Valquiria Lopes
Bem ao lado do Centro de Belo Horizonte e tão distante dele, o Bairro Lagoinha, na Região Noroeste, sofre com as barreiras físicas impostas pela linha do metrô e pelo Ribeirão Arrudas
“Trabalhar aqui é realmente muito difícil, porque não temos restaurante, farmácia, bancos, lotérica nem mesmo uma boa lanchonete por perto”, queixa-se o vendedor da Peixaria Serradão, no início da Rua Bonfim, Jandir Ferreira, de 52 anosDa porta do estabelecimento, ele observa o emaranhado de viadutos e comenta a dificuldade enfrentada por quem vive ou trabalha na área“A Lagoinha sofre com o abandono, com a falta de infraestruturaAté para chegar aqui é difícilO Bairro Bonfim (ao lado do complexo) é atendido por uma única linha de ônibus, que tem o quadro de horários reduzidíssimo”, afirmaSegundo o vendedor, que trabalha há 36 anos na região, quem depende do transporte público usa os sistemas das avenidas Antônio Carlos ou Pedro II para acessar o bairro
Dono do estabelecimento, o empresário Breno José de Lima Ferreira, de 37, afirma que escolheu a Rua Bonfim pela tradição das peixarias, mas diz sofrer cotidianamente para chegar ao local, por causa do trânsitoA reclamação é comum entre a clientela, que se queixa ainda do aspecto de abandono do lugar e da aglomeração de moradores de rua e usuários de drogas no entorno dos viadutos.
O ar de abandono do lugar torna a região hostil para quem passa a pé, como relata a autônoma Maria da Conceição Pereira, de 52, que mora no Bairro Floresta, vizinho à Lagoinha, mas já na Região Leste“Atravesso os viadutos diariamente para vir à Lagoinha
A situação enfrentada pela Lagoinha é resultado de projetos de revitalização que nunca saíram do papel ou não foram devidamente implantadosA arquiteta, urbanista e conselheira do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) Cláudia Pires exemplifica: “A revitalização da década de 1990, nos moldes do que foi feito no Centro de Lisboa, em Portugal, foi parcialmente implantadaO Mercado da Lagoinha, por exemplo, foi reformado, mas não foi usado em sua totalidade”.
Segundo a urbanista, espaços como o Cine Lagoinha, que poderiam ter se tornar atrações culturais, estão à mercê do tempoSem falar nos casarões históricos, muitos deles tombados e abandonados“Os espaços da Lagoinha foram transformados para se tornarem calhas de vias expressasIsso mudou muito a realidade no lugarEnquanto a prefeitura não perceber que a cidade precisa ser desenhada, as obras continuarão sendo feitas apenas para as pessoas passarem, e não para se apoderarem dos espaços”, critica Cláudia, confiante na possibilidade de a Lagoinha se reerguer.
ATRASADO A Prefeitura de Belo Horizonte tem planos para revitalizar a região e pretende melhorar as condições urbanísticas, sociais e ambientais
O projeto deve ser concretizado por meio de parceria público-privada e, de acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, está em fase de estudos de viabilidade econômica e de impacto de vizinhança, que deveriam ter sido concluídos no ano passadoA previsão inicial é que o projeto de lei com os moldes da operação urbana no local seja encaminhado à Câmara Municipal este anoNo entanto, não tem data para ser executado.
A solução que virou funil
Rotas alternativas e novos corredores são a saída para o gargalo da Lagoinha, nos limites das regiões Noroeste, Leste e Centro-SulÉ o que defende o doutor em engenharia de transportes Frederico RodriguesSegundo ele, isso evitaria que metade dos motoristas passassem pelo complexo para chegar à área centralEssa é, inclusive, a proposta do Corta Caminho, idealizado pela prefeitura e que ainda não saiu do papelO programa prevê a implantação de vias que liguem regiões da capital sem cruzar o CentroInicialmente prevista para a Copa, a Via-710, que conecta as avenidas dos Andradas e Cristiano Machado, deve ficar pronta em outubro do ano que vem e é a mais adiantada dos pelo menos cinco corredores prioritários.
Rodrigues afirma que outra saída para a Lagoinha é o investimento em planejamento urbano e no transporte público de massa, como o BRT e o metrô“Planejar a expansão da cidade é algo recente no BrasilAcordamos somente agora para essa questão, que precisa ser levada a sério”, diz o especialista, que considera o Complexo da Lagoinha bem projetado para a época em que foi concebido“Mas naquele tempo a cidade não tinha Plano Diretor com previsão de crescimento da cidade e da frota, e com o passar dos anos a capacidade se tornou saturada.”
Outro fator que agravou os congestionamentos, segundo o especialista, foram as obras da Linha Verde na Avenida Cristiano Machado e a duplicação na Antônio Carlos, que tornaram essas vias cada vez mais expressasCom isso, os carros chegam mais rápido ao complexo, mas não encontram vazão no acesso ao Centro e ficam parados em congestionamentos
História
1950
O Túnel da Lagoinha, que liga a Avenida Cristiano Machado ao Centro, começa a ser construído, mas a obra fica abandonada
Dezembro de 1968
Retomada da construção do Túnel Lagoinha-ConcórdiaEstrutura foi concluída no início dos anos 1970, em pista simples.
Início dos anos 1980
Construção dos viadutos A (que liga o Centro, saindo da Rua Curitiba, à Avenida Antônio Carlos e a Pedro II) e B (que conecta as avenidas Antônio Carlos e Pedro II ao Centro, chegando à Rua dos Caetés)
Novembro de 1986
Inauguração da obra de duplicação do Túnel Lagoinha-ConcórdiaOrçada em 447 milhões de cruzados, a nova estrutura foi construída com 400 metros de extensão
1986
Inauguração do Viaduto Oeste, que liga as avenidas Nossa Senhora de Fátima e Contorno, e do Viaduto Leste, que faz a transposição do fluxo de veículos das avenidas Cristiano Machado e Antônio Carlos para o Centro
Outubro de 1991
Inauguração da passarela de pedestres que faz a ligação entre a rodoviária e a região da Lagoinha, chegando ao lado da Praça Vaz de Melo
Agosto de 1996
Conclusão da alça A2 do viaduto A, que liga a região da rodoviária no Centro à avenida Pedro II, passando pela Rua ItapeciricaNessa época, somente na Avenida Antônio Carlos passavam 60 mil carros diariamente.
Fevereiro de 1999
Início da construção da ligação entre Avenida Antônio Carlos e Pedro II
Dezembro de 2012
Alargamento do Viaduto B para implantação do BRT Pedro II
Pedestres
Garantir acessibilidade aos pedestres e otimizar a ocupação urbana na Lagoinha é a proposta de um projeto de conclusão de curso desenvolvido no Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Batizado de Conexões Urbanas, o estudo valoriza a história e a vocação comercial da área, integrando-as às atuais condições do trânsito e do conjunto de viadutosO autor do estudo, o arquiteto Henrique Eduardo Araújo Coelho, explica que a proposta visa à revitalização do espaço“A Lagoinha é uma área extensa e subutilizadaTodo o entorno dos viadutos pode receber tratamento urbanístico para se tornar agradável e de fácil acesso a pedestres e portadores de necessidades especiais”, diz, citando a implantação de praças e outros equipamentos públicosPara ele, as mudanças atrairiam lojas, restaurantes, bancos e outros gêneros de comércio e serviços, atualmente escassos na regiãoA principal intervenção viária seria a transposição do fluxo da Avenida Antônio Carlos para o subsolo, na altura da Praça Vaz de Mello (na perspectiva abaixo), que seria ampliada“A Antônio Carlos secionou a LagoinhaEssa proposta visa devolver a área que sempre foi da regiãoA praça que era muito importante para os moradores”, afirmaO projeto prevê ainda a integração do BRT com o metrô, mas também com deslocamentos por bicicleta e a pé