Jornal Estado de Minas

Parque Municipal vira refúgio de moradores de rua em BH

Arnaldo Viana
Sem-teto dormem à tarde nos bancos do parque: à noite, muitos vão para a praça da liberdade para evitar guardas municipais - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A PRESS
Andar em grupos é uma forma de proteção dos moradores de ruaE a maioria se sente mais segura nas áreas mais centrais de BHNo Parque Municipal, é possível contar pelo menos 50 deles espalhados pelos jardins, sobre bancos e gramados, dormindo, conversando ou bebendo cachaçaAo lado do prédio do antigo Colégio Imaco, bate-papo com Divino da Silva, pedreiro, de 55 anos, Jean Gomes da Silva, ajudante de pedreiro, de 36, e Flávio Celso da Silva, que já trabalho uem “serviços gerais”, de 38, mostra que nem todos estão ao relento por opção ou porque perderam a convivência em casa.

“Eu tinha meu barraco na Vila São José e trabalhava de carteira assinadaQuando a prefeitura foi lá cadastrar o pessoal para a desapropriação, por causa da obra de ligação da Pedro II com a Pampulha, eu estava no serviçoUm dia, chego cansado e meu barracão não estava mais láDerrubaram tudoPerdi minhas coisas, como botijão de gás, fogão e outros utensíliosO processo corre na Fazenda municipal, porque sem residência fixa não consigo arrumar empregoO sistema me botou na rua”, afirma Divino.

Jean conta que morava no Bairro Santa Terezinha, com a mãe e a avó“Eu pagava R$ 70 de aluguel ao meu tio
Minha mãe e minha avó morreram, perdi o rumo e parei de pagar pela moradiaMeu tio me expulsou de lá.” Os três abrem as mochilas, tiram as carteiras de trabalho para mostrar que, até há pouco tempo, eram pessoas produtivasHoje, passam o dia no parque e dormem na Praça da Liberdade“Aqui, os guardas municipais não deixam a gente nem escovar os dentes num dos bebedourosNa praça, nãoA gente até toma um banho, usando um balde para tirar água da fonte”, diz Divino.

Os três são cadastrados nos restaurantes popularesTomam café da manhã, almoçam e têm uma sopa à noite de graçaOs dias no parque são, invariavelmente, regados a cachaça, comprada com os trocados que ganham dos frequentadores da área verde“A gente bebe para aguentar essa realidade”, diz Jean, que gosta de viajar, a pé“Já fui a Santa Catarina e ao Rio
Daqui ao Rio são 15 dias de caminhadaDurmo perto dos postos de gasolina e peço sobras de comida no restauranteViajo para refrescar a cabeça.”

E a insegurança na ruas? “É o preconceitoSomos vistos como ladrões, bandidosÀs vezes, até gente bacana nos agrideTemos que dormir de olho aberto porque até coquetel molotov jogam em nósMas a maioria é gente boa, até nos cumprimenta.” De repente surge o Grande ou Fábio Júnior, de 38, que se recusa a dar o nome de batismoArticulado, fala diferente dos demais, mostra conhecimento“Estudei até a 6ª série e estou sempre na internetUso o computador do BH Resolve ou do Centro Cultural da UFMGAdoro biografias, que busco no Wilkpédia.” A condição de Grande é diferente da dos demais companheiros de Parque MunicipalSaiu de casa, em BH, porque quis e não pretende voltar para curtir com liberdade o seu gosto pela droga e a bebida.

Há quem se sente incomodado com a presença deles, como serralheiro Márcio Henrique da Silva, de 30, morador de Nova Lima, na Grande BH, que passeia pelo parque com os filhos Gabriel, de 3, e Gabrielle, de 5“Incomodam sim, ocupam bancos e jardins e são inconvenientes ao pedir dinheiro.” Já Alex Barros, técnico em tele-comunicações, de 26, e Paola Cristiane Alves, de 23, que estão sentados com filha a Laís, de um mês, em frente ao lago dos barcos, não veem problema“Não nos incomodamMas a prefeitura devia tirá-los das ruas.”

Divino, Flávio, Jean e Grande comungam a rejeição aos abrigos municipais“Não podemos reclamar do banho, da alimentação, dos assistentes, mas os guardas municipais não são educados no tratamento”, conta DivinoA assessoria da corporação informou que todos os cidadãos, independentemente da condição social, têm tratamento igual e só são abordados quando infringem a lei“O morador de rua tem, assim, seu direito de ir e vir garantido.”