Se fosse possível eleger uma testemunha do cotidiano de Belo Horizonte, o coreto da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul, certamente estaria entre as mais cotadas. E, depois de quase um século vendo tantas transformações, chegou a vez de ele passar por uma mudança radical para reencontrar o passado. Há quase 20 anos sem reforma e interditado desde 2011, um dos símbolos da capital entra na fase final da restauração, prevista para ser concluída no mês que vem. Após a reabertura, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) promete restringir atividades no monumento com o objetivo de garantir sua preservação.
Desde dezembro, equipes se debruçam para tentar reverter um quadro de degradação formado por infiltrações, forro com risco de queda, pinturas descascadas, elementos artísticos descaracterizados, estrutura metálica corroída – resultados da ausência de reforma desde 1997. A tentativa é de aproximar o coreto daquele inaugurado nas proximidades do ano de 1913. Apesar de o Iepha considerar esse o ano de inauguração do monumento, especialistas afirmam não ser possível cravar a data de abertura.
O pavilhão foi construído depois da entrega oficial da praça, em 1897, que na época era nada mais que um aterro descampado. Projetado em 1906 pelo italiano Luiz Olivieri, o coreto é remanescente do primeiro projeto paisagístico da área. “Antes, em frente ao coreto havia um jardim inglês com uma representação do Pico do Itacolomi”, conta a arquiteta Jô Vasconcellos, que chefiou o projeto de restauração da praça em 1991. “O coreto é anterior a 1920, mas não se sabe exatamente de quando”, diz. A mudança no projeto paisagístico, que ganhou contornos franceses, ocorreu em 1920, por ocasião da visita dos reis belgas a BH, em 1920, mas o coreto se manteve.
Detalhes
Em estilo eclético, a estrutura metálica do monumento foi trazida da Europa e a base construída em alvenaria. Debaixo da escadaria, uma parede preserva a pintura da época. Essa é a referência para a equipe de restauro, chefiada agora por Maria Regina Ramos, refazer o desenho original com pigmento à base de cal que imita a textura e a cor de tijolinhos nas demais paredes, cobertas por tinta acrílica rosa, marrom e cinza. A pintura dos cunhais e vergas também devolveu às estruturas o aspecto de pedra.
Maria Regina conta que, inicialmente, a restauração estava restrita ao forro e à cobertura, mas o trabalho ganhou corpo e incluiu uma repaginada total do monumento. Esse resgate contou com técnicas como o corte estatigráfico, procedimento usado para detectar as várias camadas de tintas e cores em uma superfície. “Os tons de prata das grades e mãos francesas estavam escondidos debaixo de uma tinta grafite, o corrimão estava completamente apodrecido. O portão, todo arrebentado. Estamos recuperando tudo”, detalha Maria Regina. O desafio ainda são as infiltrações que brotam do jardim no porão do coreto.
Espaço tradicional de cultura e lazer da cidade, o coreto guarda algumas peculiaridades. A rosa dos ventos que estampa o piso de cimento queimado indica exatamente os pontos cardeais e se assemelham àquela situada no torreão da Praça da Liberdade. Aos domingos, as apresentações da banda do 1º Batalhão da Brigada Policial de Minas Gerais eram de praxe, assim como o footing da juventude do início do século 20 em torno do monumento. Antes da restauração de 1991, chegou a ficar meio metro afundado em asfalto, revestimento usado no pavimento da praça.
Orçada em R$ 194 mil, a restauração está sendo viabilizada por meio de termo de cooperação entre o Iepha, o Instituto Cultural do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG Cultural) e a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg/MG). Em frente aos andaimes, frequentadores da praça esperam para a volta do coreto. “É um espaço de encontro e quanto mais preservado, melhor”, diz Fátima Maria Ferreira, de 58 anos.