Leonardo Augusto
Enviado Especial
Cipotânea e Itapecerica – A busca da Igreja Católica por mais padres no país e em Belo Horizonte soa estranha em dois pequenos municípios de Minas Gerais: Cipotânea, na Zona da Mata, e Itapecerica, na Região Centro-Oeste do estado, onde nasceram, nos últimos 190 anos, oito bispos e 92 padres. A última ordenação ocorreu em 2009 e tudo indica que outras virão. Quatro moradores de Itapecerica são seminaristas e outros quatro participam dos chamados encontros vocacionais, organizados pela igreja para diagnosticar a aptidão para o sacerdócio.
O número de bispos nascidos nas duas cidades impressiona. Minas Gerais conta apenas com 38 vagas para esse grau da hierarquia católica. Na função, os religiosos administram um conjunto de paróquias, as chamadas dioceses ou arquidioceses. Dos oito bispos, cinco são de Cipotânea, município de seis mil habitantes a 239 quilômetros de Belo Horizonte. José Micomedes Grossi e Hélio Gonçalves Heleno (ambos falecidos), que comandaram respectivamente as dioceses de Bom Jesus da Lapa (BA) e Caratinga. O irmão de Hélio, José Heleno, que trabalhava em Governador Valadares, onde se aposentou, Antonio Afonso de Miranda, também aposentado, que administrou as paróquias de Taubaté (SP), e Getúlio Teixeira Guimarães, bispo de Cornélio Procópio (PR).
Em Itapecerica, cidade de 22 mil habitantes a 170 quilômetros de Belo Horizonte, nasceram Antonio Carlos Mesquita, ex-bispo de Oliveira, já falecido, Gil Antonio Moreira, que está em Juiz de Fora, e Sebastião Roque Rabelo Mendes, que trabalhou como bispo auxiliar em Belo Horizonte e respondeu pelas paróquias de Leopoldina antes de se aposentar e retornar à cidade natal.
Tanto em Cipotânea como em Itapecerica a explicação dada por padres e fiéis para entender os motivos de tantos filhos das cidades se entregarem à vida religiosa é uma só: a fé. A crença em Deus, no entanto, tem fortes aliados terrenos. “A música litúrgica sempre foi muito valorizada aqui. É algo que produz um encantamento muito grande nas crianças”, diz Sebastião Roque, o dom Zicó, que mesmo aposentado celebra missas em Itapecerica. O bispo é um dos principais incentivadores de uma orquestra de crianças criada no município.
Fundada em 1739, a cidade, que pertence à diocese de Divinópolis, possui quatro igrejas somente na área urbana. A matriz, São Bento, Nossa Senhora das Mercês, São Francisco e Nossa Senhora do Rosário. Todas possuem um sistema de sinos acionado a cada quinze minutos que indicam a metade e as horas inteiras. A ida para a escola, o almoço e a volta para casa do trabalho na cidade podem perfeitamente ser coordenadas pelo som dos sinos. “Quando alguém morre, pelos badalos é possível saber se é um homem, uma mulher ou uma criança”, diz dom Zicó.
Incentivo familiar Há ainda um outro fator a que pode ser atribuída a formação de tantos padres. O incentivo das famílias com forte tradição religiosa que gostariam de ver um de seus integrantes como representante da Igreja Católica. “Meus pais são extremamente católicos e sempre foram muito atuantes na vida da Igreja”, diz Hedvan Richardson Souza Lucas, de 32 anos, nascido em Itapecerica, ordenado padre em 2009. O religioso trabalha em Perdigão, a 100 quilômetros da cidade em que nasceu. “Ainda vou exercer o sacerdócio lá. Tem um grupo de senhoras da cidade que só se confessam comigo”, conta o padre, que faz visitas constantes ao município onde nasceu. Hedvan é o mais recente itapecericano ordenado.
Em Cipotânea, fundada em 1711, há ainda uma outra explicação para que o município tenha se transformado em um berço de tantos bispos. A cidade pertence à arquidiocese de Mariana, onde fica um dos mais antigos seminários do Brasil. “Era onde muitos meninos iam estudar”, afirma o padre Rogério Venâncio Resende, da Igreja de São Caetano.
Um giro tanto por Cipotânea como por Itapecerica mostra que, ao menos por enquanto, não há qualquer indício de que a religião católica esteja perdendo força. As igrejas protestantes pentecostais, que vêm tomando fiéis do Vaticano em outros centros, mantêm um pequeno templo em Cipotânea e dois em Itapecerica.
Na cidade do Centro-Oeste de Minas, na segunda-feira da Semana Santa, mais de 600 pessoas participaram da chamada Procissão do Depósito, que relembra a prisão de Jesus Cristo.
Reforço no estoque de hóstias
O padre de Itapecerica responsável pela Igreja Matriz de São Bento, monsenhor Pedro Gondim Ferreira, de 51 anos, afirma que pelo menos 80% dos 22 mil moradores da cidade são católicos. No início de 2013, a secretaria foi obrigada a aumentar a aquisição de hóstias. Até o final do ano passado, o volume comprado era de 12 mil, estoque que durava pouco mais de um mês. Hoje, para o mesmo período, são necessárias 15 mil hóstias. O produto, geralmente, é fabricado por irmãs de caridade.
Conforme o padre, que também nasceu em Itapecerica, contabilizando todas as igrejas da área urbana, pelo menos três mil pessoas comparecem às três missas de domingo. Somada a área rural, o número sobe para cinco mil. O município tem três padres. Em distritos em que não podem comparecer, a igreja designa fiéis para realizar a “celebração da palavra”, uma pequena cerimônia em que são lidos trechos da Bíblia.
Monsenhor Pedro, que teve o padre Hedvan como pupilo e coroinha, também acredita que a família pode ser um dos principais responsáveis pela entrada de jovens nos seminários, mas que isso pode mudar. “As pessoas tinham orgulho em ter um de seus integrante no clero. Hoje, porém, é muito grande o número de pessoas que moram sozinhas. Além disso, agora temos vários tipos de famílias na sociedade”, argumenta.
Porém, quase dois séculos depois da ordenação do primeiro padre itapecericano, Camilo de Faria, em 1823, outra prova de que a Igreja Católica segue como referência para a população da cidade é um dos atendimentos realizados por monsenhor Pedro recentemente. “A mulher veio me procurar e relatou um problema. Eu disse: ‘Deus vai te ajudar, mas você precisa de um médico’”. (LA)