Danna reclamava da demora no atendimento: “Estou aqui há quatro horas e ainda nem passei pela triagem”.
Segundo o coordenador de pronto-atendimento do Hospital Belo Horizonte, Rodrigo Paiva, a procura aumentou significativamente nos últimos dois meses. O grande volume de pacientes está diretamente ligado ao crescimento do número de casos de dengue na cidade, afirma. “Somos o hospital de grande porte mais próximo da Região Norte, a mais atingida pela dengue. Isso faz com que as pessoas nos procurem quando os sintomas aparecem, e a consequência é a lotação e a demora no atendimento.”
O coordenador afirma que a equipe médica foi reforçada e o hospital conta com cinco profissionais, além de enfermeiros, durante os horários de pico. Ainda assim, ele explica que o atendimento tem sido lento, já que o espaço físico da instituição não é suficiente para comportar tantos pacientes. “O que estamos fazendo é priorizar os casos mais urgentes no processo de triagem”, diz.
A saturação nos serviços de saúde foi um dos fatores que levaram Deidiane Oliveira dos Santos, de 22, a dispensar o atendimento médico. Ela começou a sentir os sintomas há uma semana, e os associou à dengue. Mas, ciente da situação das nidades de saúde do Bairro Ouro Minas, na Região Noroeste de BH, desistiu de procurar ajuda médica. Atitude que não deve servir de exemplo, segundo o clínico geral do Hospital João XXIII Gilberto Nable. “Alguns casos podem evoluir para um quadro mais grave. Por isso é importante fazer acompanhamento médico desde o início dos sintomas”, adverte.
Subnotificação
A superlotação das unidades, porém, tem comprometido até o trabalho das autoridades sanitárias. É o que afirma o vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling. Ele conta que no pronto-atendimento de um hospital particular de BH houve 400 notificações nos últimos 15 dias, mas apenas quatro delas foram informadas pela Vigilância Sanitária na ficha oficial da Secretaria Municipal de Saúde. Em outro, foram 700 no último mês e somente cinco registros oficiais. “É impraticável registrar em uma ficha imensa, não dá tempo de atender todo mundo. Por isso, as informações acabam ficando só no hospital. A Vigilância deu uma relaxada na forma de notificar”, alerta.
BH nega epidemia
Os números da dengue explodiram em Belo Horizonte este ano, chegando, até agora, a 2.457 casos confirmados. De acordo com o último boletim divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde, a região com o maior número de casos é a Norte, com 463 contaminados pela dengue clássica e um pela forma hemorrágica. O vilão responsável por uma transmissão que já é mais grave que as ocorridas em 2011 e 2012 é oficialmente o DEN-4 – vírus predominante nos casos. Ele foi detectado em BH pela primeira vez em maio do ano passado, no fim do período climático mais favorável à reprodução do mosquito, quando há calor e umidade. E pegou a população sem imunidade.
Apesar dos últimos resultados, a secretaria garante que a capital está longe de uma epidemia, ao contabilizar 103,4 registros a cada 100 mil habitantes. De acordo com o Ministério da Saúde, o alerta máximo é lançado quando a proporção é de 300 por cada grupo de 100 mil moradores. O secretário municipal adjunto de Saúde, Fabiano Pimenta, nega que tenha havido falhas no combate ao Aedes aegypti.
“O trabalho do município é cotidiano e, em momento algum, a prefeitura deixou de cumprir o protocolo no sentido de controlar o mosquito ou assistir pacientes com dengue”, diz. Ele destaca que evitar a entrada de um novo sorotipo é impossível. “O ir e vir da população é ágil e fácil. o DEN-4 estava em vários países do Caribe, na Venezuela e na Região Norte do Brasil”, acrescenta.
Pimenta ressalta que, se o índice de infestação não estiver abaixo de 1% (detecção de foco do mosquito em uma casa a cada grupo de 100), estão dadas as condições para a proliferação, principalmente quando a população é suscetível ao sorotipo circulante. Em janeiro, o índice de infestação geral em BH era de 1,9%. O mais alto deles nos últimos anos foi registrado em 2010, quando ficou em 4,2%.
No total, 1,4 mil agentes de saúde trabalham exclusivamente com a dengue. Os mutirões de limpeza, ações educativas e mobilização social são alguns dos instrumentos do combate à doença. Centros de saúde também estão funcionando nos fins de semana para atender, exclusivamente, pacientes com suspeita de contaminação. Os postos Providência (Região Norte), Santa Terezinha (Pampulha) e Olavo Albino (Região Nordeste) funcionam sábado e domingo. Os centros Alcides Lins e São Paulo (Região Nordeste) e Pompeia (Região Leste) vão funcionar somente no sábado. Nos outros locais, o atendimento será feito pelas unidades de pronto-atendimento (UPAs).
O secretário afirma que desde 2010 não há óbitos de pacientes moradores de BH e, para manter esses indicadores, é importante não banalizar a doença. “É uma enfermidade potencialmente grave, mas a maioria pode ser resolvida na atenção primária. Se a pessoa tiver febre, deve procurar uma unidade de saúde no mesmo dia, se possível. Os exames de sangue ficam prontos em duas horas e indicam qual tratamento será adotado”, diz. “É importante que cada um na sua casa some esforços com o poder público e cheque se há algo acumulando água”, acrescenta.
O vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, também chama a atenção para o papel da população: “As pessoas devem ficar atentas e tomar conta do seu espaço. A dengue reflete o grau de consciência coletiva das pessoas. Se elas não tomam conta de seu local, onde estão os filhos que podem ser infectados, não vão se preocupar com o restante”.