Jornal Estado de Minas

A praça do vício e dos assaltos

Espaço público em área hospitalar de BH é ocupado por traficantes e usuários de drogas

Adolescentes e até crianças cheiram tíner e atacam pedestres, passageiros e comerciantes e depredam patrimônio

Guilherme Paranaiba
Dia e noite - menino pequeno está sempre entre os usuários de tíner na Praça Hugo Werneck. durante a madrugada, além do removedor de tinta, é a vez do crack - Foto: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS

 

Em vez da escola e dos cuidados da família, o vício e a violênciaUm grupo de cerca de 20 pessoas, a maioria adolescente e criança, tomou conta da Praça Hugo Werneck e do seu entorno na área hospitalar, na Região Centro-Sul de BHComerciantes, pedestres, passageiros de ônibus e frequentadores do espaço público, inclusive pacientes que vêm do interior, são vítimas de furtos, roubos e ameaças dos infratores, que fumam crack, cheiram tíner, depredam o patrimônio e espalham o medo

A Polícia Militar alega que o problema é social e demanda uma intervenção bem mais complexa, porque nada proíbe moradores de rua de ocuparem aquele espaçoO grupo na Hugo Werneck seria o mesmo que migrou de um casarão demolido na Rua Rio Grande do Norte, na Savassi, em 2012.

A falta de segurança é unanimidade entre os frequentadores, principalmente à noite“Na madrugada de terça-feira, um militar reformado havia deixado um parente no Hospital das Clínicas e atirou em um ladrão que arrombava um carroO tiro acertou um pedestreNa mesma madrugada, outro carro foi arrombadoNo dia anterior, adolescentes perseguiram o gerente da farmácia com uma faca”, informou o presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública da 3ª Região da Polícia Militar (Consep), Daniel Nasser

Durante toda a tarde de ontem, o Estado de Minas flagrou adultos vendendo tíner para crianças e adolescentes na praçaO preço do solvente varia conforme o nível na garrafa de água mineral que os menores carregam e cheiram o tempo todo

Cada linha que o líquido atinge no recipiente custa R$ 1Para conseguir dinheiro, os menores assaltam pedestres e furtam no comércioUma drogaria fechou o estacionamento para clientes e nem assim conseguiu afastar os menores que ocupam o espaço“Descobrimos que uma menina usava o local para se prostituirUsava um cobertor como cortina e cobrava R$ 10 dos clientes, em plena luz do dia”, reclama o gerente, Alexandre Santos.

 Motoristas de ônibus, de táxi, garis, estudantes, trabalhadores, pacientes e outras pessoas que usam o espaço não hesitam ao afirmar que têm medo de passar na Praça Hugo WerneckA estudante de moda da UFMG Marília Roque, de 23 anos, mora na Avenida Francisco Sales, a cinco quarteirões da praçaDo câmpus Pampulha ela pega um ônibus por volta das 22h30 e desce na Avenida Professor Alfredo Balena, em um dos lados da praçaEm condições normais, ela gastaria pouco mais de cinco minutos caminhando dali até em casa“Não dou sopa para o azarSão cinco minutos, mas eu prefiro esperar o ônibus sair
O motorista já até deixa a porta aberta, porque ele sabe que já fui intimidada”, conta

Na Escola Superior Dom Helder Câmara, na Rua Álvares Maciel, a sensação não é diferenteJéssica Vieira, de 21, cursa direito e usa o ônibus apenas na hora de ir para a faculdade, por volta das 18h30“Na volta só ando de van, não tenho coragem de ficar no ponto da praçaTem gente que mora bem atrás do abrigo e já ouvi vários casos de pessoas assaltadas”, diz ela

PERIGO CONSTANTE


Há oito anos trabalhando no local, uma gari conta que a praça sempre conviveu com moradores de rua, mas recentemente a situação ficou insustentável“É muita droga para esses meninosQuem fica no ponto de ônibus é atacado, eles correm atrás das pessoas, quebram vidros, brigam entre si, andam segurando facas e fazem o terrorJá vi uma situação de 15 meninos indo para cima de outro e dando facadas”, diz ela.

Enquanto a reportagem estava na região, surgiu um carro de políciaApenas cinco minutos após estacionar o caminhão-baú em frente a uma pensão na praça, o motorista Carlos Kawano, de 41, parecia não acreditar no que viaEle trazia de São Paulo instrumentos musicais para o show de Ziggy Marley em BH e teve o vidro do caminhão quebrado por uma pedraO aparelho GPS e um celular que ficaram na cabine foram furtados“Não gastei nem cinco minutosFui só ver se estava tudo certo com a minha vaga no hotel e já tomei esse prejuízo”, diz o motorista.

O motorista da linha de ônibus SC04A (Santa Casa/Savassi/rodoviária) Edmilton Jorge, de 39, conhece bem a ação dos menores, geralmente liderados por adultos“Normalmente os maiores é que trazem o tíner”, dizEle conta uma situação curiosa que presenciou“Um dos meninos chegou e perguntou sobre o surfeLogo depois, subiu e começou a correr em cima do ônibus, como se estivesse surfando mesmo”, afirma

 

INFRATORES OCUPAVAM IMÓVEL NA SAVASSI

 

O “casarão do medo”, como ficou conhecido o imóvel abandonado no número 1.022 da Rua Rio Grande do Norte, na Savassi, não existe maisEm maio do ano passado, a Polícia Militar montou operação para retirar 20 usuários de crack que invadiram o local e apreendeu 16 menoresO casarão, que pertence a uma associação evangélica, foi demolido e o terreno cercado, um alívio para quem mora ou trabalha nas imediações e sofria com as ameaças e  assaltosOs menores foram levados para abrigos e alguns voltaram para a ruaO mesmo grupo migrou para a Praça Hugo WerneckO mais perigoso, identificado por Biscoito, de 13 anos,  usa drogas e ficha policial por furtos e roubos.