Um ano depois de a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) prometer tolerância zero à prática do trote, um novo episódio volta a chocar a comunidade estudantil. A “brincadeira” desta vez, feita na sexta-feira à tarde no terceiro andar do prédio da Faculdade de Direito, no Centro de Belo Horizonte, teve conotações racistas e referência ao nazismo. Duas fotos postadas em perfis do Facebook provocaram revolta nas redes sociais e na própria faculdade. Uma das imagens mostra um calouro amarrado com fita numa pilastra e, ao lado dele, três alunos fazendo saudação nazista – um deles pintou um bigode semelhante ao do ditador Adolf Hitler. Na outra, uma estudante com o corpo tingido de preto tem uma corrente amarrada às mãos, puxada por um veterano, e uma placa onde se lê “caloura Chica da Silva”, em referência à escrava mais famosa de Minas.
Pega de surpresa pela divulgação das fotos, a UFMG informou que já abriu investigação sobre o caso. No ano passado, a instituição havia prometido punição severa para quem organizasse trotes. A decisão de aplicar com rigor maior o regimento da universidade ocorreu em março de 2012, depois que alunas do curso de turismo foram submetidas a trote com conotações sexuais. “Estamos surpresos pelo teor preconceituoso desse trote, fato que repudiamos na UFMG”, afirmou a vice-reitora da universidade, Rocksane de Carvalho Norton. O regimento da instituição prevê até expulsão em casos relacionados a trotes, mas a punição mais extrema foi descartada inicialmente pela vice-reitora. Segunda ela, a punição para os envolvidos, dependendo dos rumos da investigação que será feita pela direção da Faculdade de Direito, deve ser, no mínimo, de suspensão por 30 dias.
Embora a UFMG reitere que o trote é proibido, alunos do direito confirmam que, todos os semestres, uma lista é passada para ser assinada tanto por quem vai aplicar o trote, se responsabilizando por qualquer excesso, quanto por quem vai recebê-lo. A vice-reitora da universidade reiterou que todo semestre são feitas campanhas, com o apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e dos centros e diretórios acadêmicos, para relembrar os alunos da proibição dos trotes. A própria instituição organiza recepções aos novatos. Este ano, a mobilização com o tema “Trote não é legal” foi postada nas redes sociais e enviada aos alunos por e-mail.
Comissões
O DCE também repudiou os atos ocorridos na Faculdade de Direito. Coordenadora-geral do diretório central, Nathália Ferreira Guimarães diz que comissões estão sendo criadas em conjunto com a universidade para que as recepções sejam sinônimo de interação e não de violência. “Isso não é brincadeira. Qualquer tipo de opressão deve ser combatida o ano todo nas universidades”, defende. O presidente do Centro Acadêmico Afonso Pena, Felipe Galo, informou que o Caap está ciente dos fatos e que o assunto será tratado com os alunos em reunião hoje, às 11h30, para saber quais medidas serão adotadas. Para uma parte dos estudantes, há exagero na reação ao trote. Uma aluna que estava na faculdade na sexta-feira disse não ter presenciado nada ofensivo. “A parte que vi não é nada que não tenha ocorrido em anos anteriores”, afirma. “Foi uma infelicidade dos meninos. Eu os conheço, sei que não são preconceituosos e que a foto não retrata o que pensam. Eles estão muito abalados”, completa.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), no entanto, a punição pode não se restringir à esfera acadêmica. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, William Santos, considera que todos os participantes podem responder por racismo e apologia ao nazismo, definidos na Lei 7.716/89. “Não é preciso que alguém faça uma representação. A ofendida é toda a sociedade”, avaliou. Santos classificou como “um negócio vergonhoso” as fotos. “Foi um trote absurdo, sobretudo em se tratando de estudantes de direito . Não merecem estar naquela faculdade”, opina. Ele defende que os estudantes sejam rigorosamente punidos. O crime de racismo tem prisão prevista de até 5 anos e multa. A pena para apologia ao nazismo é de 2 a 5 anos de prisão e multa.
Escola tem 120 anos de história
A Faculdade de Direito da UFMG, uma das mais tradicionais e concorridas do estado, completou 120 anos no fim de 2012. Ela abriu as porta na cidade de Ouro Preto, três anos depois da Proclamação da República, com o nome de Escola Livre de Direito. Entre os fundadores, estavam jovens e idealistas advogados, entre eles Afonso Augusto Moreira Pena, primeiro diretor e depois presidente do Brasil, Francisco Luiz da Veiga (vice-diretor), Afonso Arinos de Mello Franco, Antônio Augusto de Lima, Levindo Ferreira Lopes e Francisco Silviano de Almeida Brandão. A faculdade se transferiu para BH no ano seguinte à inauguração da capital e passou por dois endereços, antes de se instalar definitivamente na Praça Afonso Arinos, no Centro. O direito é um dos poucos cursos da UFMG que não funcionam no câmpus Pampulha.
'Brincadeira' com conotação sexual
Em março do ano passado, a UFMG decretou o fim das brincadeiras promovidas por veteranos a calouros na universidade depois de um trote com conotação sexual aplicado a um grupo de 20 alunas do curso de turismo, no prédio do Instituto de Geociências (IGC). Sujas de lama e tinta, elas teriam sido subjugadas por dois rapazes fantasiados de policiais que exibiam um cabo de vassoura com preservativo na ponta. Amarradas com cordas, as estudantes teriam sido obrigadas a introduzir o objeto na boca. Na ocasião, foi anunciado que o aluno que promovesse trotes poderia levar desde advertência, passando por suspensão das aulas, de três dias a seis meses, e chegando até a expulsão da universidade, em casos mais extremos.