Jornal Estado de Minas

Homossexuais elogiam Daniela Mercury, mas preferem se esconder

Mulheres que mantêm relacionamento homossexual elogiam cantora que assumiu namoro com uma jornalista, mas dizem que, para pessoas comuns, se esconder ainda é opção para evitar discriminação

Flávia Ayer Luiz Ribeiro Patrícia Giudice Simone Lima
Imagens divulgadas pela cantora - Foto: Instagram/Reprodução Internet
Sorrisos, beijos e abraços em fotos nas redes sociais que logo ganharam espaço na imprensa mostram Daniela Mercury, cantora baiana de 47 anos, assumindo publicamente um relacionamento amoroso com a jornalista Malu VerçosaRapidamente elas receberam milhares de manifestações de apoio e votos de um casamento felizMas, bem longe do cotidiano de celebridades como a estrela do axé estão mulheres comuns, Danielas que vivem ao lado de suas namoradas ou companheiras a mesma vontade de expressar seus sentimentos e receber felicitaçõesOu ,pelo menos, de viver sem discriminaçãoMas, ao contrário, convivem com medo, incerteza e preconceitoE, segundo especialistas, até mesmo temendo levar essa insegurança a públicoTanto que, dos 453 acompanhamentos feitos no ano passado pelo Núcleo de Atendimento e Cidadania a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (NAC-LGBT), da Polícia Civil, apenas 9% são casos envolvendo mulheres.

A estudante V., de 30 anos, queria ter a liberdade de fazer um carinho na namorada, C., professora de 33, quando elas estão na fila do teatroÀs vezes, a carícia nos cabelos é automática, em outras causa apreensão ao casalJuntas há pouco mais de quatro anos, elas ainda têm medo da exposição“Tenho vontade de agir mais livremente”, afirma C., que evita redes sociais, para preservar a vida particularEla contou à família sua opção aos 24 anos
Foi difícil, disse, mas o tempo passou, ela foi paciente e os pais agora agem com mais naturalidadeCdiz que os parentes até se manifestam em favor das causas LGBT, algo difícil de imaginar em outros temposMas essa realidade fica apenas entre os mais próximosNo trabalho, ninguém sabe que a professora é lésbica, e ela pretende que a situação continue assim.

Vse revelou para a família aos 19 anos, mas diz ainda sofrer com a falta de liberdade“Você tem que ficar se vigiando o tempo inteiro, o que vai falar, não pode passar a mão no cabelo da outra pessoa, porque olham diferente, parece até uma agressãoSe fosse uma amiga qualquer, ninguém interpretaria de forma negativaÉ muito ruim”, disseNo bar, quando as duas saem para tomar uma cerveja juntas, as mãos se encontram debaixo da mesa
“É muito constrangedorSeria muito bom que as pessoas vissem de uma forma natural.” Mesmo com os desafios, elas pensam em se casar e em criar um filho“É uma pessoa que nunca imaginei que fosse encontrar, queremos viver o máximo de tempo juntas”, declarou V.

Jailane, servidora pública de 26 anos, e Ana Carolina, professora de 25, enfrentaram família, levantaram a bandeira, se mudaram para um apartamento na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, e, juntas, criam um filho de 9 anosMesmo tão novas, sabem o que querem: “Somos uma família, com companheirismo, respeito, amizade e amor, que é fundamental”, disse JailaneAté chegar a essa maturidade, encontraram percalçosO último deles há menos de um ano, quando em um bar os três juntos receberam a conta do garçom sem que a tivessem pedidoQuestionaram e receberam a resposta: “Aqui é um ambiente familiar”Se indignaram e rebateram: “Não estão reconhecendo uma família?”Essa foi uma das várias vezes que foram expulsas de estabelecimentosEm duas, chamaram a polícia“No meu caso foi complicado assumir, mas foi bom quando decidiNão poderia ficar me escondendo, existia algo maior, que é o amor”, contou Ana.

Em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, P., advogada de 49 anos, viveu incertezas, como Daniela MercuryFoi casada por 25 anos, teve quatro filhos, mas não era felizHá quatro anos vive com a auxiliar de escritório P.V., de 28“Você não pode viver negando quem é”, disseLevar a público o que sentem ainda é difícil, dizem“Fui agredida fisicamente e verbalmente quando assumi minha opção sexual, até mesmo por pessoas da minha famíliaPara meus filhos foi muito difícilEles ficaram um tempo afastados, mas agora temos uma boa convivênciaAté hoje há pessoas que viram a cara quando me veem na rua”, contouPe P.Vcriam juntas um filho de 2 anos, que chama ambas de mãe“Temos uma família abençoada”, disse a advogada“Ser gay, lésbica, bissexual não é vergonhaPrecisamos continuar lutando para conseguir o respeito da sociedade”, completou.

Dia a dia de casais comuns exige bem mais discrição, apesar do desejo de uma vida sem restrições - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A.Press

Casamento

A técnica de enfermagem Vanderleia, de 34, e a companheira, Rivane, de 40, moram em Montes Claros, no Norte de MinasNa segunda-feira elas pretendem oficializar a união no cartório da cidadeRivane assumiu a homossexualidade há apenas três meses, quando o relacionamento começouElas tentam não se importar com o que os outros falam, mas sofrem“Por causa dessa resistência, precisamos ser comedidas nas manifestações de carinho em público”, disse a técnica de enfermagem, que, aos 22 anos se casou com um homemA relação, porém, durou apenas quatro anos.

Todas as mulheres que contaram suas histórias concordam com a atitude da cantora baianaAcreditam que a revelação vai contribuir para a diminuição da homofobia e dos crimes de preconceitoMas a professora Ctem uma opinião particular: “Acho que ela também sofreu muitoEla não virou lésbica da noite para o dia; tem filhos criados, foi casada..Com certeza também enfrentou muitas dificuldades”.