Se aceito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) que considera inconstitucional a punição ao motorista que se recusa a fazer o teste do bafômetro pode enfraquecer a Lei Seca, na opinião de alguns especialistas, apesar das tentativas do governo federal e do Congresso de torná-la mais rigorosa. Sancionado em dezembro pela presidente Dilma Rousseff, o novo texto institui a tolerância zero e a sanção administrativa mesmo àqueles que recusarem o teste, mas, para a subprocuradora-geral Deborah Duprat, não compete ao Estado incitar os cidadãos a produzir provas que os prejudiquem.
Você acha que o teste bafômetro deve ser obrigatório?
O parecer foi encaminhado ao STF, que julga um questionamento feito pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel). Caso o Supremo acate a opinião da procuradoria, o motorista que não quiser soprar o bafômetro não poderá mais ser punido. Quem já foi multado nessas condições também poderá recorrer.
Na primeira fase, a média de condutores que se negava a fazer o exame era três vezes maior. Em Belo Horizonte, 48.694 motoristas foram abordados desde que as blitzes passaram a ser mais frequentes, em agosto de 2011, mas somente 937 condutores se recusaram a fazer o teste. Neste universo, a partir de 21 de dezembro, quando a nova lei foi publicada, 13.321 motoristas foram abordados e apenas 56 se recusaram a fazer o teste. Se todos recorressem, a dívida do Estado com esses condutores chegaria a quase R$ 950 mil, sem a correção dos valores.
“Até o momento é só um parecer e não acredito que o STF vá acatar essa opinião porque joga todo um esforço por terra. Custamos a chegar a esse ponto e agora a situação está mais controlada, muito pelo endurecimento da lei. A Lei Seca está preocupada com a preservação da vida e este também é o entendimento da população. Seria um prejuízo muito grande voltar atrás”, afirma o comandante.
Retrocesso
Apesar de representar o Ministério Público, a opinião da subprocuradora não é uma unanimidade nem mesmo na Procuradoria Geral da República. O subprocurador Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos concorda com o argumento jurídico da colega, mas diverge no que tange especificamente à punição ao motorista que não sopra o bafômetro e considera um retrocesso, caso o parecer seja acolhido, porque vai fragilizar a lei. Para ele, quem quer dirigir tem de se submeter às regras de trânsito.
“Não se pode obrigar ninguém a fazer o teste, mas o Estado também não pode ser impedido de cumprir suas funções. Criou-se a obrigação de o Estado punir quem consome bebida alcoólica e dirige, o que é extremamente perigoso, mas negam-se as condições para exercer essa função”, considera o subprocurador. “Essa é uma garantia penal tradicional nos regimes democráticos, mas o Brasil atravessa uma certa exacerbação das garantias de defesa, elevando-as a limites extremos, a um pedestal que impede as ações do Estado. Todos nós somos clientela desse sistema e, nesse ponto, os direitos coletivos acabam subordinados aos caprichos do direito individual. Sou contrário justamente a esse alcance”, explica.
NÚMEROS
– 48.694 motoristas foram abordados em blitzes de agosto de 2011 a dezembro de 2012
– 937 recusaram o teste do bafômetro neste período
– 13.321 condutores passaram por blitzes de dezembro de 2012 a março
– 56 se negaram a soprar o bafômetro de dezembro a março
– R$ 950 mil é o total arrecadado em Minas com multas da Lei Seca
Para advogados, recusa é um direito
Para o juiz aposentado Livingsthon Machado, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), a lei precisa ser aplicada sem ferir a Constituição. Ele concorda com os fundamentos do parecer e não acredita que a lei possa ser enfraquecida, se não houver punição aos motoristas que rejeitam o teste do bafômetro. Para ele, há outros recursos também previstos na lei para apuração.
“Não acho que é o medo da punição que faz o motorista evitar o risco. Precisamos, sim, manter as campanhas e as políticas públicas de comportamento e, mesmo que haja algum ajuste, não acho que vai diminuir a vontade do governo e da sociedade de combater a embriaguez no trânsito. Agora, se não respeitarmos a Constituição, como vamos cumprir as leis que estão abaixo dela?”, questiona, sugerindo uma alteração no texto para fugir da inconstitucionalidade.
“Isso se resolve facilmente. Basta ser uma norma geral imposta a todo condutor que for parado numa blitz e não pela suspeita de embriaguez. Se for uma obrigação legal como usar cinto de segurança ou apresentar a habilitação, sem a possibilidade de servir como prova, deixa de ser inconstitucional”, explica.
O criminalista Leonardo Bandeira considera que isso é fundamental no direito, pois ninguém é obrigado a produzir provas contra si, o que torna claramente a Lei Seca inconstitucional. “Eventualmente, até pode gerar no imaginário da população a sensação de enfraquecimento da lei, mas excluir o bafômetro não impede de provar que o motorista está embriagado, já que estão previstos outros meios para isso. Se são ideais, é uma outra questão”, salienta. Para ele, nem precisa do entendimento do Supremo porque os próprios juízes já podem aplicar a lei com base na Constituição. “Neste caso, quem foi multado nessas condições pode recorrer porque a prova é considerada ilegal, feita sob coação.”
Plebiscito
Preocupado com a situação, o Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS) sugeriu a realização de um plebiscito para que a população possa se manifestar sobre o uso do bafômetro. O órgão quer mobilizar os demais Detrans do país, levando a discussão de volta ao Congresso. Na terça-feira, representantes de Detrans se reuniram em Brasília para debater o assunto, mas dirigentes do Detran-MG não participaram do encontro. Por meio da assessoria de imprensa, o departamento jurídico informou que só vai se pronunciar depois da decisão judicial.