Jornal Estado de Minas

Um apelo à consciência

BH tem média de uma morte por atropelamento a cada dois dias



O desrespeito ao pedestre observado na maioria dos corredores da capital começa a ser combatido hoje por meio de uma campanha educativa promovida pela BHTrans. Durante um ano, agentes da empresa, guardas municipais e policiais militares do Batalhão de Trânsito vão atuar em vias de acesso com maior incidência de atropelamentos dentro da área circundada pela Avenida do Contorno, conscientizando motoristas e pedestres sobre a importância de respeitar a faixa de segurança. Mas, pelo menos num primeiro momento, não haverá reforço de fiscalização. O desafio é reduzir índices preocupantes relacionados ao desacato da norma de trânsito. Segundo a BHTrans, oito atropelamentos são registrados por dia na cidade e a cada três dias uma pessoa morre nas ruas vítima de atropelamento. O número sobe para um óbito a cada 48 horas se forem contabilizadas as mortes registradas nos hospitais.



Doze áreas da capital serão contempladas pela campanha, uma por mês. Ruas e avenidas do Hipercentro da capital, Savassi e Barro Preto vão receber atenção especial das autoridades nesse período. Hoje, agentes das instituições participantes estarão, a partir das 10h, na Avenida Alfredo Balena, esquina com a Rua Paraíba, na região hospitalar. Motoristas que forem flagrados parando sobre a faixa ou desrespeitando a preferência dos pedestres em locais sem sinalização por semáforo serão abordados e orientados a não repetir a infração. Para atrair mais a atenção de quem circula pela região, mascotes da campanha e mímicos ficarão nas esquinas. Pedestres flagrados fora da faixa também não escaparão da campanha. Quem for pego atravessando a rua em local inadequado será convidado a se deslocar até a faixa de pedestres.

“O que pretendemos com essa campanha é abordar as pessoas e convencê-las da necessidade de uma mudança cultural no comportamento tanto de motoristas quanto dos pedestres”, diz a diretora de Atendimento e Informação da BHTrans, Jussara Bellavinha. Além da abordagem nas ruas, a campanha será divulgada nas escolas, em veículos de comunicação e em redes sociais. Apesar de a Polícia Militar estar presente durante toda a campanha, não haverá de início caráter punitivo. “Dezesseis militares vão acompanhar os agentes da BHTrans de forma ostensiva, mas com objetivo educativo”, afirma o tenente-coronel Roberto Lemos, comandante do Batalhão de Trânsito (BPTran) da capital. “Vamos esperar que as pessoas assimilem a campanha. Quando percebermos que motoristas e pedestres já estão conscientes, vamos começar a multar”, diz Jussara Bellavinha, da BHTrans.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, a campanha educativa contribui para a conscientização de motoristas e pedestres, mas não é o suficiente para eliminar o problema. “As campanhas educativas são necessárias, mas isso leva um certo tempo para surtir efeito. Temos de entender que também é necessária fiscalização mais intensa e punição para quem infringir as normas”, analisa o especialista em transporte e trânsito e consultor da Imtraff Frederico Rodrigues. O investimento em engenharia de trânsito também é apontado como prioridade para reduzir os índices de acidentes na cidade, segundo o consultor em transporte e trânsito Paulo Rogério da Silva Monteiro. “Não adianta a campanha educativa se não houver fiscalização e investimento em engenharia”, opina.



Desrespeito é  regra nas ruas

Pedestres também desrespeitam lei e se arriscam na Avenida Nossa Senhora do Carmo (foto: marcos michelin/em/d.a press)


Ao percorrer ruas de Belo Horizonte, não é difícil flagrar a falta de respeito à sinalização que dá preferência ao pedestre e perceber o tamanho do problema que a campanha de conscientização da BHTrans tenta combater. Sem qualquer cerimônia, mesmo com o semáforo fechado, carros e ônibus que circulavam pela Rua Rio Grande do Norte, na Savassi, Região Centro-Sul da capital, se enfileiraram no cruzamento com a Avenida Getúlio Vargas. Num movimento para evitar multas por bloquear a passagem de outros automóveis, os veículos avançaram sobre a única área que permite travessia para quem é considerado “o lado mais fraco do trânsito”: invadiram a faixa de pedestre.

“É um absurdo o desrespeito. A faixa virou estacionamento”, reclama a aposentada Maria Lima, de 64 anos. Nos arredores da Praça 7, no Centro de BH, o desrespeito é regra. Carros, ônibus e motos invadem a faixa. Sem estrutura de passarelas, pedestres também assumem riscos. Grávida de oito meses, a assistente operacional Warliana Gomes, de 29 anos, atravessou correndo os 28 metros da Avenida Nossa Senhora do Carmo, na altura do Bairro Santa Lúcia, a 300 metros de uma passarela. “A passarela fica longe e a gente que desce no ponto de ônibus fica com medo de passar por ela, por causa da favela (Morro do Papagaio). Quase nunca tem polícia. Prefiro me arriscar correndo no meio dos carros”, disse.

 

 
Análise da notícia
Boas intenções não bastam
Álvaro Fraga

Não se pode tirar o mérito da campanha que a BHTrans lança hoje na tentativa de reduzir as trágicas estatísticas de atropelamentos em Belo Horizonte. Toda iniciativa para diminuir o número de vítimas no trânsito é bem-vinda. Entretanto, sem fiscalização mais efetiva e punição de quem põe em risco a vida humana, a iniciativa tem chance menor de dar certo. Em outras cidades onde campanhas semelhantes foram feitas, a redução do número de atropelamentos e mortes só veio depois de o poder público aumentar o rigor da fiscalização das multas. No vale-tudo entre veículos e pedestres, pensar apenas em educação não é mais suficiente. É preciso ser enérgico e inflexível com quem descumpre a lei.




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