Jornal Estado de Minas

Extermínio de cães envenena cidade de Bicas

Cidade na Zona da Mata mineira está intrigada com a morte de cachorros nas ruas

Jefferson da Fonseca Coutinho
No município da Zona da Mata, cão tenta despertar cadela: 80 casos desde janeiro - Foto: Ricardo Rossi/Esp. para o EM


Não é a primeira vez que animais de rua e domésticos são envenenados no município de Bicas, a 40 quilômetros de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineiraNo início dos anos 2000, cerca de 50 cães foram mortos em circunstâncias semelhantesO responsável não foi identificadoAgora o criminoso – ainda não se pode dizer se é o mesmo – está à solta e deixa a população em alerta

Desde janeiro foram registrados mais de 80 casos de cães mortos, supostamente por envenenamento, depois da ingestão de substância vermelha, líquida, aplicada em pão doce e carneAtivistas da região acreditam que o número pode dobrar, já que para grande parte não houve boletim de ocorrência

Na esquina de Rua 15 com a Santa Cecília, no Centro, o corpo da cadela marrom atrai o jovem cão alvinegro, que parece não se conformar com a morte da companheiraEle gira de um lado para o outro, inquietoFaz uso da pata e do focinho para tentar, em vão, despertar a cadela, de olhos abertosOutros cães, do outro lado da esquina, assistem à cena com “notável expressão de tristeza”

Quem relata a cena da manhã de domingo, emocionado, é Ricardo Rossi, de 46

Ele registrou a ação dos vira-latasSensibilizado, abraçou a causa e está empenhado em colaborar para o fim da “atrocidade”“É um caso de saúde pública da maior gravidadeAlém do crime contra os animais, esses alimentos envenenados estão colocando em risco a vida das crianças”, ressalta.

O empresário e fotógrafo conta a morte de Belinha, do sobrinho Igor, de 10 anos“O pão com veneno estava pela metade na varandaEla comeu, entrou em casa, deitou ao colo do meu sobrinho, desceu do sofá, tonta, e morreu pouco depois.” Ricardo cita relatos variados de garotos que perderam seus animais nas últimas semanasA ação do veneno é rápida: 20 minutos, segundo testemunhas

Há registros de 18 envenenamentos num único diaPara Ademir Ferreira Ribeiro, de 39, o criminoso “não tem coração”“Estamos muito chocados com o que vem acontecendo
Não fazíamos ideia de que o absurdo tinha ganhado essa proporção”, lamentaO farmacista, morador da Região Central, é dono de um pequeno vira-lata, Marlo, retirado das ruas.

A presidente e fundadora da Sociedade Protetora dos Animais de Bicas, Eliane Cristina Schettino, de 49, reclama a falta de envolvimento da população para ajudar a identificar o criminoso“Marcamos uma reunião de emergência na manhã de hoje (ontem)Esperávamos participação em massa e fomos apenas três os presentes.” Para ela, a gravidade da situação é tamanha que as autoridades não sabem o que fazer.

Há ainda outro fator que pesa, segundo ElianeMuitos cães de municípios vizinhos estão sendo abandonados na entrada de Bicas“Como sabem que temos uma sociedade protetora atuante, muita gente tem largado animais na entrada de nossa cidade.” Já são mais de 2,5 mil animais cadastrados pela empresária e seu grupo de voluntários desde 1998.

Entre as histórias que mais tocam os ambientalistas locais está o caso do cão FredPróximo às eleições, no ano passado, o vira-lata mobilizou parte da sociedade biquenseCom grave problema de saúde – um verme de mais de meio metro nos rins –, Fred, que ela descreveu “em gritos de dor”, foi recolhido para atendimento de urgência

“Não conseguimos encontrar o veterinárioCorremos para a clínica de Juiz de Fora e ele foi salvo depois de cirurgia bem complicada para retirada de um rim”, relataForam gastos cerca de R$ 1,5 mil com despesas médicas pela vida do cãoCom tristeza, Eliane aponta Fred entre os envenenados deste ano

Vigilância

A secretária de Meio Ambiente de Bicas, Marina Lobo, de 37, contabiliza ainda a morte de dois urubus que se alimentaram da carcaça de um cão morto jogado num aterro próximo ao Parque de ExposiçõesA gestora ambiental revela que os funcionários da prefeitura – especialmente, os responsáveis pela varrição, que começa às 5h – estão atentos à ação do criminoso.

“É um caso de polícia e estamos acompanhando e aguardando o resultado das investigações”, dizEntre as medidas tomadas pelas autoridades locais, uma vereadora chegou a colocar um carro de som nas ruas alertando a população sobre a ação criminosa contra os animais e os riscos de envenenamento.
 

 

Criminoso na mira

A polícia de Bicas, ainda que com problemas estruturais e falta de pessoal, vem investigando as mortesO delegado Sérgio Luís Lamas Moreira, de 37, trata o caso com cautela e não confirma o número “tão elevado” de ocorrências provocadas por veneno“Não pode ser descartada a possibilidade de surto de cinomose, com sintomas bem parecidos com os de envenenamentoA preocupação inicial é a identificação do ato criminoso”, explicaNo caso de crime, o policial espera poder contar com a ajuda dos biquenses“Fazemos um apelo para a populaçãoCaso o número de cães envenenados seja tão alto, certamente alguém sabe de algo e vai poder nos ajudar”, esperaImagens de câmeras estão sendo analisadasO número para denúncias é 181 ou (32) 3271-1437.