No entardecer de 1940, logo depois de eleito prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek (1902–1976 ao olhar para a represa da Pampulha, obra iniciada em 1936, na gestão de Otacílio Negrão de Lima (1897–1960), para dar à cidade uma área de lazer, tomou uma da mais felizes e bem-sucedidas decisões de sua vida: ampliar o espelho d’água e construir no entorno um conjunto arquitetônico e paisagístico sem similar. No mesmo ano, conheceu e se uniu a Oscar Niemeyer (1907–2012), que se tornaria uma das figuras mais expressivas da arquitetura moderna no país. Encomendou o projeto arquitetônico e, com grande pompa, JK convidou o então presidente da República, Getúlio Vargas (1882–1954), para a inauguração de sua marcante idealização, em 16 de maio de 1943, dia em que BH parou.
O conjunto arquitetônico e paisagístico da Pampulha, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), completa 70 anos no próximo dia 16. JK não imaginava que uma obra tão suntuosa pudesse cair no esquecimento. E, por incrível que pareça, quase caiu no ostracismo. A Igreja de São Francisco de Assis, ou Igrejinha da Pampulha, o Museu de Arte (antigo Cassino) da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube, decorados por obras de geniais artistas plásticos, sofreram desgaste e depois de muito esforço e cobranças foram restaurados.
Os cinco jardins do paisagista Burle Marx (1909–1994) estão sendo agora retocados, mais ainda há muito a ser feito, como a despoluição da represa, para que o conjunto, que inclui ainda o Mineirão, o Mineirinho, o Parque Ecológico Promotor Francisco Lins do Rego, o Jardim Zoológico e outras edificações, obtenha da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o título de Patrimônio da Humanidade, requerido em 1996.
Para inaugurar o conjunto que o arquiteto e paisagista Ricardo Lana classifica como “o mais incisivo do realismo brasileiro”, e outras obras de modernização, JK chamou o povo um evento à altura da sua obra grandiosa. Convidado, o presidente Getúlio Vargas desembarcou cedo no aeroporto da Pampulha. Antes, foi a Lagoa Santa participar da solenidade de abertura de uma fábrica de aviões. De volta, foi levado à Praça Vaz de Melo (onde está hoje o desengonçado Complexo da Lagoinha), ponto de partida festa. Às 15h30, o presidente cortou a fita simbólica para abrir a tráfego a Avenida Pampulha (hoje Antônio Carlos).
Ao lado do prefeito e do então governador Benedito Valadares (1892–1973), o presidente seguiu em cortejo pela nova avenida até a Pampulha. Ao chegar à lagoa, cerca de 20 mil pessoas o aguardavam na orla. BH tinha cerca de 212 mil moradores, e pelo menos 20% da população participou da festa.
SONHO Em seguida, Getúlio saiu para um passeio na represa, em lancha pilotada pelo próprio Juscelino, o que seria impossível hoje pela deprimente condição da água. Quem conheceu o diamantinense JK, que governaria o país de 1956 a 1961, sabia que ele não perderia uma oportunidade como aquela. “O passeio foi no momento em que o pôr do sol dava grande beleza à paisagem”, floreou um jornalista da época.
BH ganhava a obra, sonho de JK, que Oscar Niemeyer classificou como o despertar de sua carreira, a referência para o projeto de Brasília, também iniciativa de Juscelino, inaugurada em 1960. “A Pampulha foi o começo de minha vida de arquiteto”, escreveu ele no livro As curvas do tempo. O professor da Escola de Arquitetura da UFMG Flávio Carsalade considera o conjunto da Pampulha a “maioridade da arquitetura brasileira. Enquanto o mundo ainda valorizava o ângulo reto, ela explode em curvas”. O traçado, segundo ele, teria origem nos contornos da mulher brasileira e das montanhas, sendo um dos exemplos mais sensíveis dessa marca registrada a Casa do Baile. Que o sonho de JK e transformado em realidade por mestres da arquitetura e do paisagismo nunca mais sofra descaso, como desejou JK.
Esforço de JK e talento de Niemeyer
Para obter da Unesco o título de Patrimônio da Humanidade para a Pampulha, a prefeitura tem muito o que fazer. As exigências são muitas. Devem ser cumpridas e os resultados apresentados ao Iphan. Para tanto, o Executivo municipal criou duas comissões, a de trabalho e a de notáveis, esta para as ações de bastidores no organismo internacional. A missão mais espinhosa é a da comissão de trabalho. Entre suas atribuições estão a coordenação e o acompanhamento dos serviços de restauração do conjunto.
O paisagista e arquiteto Ricardo Lana está feliz com a restauração dos jardins de Burle Marx. “As obras de Niemeyer começam a ser valorizadas pelos jardins.” Mas lamenta a degradação da água da Pampulha, como mostrou o EM na edição de terça-feira (páginas 17 e 18 do caderno Gerais). Os indicadores de poluição são os mais negativos da história dos 70 anos da represa. Entende que é importante a harmonia entre monumentos e paisagem. Só ficou feliz quando soube que a prefeitura está determinada a investir não só na recuperação do espelho d’água.
A Fundação Municipal de Cultura, por meio de seu assessor de imprensa, Ricardo Mendicino, informa que bastaria o tratamento do espelho d’água para o reconhecimento da Unesco, “mas a prefeitura vai investir mesmo é na despoluição da lagoa e das nascentes”. Entende a administração municipal que se não houver uma ação decisiva nos leitos dos córregos que abastecem a represa, como o Ressaca e o Sarandi, o trabalho será inócuo. “Já há até orçamento liberado”, afirma Mendicino.
A prefeitura esperava obter no ano que vem o título reivindicado desde 1996, mas de acordo com o assessor o prazo é curto para cumprir o cronograma. Por isso, o sonho fica adiado para 2015. Até a sinalização para pedestres e recuperação das calçadas de pedras portuguesas estão previstas no calendário de obras municipais, o que anima Ricardo Lana. “Hoje, nem os trajetos entre um monumento e outro são sinalizados.” Lana espera ver o conjunto arquitetônico e paisagístico da Pampulha em harmonia e digno do seu idealizador e do gênio que o projetou e em harmonia. Se tombado como Patrimônio da Humanidade, seria o reconhecimento do esforço de JK e da explosão do talento de Niemeyer.
LINHA DO TEMPO
– 1936: O então prefeito Otacílio Negrão de Lima dá início à construção da barragem da Pampulha, para dar à cidade uma área de lazer, obra ampliada por JK no início dos anos 1940
– 1940: JK, eleito prefeito de Belo Horizonte, conhece Oscar Niemeyer, ao qual encomenda um projeto arquitetônico para a orla da Lagoa da Pampulha
– 1943: Com a presença do então presidente da República, Getúlio Vargas do então governador Banedito Valadares, JK inaugura o completo de lazer e turístico
– 1946: O então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, proíbe os jogos de azar no Brasil, e o Cassino da Pampulha é fechado. Prédio foi reaberto em 1957 como Museu de Arte
– 1959: A Arquidiocese de BH finalmente consagra a Igrejinha da Pampulha, depois da recusa em 1943, porque discordava das linhas curvas de Niemeyer
– 1996: O município reivindica da Unesco o título de Patrimônio da Humanidade para o conjunto da Pampulha, que só será concedido depois das restaurações
– 2002: A Casa do Baile, fechada em 1946 e depois usada com outros fins pelo município, é transformada em centro destinado ao urbanismo, arquitetura e design