O Brasil registrou os primeiros surtos de dengue há mais de 100 anosA Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a considerar, em 1958, o país livre do mosquito Aedes aegypti, responsável por carregar e transmitir o vírus que causa a doençaDepois, o bicho renitente voltou a fazer vítimas em 1976 e as epidemias se tornaram mais frequentes, como a enfrentada hoje por municípios de Minas, onde 37.733 casos foram confirmados neste ano, segundo balanço da Secretaria de Estado da SaúdeA ciência tenta descobrir maneiras de expulsar a moléstia do território nacional, e pesquisadores mineiros participam da batalha
A maioria das pesquisas que tem a dengue como alvo, no estado, é executada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)A equipe coordenada pelo virologista Flávio Fonseca, professor do Instituto de Ciências Biológicas, é uma das que perseguem o objetivo de gerar uma vacinaEm laboratório, as cargas genéticas dos quatro sorotipos são retiradas e clonadas dentro do vírus Vaccínia, o mesmo usado para produzir medicamento que ajudou na erradicação da varíolaEm seguida, o micro-organismo é inoculado em camundongosOs animais, então, devem se mostrar imunizados depois que forem infectados com uma espécie de dengue adaptada artificialmente para deixá-los enfermos“Ao entrar na célula, esse vírus (Vaccínia) produz as proteínas do vírus da dengue sem que a doença se manifesteIsso pode gerar anticorpos”, explica Fonseca.
A pesquisa começou em 2008 e, à época, o professor esperava que em cinco anos a vacina estivesse no mercado
ANTICORPOS Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), os professores do Departamento de Ciências Biomédicas Luiz Felipe Leomil Coelho e Luiz Cosme Cotta Malaquias coordenam dois projetos que também buscam a vacinaUm deles desenvolveu nanopartículas compostas por uma proteína natural (albumina sérica bovina) associada aos quatro tipos de vírus da dengue, usados em inatividade“Vacinamos camundongos e observamos que há uma produção de anticorpos contra os quatro sorotiposEntretando, esses anticorpos têm fraca capacidade neutralizante”, diz Coelho“A equipe está tentando modificar as nanopartículas para induzir a produção de anticorpos mais eficazes”, acrescenta.
No outro projeto, os pesquisadores usam estratégia diferenteA equipe sintetizou, por meio de reações químicas, três peptídeos artificiais, formados por aminoácidos (moléculas que estruturam as proteínas)Uma pessoa infectada por um sorotipo desenvolve duas espécies de anticorpos contra uma das proteínas mais importantes do vírus: um que neutraliza o mesmo sorotipo em uma nova infecção e outro que, além de não neutralizar, ainda favorece o contágio por outros sorotipos
Bactéria cura mosca infectada
E se o próprio mosquito Aedes aegypt puder ser usado para coibir a proliferação da dengue? Essa é a possibilidade perseguida por uma pesquisa coordenada por Scott O’Neill, professor da Universidade de Monash, em Melbourne, na AustráliaA equipe tem cientistas de vários países e os integrantes brasileiros são coordenados por um pesquisador do Laboratório de Malária do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (CPqRR/Fiocruz), Luciano Andrade MoreiraA instituição ainda tem outros dois participantes: Marcelo Lorenzo e Paulo PimentaE o projeto tem alcançado resultados bastante promissores.
Os estudos começaram há oito anos, quando cientistas australianos injetaram em ovos do mosquito a bactéria Wolbachia, encontrada nas moscas-das-frutas, as drosófilasOs pesquisadores planejam usá-la para impedir a propagação da doença“É como se o mosquito fosse vacinadoNele, o vírus precisa de 10 a 15 dias para se desenvolverÉ o período de incubaçãoA bactéria bloqueia esse processo”, explica Moreira“O número de indivíduos com a bactéria aumenta rapidamente”, constata Moreira
Em 2011, mosquitos com o micro-organismo foram soltos em dois subúrbios de Cairns, na Austrália“Todos os mosquitos das duas áreas passaram a conter a bactéria”, ressaltaEm abril, exemplares do inseto vão ser soltos em uma ilha do Vietnã, país que se assemelha ao Brasil em números de casosO primeiro estado brasileiro a participar do experimento será o Rio de Janeiro, onde mosquitos devem ser espalhados em três localidades da capital e uma de Niterói até maio de 2014
Descarte
Muitas políticas públicas de combate ao mosquito são criadas ou modificadas em parceria com cientistas, mas é comum que acabem sendo abandonadasEm Minas, por exemplo, a tecnologia MI-Dengue deixou de ser usada em 2011Criada por pesquisadores da UFMG, ela inclui um equipamento chamado MosquiTrap, cujo desenvolvimento consumiu R$ 3 milhões do próprio governo, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
Parecida com um vaso plástico, a MosquiTrap é uma arapuca georreferenciada via GPS“No fundo da armadilha há água e uma substância sintética que exala um odor que atrai a fêmeaQuando ela entra para pôr os ovos, fica retida em uma cola adesiva”, explica Luís Felipe Ferreira Barroso, diretor da Ecovec, empresa de biotecnologia licenciada pela UFMG para comercializar o MI-DengueMas, em 2011, o governo do estado e a Fiocruz avaliaram o produtoA conclusão foi de que era uma tecnologia cara e que não identificava se ao redor da armadilha havia criadourosEla não dispensa o trabalho de campo dos agentes”, alega a coordenadora do Programa Estadual de Controle de Dengue, Geane Andrade(TH)
Os primeiros surtos
As teorias mais aceitas sustentam que o Aedes aegypti, espécie originária da África, tenha chegado ao Brasil em embarcações que transportavam escravosNo país, os primeiros surtos foram registrados no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e províncias do NorteDepois de ser erradicada em Minas, a dengue ressurgiu em 1991Naquele ano, houve 286 casosEm 1998, o número aumentou 515 vezesEm 2010, houve recorde, com 214.552 ocorrências e 34 mortesEm BH, o primeiro surto depois da reaparição da doença ocorreu em 1996, com 1.806 casos.