No Dia Mundial da Água, a constatação de que o bem natural necessário à vida está indo pelo ralo. A Agência Nacional de Águas (ANA) estima que 40% dos recursos hídricos captados no país são desperdiçados num contexto em que o uso cresceu, em média, de 384 litros diários por habitante para 540 litros, de 2007 para cá. Em contraste a esse cenário de perda e excesso, bons exemplos de cidadãos mostram ser possível trilhar o caminho da preservação. Em Belo Horizonte, Itamar de Paula, de 55 anos, defende a nascente que brota em seu quintal como um soldado valente. Alunos da Escola Municipal Hélio Pellegrino, na Região Norte da capital, conseguiram revitalizar o Córrego Nossa Senhora da Piedade. Em Nova Lima, na região metropolitana, moradores se uniram para defender a Estação Ecológica de Fechos e desenvolver iniciativas sustentáveis, como o banheiro seco, que não usa água.
“Os brasileiros têm a falsa impressão de que a água é um recurso infinito e com ampla disponibilidade. É a cultura do desperdício”, ressalta o consultor em recursos hídricos e biólogo Rafael Resck. Apesar de ser composto por dois terços de água, apenas 1% delas são próprias para o consumo humano, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU). E, embora muitos brasileiros não vivenciem essa realidade, a estimativa da ONU é de que 1 bilhão de pessoas não têm abastecimento de água suficiente – que forneça 20 litros por pessoa a cada dia, a uma distância menor que 1 mil metros.
Além da agropecuária, um dos desafios são as redes de abastecimento. A estimativa da Copasa, maior concessionária de água e esgoto do estado, é que 28% da água produzida seja perdida até o destino por causa de vazamentos e problemas nos encanamentos. “É um índice baixo em relação ao país”, pondera o presidente da estatal, Ricardo Simões, que reconhece a necessidade de aperfeiçoar o sistema. Para o coordenador da ANA, o problema passa por várias esferas. “É uma questão de consciência, de valorizar mais as águas nas bacias hidrográficas, as empresas como os cidadãos. Fomos criados com o conceito da abundância e isso é difícil de mudar”, diz.
Vizinho
à Estação Ecológica de Fechos, em Nova Lima, um dos principais mananciais de abastecimento de Belo Horizonte, o Condomínio Pasárgada funciona como um laboratório ecológico. É lá que os integrantes da organização não governamental Primatas da Montanha (Primo), empenhados nessa mudança de postura, desenvolveram o banheiro seco, também conhecido como bason. A tecnologia, que não usa água e transforma fezes em adubo, foi levada também à tribo yawanawá, que habita as margens do Rio Gregório, no Acre.
“Misturar fezes com água é poluirmos o que é mais essencial à vida e ainda traz outro problema em relação ao esgoto”, ressalta uma das integrantes da ONG, a bailarina Izabel Stewart, de 39 anos. O bason implantado no condomínio se parece com um banheiro turco, sem vaso sanitário. As fezes vão para um tambor exposto ao sol e a serragem substitui a água. Também é importante não misturar a urina. “Depois que o tambor estiver cheio, ele fica seis meses ao sol e, depois desse período, o material é transformado em húmus”, explica o analista de sistemas e “agrofloresteiro” Gustavo Passos, de 43.
E a turma não para. Além de ações de mobilização em defesa de Fechos, pressionada pela mineração, o grupo está testando tecnologias para desinfetar as águas cristalinas do Córrego Tamanduá, usadas no consumo do condomínio. “Em vez de cloro, estamos testando a desinfeção por raios ultravioleta, que não adulteram as propriedades físicas e químicas da água”, explica Izabel, que sonha em ver a área da estação de Fechos duplicada. “Sinto-me responsável por esse espaço e o impulso que tenho é de tentar cuidar disso tudo também”, diz.