Em vez da escola e dos cuidados da família, o vício e a violência. Um grupo de cerca de 20 pessoas, a maioria adolescente e criança, tomou conta da Praça Hugo Werneck e do seu entorno na área hospitalar, na Região Centro-Sul de BH. Comerciantes, pedestres, passageiros de ônibus e frequentadores do espaço público, inclusive pacientes que vêm do interior, são vítimas de furtos, roubos e ameaças dos infratores, que fumam crack, cheiram tíner, depredam o patrimônio e espalham o medo.
A Polícia Militar alega que o problema é social e demanda uma intervenção bem mais complexa, porque nada proíbe moradores de rua de ocuparem aquele espaço. O grupo na Hugo Werneck seria o mesmo que migrou de um casarão demolido na Rua Rio Grande do Norte, na Savassi, em 2012.
A falta de segurança é unanimidade entre os frequentadores, principalmente à noite. “Na madrugada de terça-feira, um militar reformado havia deixado um parente no Hospital das Clínicas e atirou em um ladrão que arrombava um carro. O tiro acertou um pedestre. Na mesma madrugada, outro carro foi arrombado. No dia anterior, adolescentes perseguiram o gerente da farmácia com uma faca”, informou o presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública da 3ª Região da Polícia Militar (Consep), Daniel Nasser.
Motoristas de ônibus, de táxi, garis, estudantes, trabalhadores, pacientes e outras pessoas que usam o espaço não hesitam ao afirmar que têm medo de passar na Praça Hugo Werneck. A estudante de moda da UFMG Marília Roque, de 23 anos, mora na Avenida Francisco Sales, a cinco quarteirões da praça. Do câmpus Pampulha ela pega um ônibus por volta das 22h30 e desce na Avenida Professor Alfredo Balena, em um dos lados da praça. Em condições normais, ela gastaria pouco mais de cinco minutos caminhando dali até em casa. “Não dou sopa para o azar. São cinco minutos, mas eu prefiro esperar o ônibus sair. O motorista já até deixa a porta aberta, porque ele sabe que já fui intimidada”, conta.
Na Escola Superior Dom Helder Câmara, na Rua Álvares Maciel, a sensação não é diferente. Jéssica Vieira, de 21, cursa direito e usa o ônibus apenas na hora de ir para a faculdade, por volta das 18h30. “Na volta só ando de van, não tenho coragem de ficar no ponto da praça. Tem gente que mora bem atrás do abrigo e já ouvi vários casos de pessoas assaltadas”, diz ela.
PERIGO CONSTANTE
Há oito anos trabalhando no local, uma gari conta que a praça sempre conviveu com moradores de rua, mas recentemente a situação ficou insustentável. “É muita droga para esses meninos. Quem fica no ponto de ônibus é atacado, eles correm atrás das pessoas, quebram vidros, brigam entre si, andam segurando facas e fazem o terror. Já vi uma situação de 15 meninos indo para cima de outro e dando facadas”, diz ela.
Enquanto a reportagem estava na região, surgiu um carro de polícia. Apenas cinco minutos após estacionar o caminhão-baú em frente a uma pensão na praça, o motorista Carlos Kawano, de 41, parecia não acreditar no que via. Ele trazia de São Paulo instrumentos musicais para o show de Ziggy Marley em BH e teve o vidro do caminhão quebrado por uma pedra. O aparelho GPS e um celular que ficaram na cabine foram furtados. “Não gastei nem cinco minutos. Fui só ver se estava tudo certo com a minha vaga no hotel e já tomei esse prejuízo”, diz o motorista.
O motorista da linha de ônibus SC04A (Santa Casa/Savassi/rodoviária) Edmilton Jorge, de 39, conhece bem a ação dos menores, geralmente liderados por adultos. “Normalmente os maiores é que trazem o tíner”, diz. Ele conta uma situação curiosa que presenciou. “Um dos meninos chegou e perguntou sobre o surfe. Logo depois, subiu e começou a correr em cima do ônibus, como se estivesse surfando mesmo”, afirma.
INFRATORES OCUPAVAM IMÓVEL NA SAVASSI
O “casarão do medo”, como ficou conhecido o imóvel abandonado no número 1.022 da Rua Rio Grande do Norte, na Savassi, não existe mais. Em maio do ano passado, a Polícia Militar montou operação para retirar 20 usuários de crack que invadiram o local e apreendeu 16 menores. O casarão, que pertence a uma associação evangélica, foi demolido e o terreno cercado, um alívio para quem mora ou trabalha nas imediações e sofria com as ameaças e assaltos. Os menores foram levados para abrigos e alguns voltaram para a rua. O mesmo grupo migrou para a Praça Hugo Werneck. O mais perigoso, identificado por Biscoito, de 13 anos, usa drogas e ficha policial por furtos e roubos.