Jornal Estado de Minas

Trote polêmico na Faculdade de Direito da UFMG mobiliza instituições em Minas Gerais

ANEL e o Movimento Mulheres em Luta fazem duas reuniões sobre o caso nesta quarta-feira. Federação Israelita de Minas Gerais também acompanha o caso

Cristiane Silva
Estudante foi coberta com tinta preta e acorrentada ostentando um cartaz citando Chica da Silva - Foto: Reprodução/Facebook


O trote com conotações racistas e uma referência ao nazismo ocorrido na semana passada na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) continua gerando repúdio à atitude dos estudantes, mobilizando associações estudantis e outras instituições no estado

Além do encontro que começou no início da tarde na Praça de Serviços do câmpus Pampulha, com representantes do Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP), representante dos alunos de Direito, a Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre (ANEL) e o Movimento Mulheres em Luta (MML) vão participar de duas reuniões sobre o caso nesta terça-feira: ao meio-dia na Faculdade de Direito, também com participação do CAAP e às 17h na arena da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), também na Pampulha

O caso ganhou repercussão nacional na segunda-feira, com duas fotos divulgadas em um perfil no Facebook que mostram uma estudante com o corpo pintado com tinta preta, acorrentada e puxada por um veteranoEla ostenta uma placa com os dizeres “caloura Chica da Silva”, em referência à famosa escrava que viveu em Diamantina no século 18, liberta após se envolver com um contratador de diamantesEm outra foto, um calouro está amarrado a uma pilastra enquanto outros três estudantes fazem uma saudação nazistaUm deles pintou um bigode semelhante ao do ditador alemão Adolf HitlerAlém da situações mostradas nas imagens, a ANEL foi informada de que algumas alunas tiveram que ingerir bebida alcoólica de um funil em formato de pênis

Estudantes fazem saudação nazista enquanto calouro aparece amarrado a uma pilastra - Foto: Reprodução/Facebook

Segundo Juliana Rocha, da executiva nacional da ANEL em Minas Gerais e estudante de Veterinária na UFMG, os trotes agressivos na universidade são comuns“A gente ficou sabendo desse trote pelo Facebook, vimos as fotos e imediatamente decidimos fazer uma reunião a respeitoA gente entende que a questão dos trotes opressores é recorrente na universidadeO caso do Direito é um caso de racismo absurdo, mas é mais um que acontece na nossa universidade hoje”, diz a estudante.

“A gente enxerga que existe um mito de que não existe racismo no nosso país
Somada a isso a falta de negros nas universidades públicas, isso reforça a questão da opressão ao negroO racismo não é natural e pode se expressar de diversas formas, não foi uma 'brincadeira' foi uma agressão que extrapola o limite dos alunos e dos envolvidosIsso agride a todos os negrosNão se pode naturalizar esse caso de agressão racistaFazendo também alusão ao nazismo que matou centenas de pessoasFazer apologia a isso é crime”, explica A convocação para as reuniões de hoje foi feita através de um evento no Facebook para atrair diferentes setores da sociedadeA estudante ressaltou que a administração central da universidade deve tomar para si a responsabilidade de punir os envolvidos.

O presidente da Federação Israelita do Estado de Minas Gerais (FISEMG), Marcos Brafman, informou que a instituição está acompanhando atentamente o episódio e que a comissão jurídica avalia o assunto“A princípio, os atos praticados configuram crime no artigo 20 da Lei 7716/89 (crime da racismo)É evidente que num primeiro momento cabe à Faculdade de Direito apurar o que aconteceu e na própria faculdade
As pessoas que fizeram isso, como são maiores de idade, naturalmente têm que ser responsabilizadas pelo que fizeramPorque isso está previsto no Código Penal, que é incitação à discriminação e o racismoO artigo 20 é bem claro, que é incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacionalAinda mais sendo feito por estudantes de direito”, destaca Marcos Brafman

Repercussão na UFMG

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG também repudiou o trote da Faculdade de Direito em nota divulgada ontem“A universidade passa hoje por um processo de transformação, incluindo cada vez mais os setores populares, excluídos dela até entãoEste tipo de ação vai na contramão da universidade que acreditamos e é fruto do pensamento conservador vigente, que não aceita as mudanças de caráter popular”, diz a nota

O CAAP, em reunião extraordinária também na segunda-feira ouviu os envolvidos, se manifestou contra o trote e também contra a abordagem que os envolvidos vem sofrendo pela internet“(...) o Centro Acadêmico, respaldado pelas diversas opiniões manifestadas pelo corpo discente, recebidas em Reunião Geral Extraordinária do dia 18 de março, e pelos depoimentos dos veteranos e calouros participantes do trote, repudia veementemente a atitude ocorrida, bem como o assédio virtual que tem recaído sobre os protagonistas das fotosRessaltamos, ainda, que devem ser respeitados os direitos individuais de todos os envolvidos”

A UFMG está apurando os fatos e, na tarde de segunda-feira, vice-reitora Rocksane de Carvalho Norton informou que os alunos responsáveis pelo trote podem até ser expulsos da universidadeEm março do ano passado, a direção da UFMG já havia informado que iriam punir os veteranos que insistiam em fazer as brincadeirasA política de tolerância zero surgiu depois que estudantes de turismo relataram que duas calouras foram amarradas a um posteOs veteranos se vestiram de policiais militares e colocaram camisinhas na ponta de cassetetes, obrigando os novos universitários a introduzir o objeto na boca.