Jornal Estado de Minas

Celebração da Páscoa em Ouro Preto reuniu 4 mil pessoas sob chuva

Ouro Preto volta a se enfeitar no domingo de Páscoa, para emoção de moradores e turistas. Sob chuva fina, procissão no início da manhã reuniu cerca de 4 mil pessoas

Flávia Ayer
- Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Nas ladeiras de Ouro Preto, religiosidade, tradição e encantamento se misturam em mais de três séculos de história, num costume que atrai olhares do mundo inteiroDepois de 40 dias de recolhimento durante a quaresma, a antiga capital de Minas, na Região Central do estado, se enfeitou para comemorar a ressurreição de Jesus Cristo e saudar o domingo de PáscoaDesde à 7h, o repique dos sinos anunciava uma vida renovadaAs toalhas nas sacadas e os tapetes de serragem nas ruas ornamentavam o percurso por onde passou a procissão da Ressurreição, repleta de anjos, personagens bíblicos, fiéis e muitos, muitos turistas.

Diferentemente dos anos anteriores, o ponto de partida foi a Igreja de São Francisco de Assis, e não a Igreja de Nossa Senhora do Conceição, no Bairro Antônio Dias, interditada em fevereiro por risco de desabamentoGuiado pelo Santíssimo Sacramento, o cortejo seguiu até a Basílica Nossa Senhora do Pilar, no Centro Histórico, elevada a “casa do papa” em dezembro do ano passadoEm Ouro Preto, a tradição reza que, em anos pares, a procissão sai da Nossa Senhora do Pilar e, nos ímpares, da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, da qual a Igreja São Francisco de Assis faz parte.

Ao som da Sociedade Musical Senhor Bom Jesus das Flores, cerca de quatro mil pessoas, de acordo com a Guarda Municipal, seguiram debaixo de chuva fina ao longo de quase dois quilômetros de procissãoA garoa conferiu clima mais introspectivo à celebração“A Páscoa é a razão da nossa esperança e o fundamento da féJesus ressuscitou, somos vitoriosos e chamados a viverÉ tempo de renovar os bons propósitos da vida, pois somos instrumentos para um mundo melhor”, afirma o padre Marcelo Moreira Santiago, titular da Paróquia do Pilar.

E viver esse momento na procissão de Ouro Preto tem um sentido especial para a aposentada Maria Inácia, de 65 anos“Traz paz e prosperidade”, diz
O envolvimento da comunidade na festa religiosa impressionou a professora Maria das Graças Matos, de 64, que veio do Rio de Janeiro para participar das celebraçõesEram quase 9h e Maria concluía uma empreitada de mais de 12 horas nos preparativos da procissão, montando tapetes de serragem ao longo de toda a madrugada e debaixo de chuva fina“Achei fantástica a fé das pessoas e a dedicação delas é inexplicável”, conta.

O agrônomo japonês Takeo Maezawa, de 35, que se mudou em janeiro para São Paulo, definiu com precisão oriental a experiência“É única, uma manifestação que não existe em nenhum outro lugar”, diz Takeo, sem deixar de registrar nenhum momentoE, a cada passo, uma nova surpresa diante de figuras bíblicas do antigo e novo TestamentoSem contar os anjos, 137 personagens, desde o Rei Salomão a Barrabás, seguem pela procissão

Por trás disso tudo, está a ouro-pretana Irene do Sacramento, de 71, que não larga o ofício nem na hora de conceder entrevistasEntre um alfinete e outro, ela fala da satisfação em montar a procissão“Só de o pessoal ter a alegria e a oportunidade de participar dessa tradição, fico feliz”, diz a professora aposentada, que há mais de 30 anos coordena as figuras bíblicasPara 2015, quando a paróquia volta a organizar a procissão, Irene já recebeu mais de 70 inscrições
“Tem muita gente nova querendo participar”, conta, satisfeita.

Anjos na procissão


dadeee carregada de história, os novos filhos de Ouro Preto abraçam a tradição e dão continuidade aos costumesDesde cedo as crianças aprendem a participar e valorizar a procissão da Ressurreição, no domingo de PáscoaE, como quem ama cuida, os pequenos garantem a perpetuação do ritualAos 9 anos, Thaís Romualdo da Silva já é veterana na procissão e faz questão de vestir de anjo todos os anos, além de ajudar na confecção dos tapetes“O segredo é colocar a serragem nas formas e organizar cada uma de uma cor diferente”, explica.

A mãe dela, Glória Romualdo da Silva, de 44, conta que o hábito de se vestir de anjo e acompanhar a procissão é uma tradição de família“Todos lá em casa participam e, desde bebê, a Thaís se veste assimQuando a roupa fica pequena, a prima mais velha passa para a mais nova”, dizNascido em Ouro Preto, Mateus França, de 11, registrava com sua máquina fotográfica todos os detalhes: do São Francisco de Assis feito de serragem aos personagens bíblicos que passavam.

Ano que vem, ele sonha com uma vaga entre os personagens bíblicosE, se depender da habilidade em identificá-los, o posto já é dele“É porque fiz catequese e aprendi umas figuras da Bíblia”, explica o garoto, bem envolvido no cotidiano da igreja“O padre me considera mais da irmandade do que muita gente, mas só vou poder fazer parte quando completar 18 anos”, diz.