Jornal Estado de Minas

Ameaças ocultas dentro de casa dão fôlego à dengue

Até mesmo uma tampinha de garrafa PET, facilmente encontrada em cantos escondidos do quintal, pode servir para a procriação do inseto

Clarisse Souza Simone Lima
Em meio a uma epidemia de dengue que não dá trégua desde o início do ano, os órgãos de saúde da capital e do estado têm reforçado a importância de eliminar os criatórios que se formam em imóveis habitados, responsáveis por cerca de 80% dos focos do mosquito Aedes aegypti
Mas o perigo não está restrito a caixas-d’água, pneus, garrafas e pratinhos de plantasA larva do transmissor do vírus é capaz de se reproduzir em circunstâncias que normalmente são negligenciadas, em volume de água muito pequenoAté mesmo uma tampinha de garrafa PET, facilmente encontrada em cantos escondidos do quintal, pode servir para a procriação do inseto.

Veja infográfico sobre a doença

Qualquer descuido com a limpeza pode ser suficiente para que um novo criatório do mosquito se formeUma casca de ovo descartada de forma inadequada, por exemplo, pode reter líquido suficiente para a reprodução do transmissorEm casas com crianças, até mesmo brinquedos expostos à chuva podem se tornar propícios para que o mosquito deposite seus ovosSegundo o entomologista da Fundação Oswaldo Cruz Rafael Freitas, 15 gotas de água já proporcionam ao inseto ambiente para reprodução“A larva se desenvolve em lugares onde as pessoas menos imaginamJá encontramos larvas em menos de 10ml de água”, alerta o pesquisador.

Em muitas casas, cacos de vidro são dispostos sobre muros em uma tentativa de afastar invasoresMas o artifício pode atrair outro vilãoFormada, em geral, por garrafas quebradas, a barreira de vidro acumula água em dias chuvosos e também cria um ambiente ideal para a multiplicação do Aedes aegypti
Outros locais de difícil visualização também podem reter água e aumentar o risco de contaminação“É o caso das calhas nos telhadosEm muitos lugares, as pessoas não fazem a limpeza com frequênciaO acúmulo de folhas e outros materiais represa a água, e cria um pequeno reservatório sem que o morador perceba”, adverte Freitas.

No interior das casas, equipamentos domésticos que parecem inofensivos também ampliam as chances de procriação do insetoNa cozinha, o perigo pode estar atrás da geladeiraNa parte inferior de alguns modelos do eletrodoméstico há um reservatório que retém a água do degeloSegundo o pesquisador da FioCruz, se não for limpo com frequência, o recipiente pode se tornar um local ideal para o desenvolvimento das larvasEm aparelhos de ar-condicionado, a bandeja coletora de água também pode abrigar ovos do mosquito.

Segundo o Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti (LIRAa), que mede a infestação larvária na capital, os reservatórios tradicionais – caixas-d’água, pratos de plantas, pneus e garragas – ainda são os principais responsáveis pela proliferação do mosquitoMas o acúmulo de água em locais pouco convencionais representa risco à população e preocupa a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte“Os agentes estão atentos a qualquer local que acumule água, desde o copinho de iogurte jogado no quintal até os focos tradicionais”, afirma a gerente de Zoonoses da secretaria, Silvana Tecles Brandão
O entomologista da Fiocruz lembra que são necessários apenas oito dias para que o inseto evolua de ovo à fase adulta“Por isso é preciso que as pessoas olhem para todos os focos e limpem os quintais e possíveis criatórios pelo menos uma vez por semana”, aconselha.

OPERAÇÃO LIMPEZA A Secretaria de Estado de Saúde tem recolhido em várias regiões do estado itens que possam acumular águaBatizado de Dengue Móvel, o caminhão que faz o serviço visita bairros com maior incidência da doença e troca os itens que representam risco à população por material escolarSomente na Região Metropolitana de BH, já foram recolhidos 40.849 recipientes que seriam focos em potencial.

Cidade refém

Com pouco mais de 10.300 habitantes, São Gonçalo do Pará, no Centro-Oeste de Minas, enfrenta sua primeira epidemia de dengueSão 576 casos já registrados no município, enquanto Divinópolis, polo da região, tem 163 casos confirmadosNo primeiro trimestre, houve aumento de mais de 1.000% nas notificações em relação a todo o ano de 2012.

Em média 100 pacientes passam ao dia pela Policlínica Municipal com sintomas da doençaPara conseguir atender a demanda, a prefeitura precisou de reforços: além de contratar mais dois médicos, o município aumentou o número de agentes de saúdeSegundo o prefeito, Toninho André (PDT), a Secretaria de Estado de Saúde disponibilizará ainda esta semana R$ 152 mil para que a cidade combata a epidemia“A força-tarefa que havia deixado a cidade em outubro já voltou a atuar”, explica.

Outra frente de ação será o aumento da multa para donos de lotes vagos que não estiverem cuidando da propriedade“Hoje, o valor da multa fica entre R$ 35,90 e R$ 71,80Queremos aumentar essa quantia e vamos fazer um projeto para isso”, avisaO prefeito acredita que a desinformação é a principal causa da epidemia“Algumas pessoas que nem sequer querem deixar os agentes entrarem em suas casas”, acrescenta.

Motorista da ambulância que atende a Policlínica Municipal, Guido dos Santos, de 63 anos, passou o feriado da semana santa de repouso, com os sintomas da doença“É uma coisa terrívelNunca me senti tão mal na vidaTive muita dor de cabeça e febre muito altaVim só trazer meu atestado e vou voltar para casa”, contou.