A ocorrência dessa segunda-feira reacendeu o clima de enfrentamento deflagrado depois do assassinato de dois inocentes em 2011 por militares do Batalhão Rotam, e da morte de um suspeito de envolvimento com tráfico em novembro do ano passado por um sargento do 22º BPMAmbos os episódios culminaram em protestos e queimas de ônibusA Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) reagiu prometendo a instalação de uma unidade especial de policiamento no aglomerado, mas apenas em 2014Mesmo diante dos últimos acontecimentos, o cronograma não foi revisto.
O som do tiro que feriu o adolescente na manhã de ontem foi ouvido por volta das 9hMoradores da Vila Marçola começaram a gritar desesperados e alguns carregaram o adolescente, indignados com a ação, que eles classificaram de “covarde”
A equipe do EM avistou um dos militares denunciados pela população, identificado na farda como cabo AlvesJunto com o soldado, ele deixou o local apreensivo, sem prestar socorro, mas voltou logo em seguida, tentando remover o ferido para a viatura em que a dupla estava, demonstrando nervosismoA reação dos moradores foi de revolta“Não deixa entrar na viatura de jeito nenhumVocês são covardes”, gritava um homem que carregava o jovem para a rua que dá acesso a becos da Vila Marçola
Já segundo a PM, Steve envolvimento em uma ocorrência de tráfico em 2011O tenente-coronel Alfredo Veloso, comandante do 22º BPM, disse que houve uma apreensão de entorpecentes na região onde ele foi atingido, mas afirmou que ainda não havia detalhes sobre onde a droga foi encontrada ou se tinha ligação com o adolescenteDe acordo com o Hospital João XXIII, o estado de saúde de Sé estável
Corregedoria
A terceira ocorrência de populares baleados por militares no aglomerado em pouco mais de dois anos voltou a levantar a questão da atuação da polícia na regiãoA coronel Cláudia Romualdo, comandante do Policiamento da Capital, afirmou que tudo foi feito no local conforme manda a lei para esclarecer os fatos da maneira mais rápida possível“A perícia fez seu trabalho e uma patrulha da Corregedoria também foi até a vila para levantar informaçõesOs envolvidos foram presos e agora estão à disposição da Justiça”, afirmou.
A responsável pelo policiamento em BH afirmou que está se reunindo semanalmente com o delegado Anderson Alcântara, chefe do 1º Departamento da Polícia Civil e com o secretário de Defesa Social, Rômulo Ferraz, para viabilizar o mais rápido possível a instalação de uma Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) dentro do conjunto de vilas e favelas“Já é uma decisão de governo a criação de uma unidade militar e uma delegacia desde o ano passado, para melhorar a atuação das forças de segurança públicaComo envolve recurso do estado, precisamos cumprir alguns trâmites e ainda não é possível precisar uma data”, diz a coronelA previsão é de que a Aisp seja inaugurada somente no início do ano que vem.
Briga de gangues acendeu estopim
Três suspeitos de participação no tiroteio que matou uma pessoa e feriu 14 na noite de domingo durante um baile funk na Praça do Cardoso já estão identificados, segundo a Polícia MilitarA corporação sustenta que seis homens em quatro motocicletas chegaram ao local atirando no fim do eventoA hipótese mais forte até o momento é que um desentendimento envolvendo mulheres de traficantes rivais tenha motivado o tiroteio que terminou com a morte de Dario Ferreira Leite Neto, de 33, sem passagens pela polícia
Entre os feridos, um deles pisoteado e outro atingido por uma garrafada, a PM informou haver envolvidos com o tráfico, mas sem precisar o númeroA corporação também afirma que só foi avisada do evento no mesmo dia, mas não achou necessário o cancelamento, já que não se tratava de um baile provocativo e a segurança esteve garantida ao longo de todo dia.
O tenente-coronel Aberto Luiz Alves, assessor de comunicação da corporação, afirmou que o alvará da Prefeitura de BH autorizando o evento só chegou às mãos da Polícia Militar (PM) no domingo, dia para o qual estava marcado o evento“Por meio da patrulha rotineira ostensiva no local, a polícia avaliou e considerou viável a reunião com a segurança disponibilizada naquele momentoTudo transcorreu muito bem ao longo de todo o diaA confusão se deu no fim do evento”, afirmou.
Já a Regional Centro-Sul da PBH, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que o alvará liberando um evento só é emitido depois do aval de órgãos como PM e Corpo de BombeirosSegundo as normas municipais, o interessado em licenciar o evento tem até dois dias antes para apresentar a documentação que prova que todas as autoridades foram comunicadasA assessoria de comunicação do Hospital João XXIII informou que seis feridos permanecem internados, dois deles em estado grave
Postura de PMs divide moradores
Depois de mais um episódio de violência envolvendo morador do Aglomerado da Serra e policiais militares, a população que vive no conjunto de vilas e favelas e aqueles que moram no Bairro Serra, Região Centro-Sul da capital, divergem com relação à segurança na regiãoPara alguns a polícia amedronta a população; outros acreditam que ela faz o trabalho correto e que não há sensação de insegurança na região.
Moradora do aglomerado desde criança, Luana Souza Silva, de 27, diz que a ação dos militares é sempre truculenta e os jovens são os que mais sofrem“Não há distinção, eles chegam de forma ríspida com qualquer um, mesmo com aqueles que são trabalhadores, que são a grande maioria”, diz elaA opinião é compartilhada pela amiga Cleidilene Rodrigues, de 40“Eles querem respeito, mas não respeitam ninguémO povo da Serra está cansado”, diz ela.
Fora das vielas e becos, nas ruas largas do Bairro Serra, a população se divide“Esse tipo de acontecimento aumenta a tensão na região e nos deixa com mais medo”, diz a fotógrafa Katia Espírito Santo“O resultado de uma comunidade cada vez mais tensa se reflete diretamente no bairro”, acrescenta elaO comerciante Eduardo Couto Horta, de 47, discorda“O policiamento nos passa segurança, não creio que haja uma sensação ruimPorém, só posso falar do que vejo aqui, não conheço a realidade dentro do aglomerado”, afirma.
Uma mulher que prefere não ser identificada, moradora do bairro, afirma que a população vive com medo“Acho que a polícia chega a ser pior em muitas situaçõesÉ uma forma de abordagem que nos intimida”, diz elaA pedagoga Márcia Sampaio, de 47, disse já ter escutado tiros da janela de casa, na Rua Corinto“É fato que, quando me mudei, há cerca de 10 anos, percebia mais policiamento, mas hoje não me sinto inseguraLevo minha vida normalmente, sem alterações.”
COMO FICOU?
Assassinatos no aglomerado
Dois militares presos à espera de júri
Os dois policiais acusados de assassinar o auxiliar de enfermagem Renilson Veriano da Silva, de 39 anos, e o sobrinho dele, Jeferson Coelho da Silva, de 17, durante operação no Aglomerado da Serra, em 19 de fevereiro de 2011, aguardam presos o julgamento no Tribunal do Júri por homicídio doloso e por posse irregular de dois revólveres com numeração raspada, que teriam plantado na cena do crimeUm terceiro policial, o cabo Fábio Oliveira, foi encontrado morto em 25 de fevereiro do ano passado em uma cela do 1º BatalhãoNove outros policiais que chegaram ao local após o duplo homicídio foram indiciados, por prevaricação, sendo que dois deles responderão também por falsidade ideológica, por terem tentado livrar os colegas, adulterando a cena do crimeLogo depois da execução, manifestantes queimaram dois ônibus, um micro-ônibus e dois carros no aglomeradoJá o sargento Dalson Ferreira Vitor, do 22º Batalhão, preso pelo assassinato do servente de pedreiro Helenílson Eustáquio da Silva Souza, de 24 anos, em 24 de novembro do ano passado, aguarda julgamento em liberdade, mas não foi desligado da PMEle, no entanto, não atua mais no aglomerado.